Violência contra mulheres: feminicídio e estupro aumentam em SP

Estado registrou, de janeiro a agosto de 2023, 142 casos de feminicídio e 9.554 de estupro, o maior patamar da história. No Brasil foram 74.930 vítimas só em 2022

Foto: Eduardo Anizelli

A situação de violência sexual contra as mulheres no estado de São Paulo tem se agravado, atingindo números negativos em termos de feminicídios e estupros. Dados oficiais divulgados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) nesta segunda-feira (25), revelam que os números referentes ao mês de agosto de 2023 alcançaram o maior patamar da história, mostrando uma realidade alarmante.

Só em agosto, São Paulo registrou 19 feminicídios, um aumento significativo em relação ao mesmo período de 2022, que contabilizou 16 ocorrências. Esse crescimento representa um aumento de 28% em relação ao ano anterior, elevando o acúmulo de feminicídios em 2023 para 142 vítimas. O interior paulista é a região mais afetada, com 12 casos no mês, enquanto a capital registrou quatro assassinatos de mulheres. Esse aumento ocorre após uma queda nos números em julho.

Os dados também revelam um aumento preocupante nos casos de estupro. No Estado de São Paulo, de janeiro a agosto de 2023, houve um crescimento de 13,7% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Em 2022, foram registrados 8.401 casos, enquanto em 2023, o número subiu para 9.554. Apenas em agosto deste ano, foram 1.306 casos — uma média de 42 por dia — representando um aumento de 10,7% em relação a agosto de 2022, quando foram registrados 1.180 casos.

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Já na cidade de São Paulo, os registros de estupro aumentaram 20% no acumulado de janeiro a agosto de 2023 em comparação com o mesmo período de 2022. Foram 1.982 ocorrências registradas contra 1.644 nos oito primeiros meses de 2022.

Esses aumentos seguem a tendência observada nos números de agosto, que indicaram um crescimento de 21% e 13% nas ocorrências de estupro na capital e no estado, respectivamente.

Além disso, segundo as estatísticas, 80% dos estupros (1.049 casos) foram cometidos contra vítimas vulneráveis – ou seja, pessoas com até 14 anos ou incapazes de consentir.

A Secretaria atribuiu o aumento dos registros à redução da subnotificação. De acordo com a doutora Jamila Ferrari, coordenadora estadual Delegacias de Defesa da Mulher, “o aumento de registros indica que agora as vítimas possuem mais confiança para procurar a polícia e denunciar os criminosos”, diz a nota da SSP.  

Para driblar esses números, o governo de São Paulo tem estudado a ampliação do funcionamento 24 horas das Delegacias de Defesa da Mulher (DDM). Das 140 unidades, 11 funcionam ininterruptamente —sete delas na capital. Outra posição da gestão tem sido a de indicar uma redução na subnotificação do crime de estupro, com a ampliação de registros.

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A SSP afirmou, em nota, que o estado tem a maior estrutura do país para o combate de violência contra a mulher. “O estado possui uma estrutura que permite que as mulheres registrem esses crimes por meio da internet 24h por dia, além de 140 Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) e 77 salas, anexas nos plantões policiais, em que as vítimas são atendidas por videoconferência, interagindo com a equipe da DDM Online”. Segundo a pasta, todos os casos registrados são investigados.

Violência Sexual no Brasil

Se em São Paulo, estado mais populado do Brasil, os números relacionados à violência sexual são ruins, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023 destaca um cenário ainda mais devastador, com 74.930 vítimas em todo o país em 2022. No entanto, esses números são apenas uma fração da realidade, pois a subnotificação é uma prática comum nesse tipo de crime. O estudo estima que o número real de casos de estupro no Brasil pode chegar a cerca de 822 mil anualmente – o equivalente a dois por minuto. Desses, apenas 8,5% chegam ao conhecimento da polícia e 4,2% são identificados pelo sistema de saúde.

Além isso, os números apresentados no Anuário consideram que os casos de estupro, “que somaram 18.110 vítimas em 2022, tiveram um crescimento de 7% em relação ao ano anterior, bem como os casos de estupro de vulnerável, com um total de 56.820 vítimas, incremento de 8,6%. Isto significa que 24,2% das vítimas eram homens e mulheres com mais de 14 anos, e que 75,8% eram incapazes de consentir, fosse pela idade (menores de 14 anos), ou por qualquer outro motivo (deficiência, enfermidade etc.)”.

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Crianças e adolescentes continuam sendo as principais vítimas da violência sexual, representando uma parcela significativa das vítimas. 61,4% delas tinham no máximo 13 anos de idade. Além disso, as pessoas negras são as principais vítimas da violência sexual. Ano passado, 56,8% das vítimas eram pretas
ou pardas (no ano anterior eram 52,2%).

O número corresponde somente a casos que foram notificados às autoridades policiais. Juliana Brandão, pesquisadora-sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ressalta que o dado representa apenas uma fração do cenário da violência sexual no país. “O estupro é o ápice da violência sexual. Não temos a quantidade total de vítimas porque, pela sua natureza, este é um crime subnotificado”, afirma.

Os dados mostram que, em sua maioria (82,7%), os abusadores são conhecidos das vítimas, evidenciando a necessidade de ações preventivas e educacionais para combater esse cenário alarmante. O lar é o ambiente mais comum dos estupros: 68,3% dos casos ocorreram na residência da vítima. No caso específico dos vulneráveis, 71,6% são vítimas de crime sexual em casa.

Perfis das vítimas

Seis em cada dez vítimas têm entre 0 e 13 anos, e foram abusadas principalmente por familiares ou outros conhecidos.

  • 10,4% das vítimas de estupro eram bebês e crianças com até 4 anos;
  • 17,7% das vítimas tinham entre 5 e 9 anos;
  • 33,2%, entre 10 e 13 anos;
  • 61,4% tinham no máximo 13 anos;
  • Aproximadamente 8 em cada 10 vítimas de violência sexual eram menores de idade.

Na faixa que vai de 14 a 17 anos, a maior parte dos estupros ainda é de vulnerável, em situações em que a vítima, por qualquer razão, não é capaz de oferecer resistência.

Casos emblemáticos

Em suma, quando falamos de estupro, de violência sexual, estamos confrontando um tipo de violência muitas vezes intrafamiliar, enraizada no ambiente domiciliar e ocorrendo durante o dia. Suas vítimas primárias são pessoas vulneráveis, tornando o enfrentamento a essa forma de violência sexual extremamente desafiador. Esses são fatores intrínsecos a um cenário em que a violência de gênero se torna arraigada e lamentavelmente normalizada nas relações familiares, sendo, inclusive, transmitida através das gerações.

Além disso, esse contexto faz com que seja muito difícil para as vítimas reconhecerem as violências que sofrem e, quando conseguem, enfrentam enormes barreiras para denunciar ou buscar ajuda. Como agravante, o sistema de justiça e de proteção social enfrenta obstáculos consideráveis ​​no lidar com esses casos, quando não lamentável, como o do juiz que absolveu um homem acusado de estuprar 12 mulheres e ainda questionou uma das vítimas se ela dormia “de calça jeans, só de calcinha, nua, com pijama”. Questões como essa são um escândalo e mostram um verdadeiro massacre, especialmente contra as mulheres, que representam a maioria absoluta das vítimas.

Entretanto, é alarmante também perceber que esse assunto não é abordado com a força, ênfase e relevância que merece. O estupro no Brasil é um crime que ocorre em silêncio. Acontece dentro da casa da vítima, sendo que na esmagadora maioria das vezes atinge crianças e adolescentes.

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Embora casos mais emblemáticos, que envolvem figuras públicas, como o do ex-BBB Felipe Prior que foi condenado a seis anos de prisão por estupro em 2014; do ex-jogador Robinho, condenado na Itália, cujo processo ainda está em curso; do também ex-jogador Daniel Alves, que está sendo julgado na Espanha; do ex-médico Roger Abdelmassih, condenado a mais de 173 anos de prisão pelo estupro de pacientes; do ex-líder espiritual João de Deus, condenado a mais 109 anos pelos crimes de estupro de vulnerável e violação sexual; e tantos outros que não cabe citar aqui atraíam a atenção da mídia, o estupro no Brasil é, em sua maioria, um crime silencioso, invisível, ocorrendo nos confins dos lares e nas sombras da sociedade.

É essencial que as vozes das vítimas sejam ouvidas e que a sociedade, as instituições e as autoridades se unam em um conjunto para proteger aqueles que sofrem em silêncio. É preciso desmitificar a cultura do estupro, oferecer apoio psicológico e social às vítimas e implementar medidas que garantam que os agressores enfrentem as consequências devidas.

A luta contra o estupro no Brasil não pode ser relegada ao esquecimento. Ela exige uma abordagem calorosa, uma mudança cultural e ações concretas para garantir que nenhuma vítima seja deixada para trás, e que a justiça e a proteção sejam uma realidade para todos.

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