Lula cobra “sim ou não” de europeus sobre acordo com Mercosul
Presidente teve reuniões com líderes europeus e enfatizou os 22 anos de exigências descabidas para uma parceria comercial equilibrada
Publicado 11/09/2023 15:48 | Editado 12/09/2023 17:18
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu um ultimato a líderes da União Europeia, nesta segunda-feira (11), sobre o acordo comercial com o Mercosul, que continua gerando exigências inesperadas para ser selado. “Temos que chegar nos próximos meses a um acordo. Ou ‘sim’ ou ‘não’. Ou faz acordo ou para de discutir acordo, porque 22 anos, ninguém acredita mais”, afirmou Lula. O presidente se reuniu reservadamente, no domingo (10), com o presidente da França, Emmanuel Macron, com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel durante a Cúpula do G20, em Nova Délhi, na Índia.
Nas conversas, tratou sobre as pendências que travam um desfecho e cobrou clareza em torno da real possibilidade de acordo. Na opinião do presidente, a decisão já está mais no âmbito político do que técnico. “Quando a gente quer encontrar solução a gente não manda emissário, a gente vai pessoalmente. A UE tem suas comissões que negociam, mas a nossa quem negocia são os governos. Quero sentar com o Macron, com o Olaf Scholz (Alemanha), para decidir as coisas. Quero saber o seguinte: onde está pegando esse acordo?”
“Lula anunciou que o Mercosul está pronto para concluir o acordo o mais rápido possível e que espera uma postura clara dos europeus”, informou o Palácio do Planalto, em nota. “Para o presidente brasileiro, não faz mais sentido, após 22 anos de tratativas entre os negociadores, seguir numa perspectiva de protelar consensos. Para ele, é o momento de os líderes dos 2 lados decidirem politicamente levar o acordo entre os blocos adiante”, diz o comunicado. No dia 21 de setembro, eles devem se reunir presencialmente, em Brasília.
O presidente reiterou que o Brasil não aceita “ameaças de sanções” por descumprir exigências ambientais, tampouco ceder na reserva de mercado das compras governamentais, propostas que ele já havia considerado ofensivas. Lula reafirmou que posturas como a carta adicional que a União Europeia fez neste ano, incluindo possibilidades de sanções em função de temas ambientais, desconsidera as credenciais do Brasil e dos vizinhos neste tema. O grupo europeu quer estabelecer punição para quem descumprir os termos do Acordo de Paris, o tratado internacional sobre mudanças climáticas adotado em 2015. Aos líderes, ele citou o trabalho do governo federal para reduzir o desmatamento na Amazônia e a iniciativa de reunir autoridades dos 8 países da região na Cúpula da Amazônia, em agosto, em Belém.
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Em declarações anteriores, Lula já disse que a proposta é inaceitável, mas, de acordo com o Planalto, ele está confiante em chegar, até o fim do ano, “a um acordo equilibrado e que leve em conta necessidades dos 2 lados”. Sob liderança do Brasil, o Mercosul entregou, dias atrás, uma contraproposta ao documento adicional dos europeus. Existe a percepção de que os franceses estão sendo protecionistas com sua agricultura ao evitar o acordo e criar empecilhos para o agronegócio brasileiro e sul-americano.
Aprovado em 2019, depois de 20 anos de negociações, o acordo Mercosul-UE precisa ser ratificado pelos parlamentos de todos os países dos 2 blocos para entrar em vigor. A negociação envolve 31 países.
Lula também reiterou que o Brasil não abre mão das compras governamentais, por considerar a ferramenta essencial para a reindustrialização do país. A proposta do acordo prevê que fornecedores estrangeiros de bens e serviços possam ser contratados no Brasil e participar de uma série de licitações públicas do país.
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Nas redes sociais, Ursula von der Leyen concordou com a intenção de encontrar um caminho consensual. “A União Europeia valoriza a parceria com o Brasil. Queremos reenergizá-la. E precisamos encontrar um caminho para União Europeia e Mercosul”, escreveu.
Intercâmbio cultural
No encontro entre Lula e Macron, os dois líderes concordaram com a reedição, em 2025, de uma parceria para levar representantes da cultura brasileira ao país europeu e destaques do cenário artístico francês para apresentações no Brasil. As ações devem ocorrer em moldes semelhantes ao do Ano do Brasil na França e do Ano da França no Brasil, com programações realizadas nos anos 2000.
Lula e Macron trataram ainda de uma agenda de cooperação em áreas como defesa e meio ambiente. O brasileiro também reforçou o convite a Macron para que faça sua primeira visita oficial ao Brasil e ouviu do europeu que há previsão de que essa oportunidade ocorra no primeiro semestre de 2024.
Brasil e França firmaram uma parceria estratégica em 2006 para promover o diálogo político e as relações econômico-comerciais. Os 2 países possuem ainda cooperação nas áreas de defesa, espaço, energia nuclear e desenvolvimento sustentável. A parceria também contempla educação, ciência e tecnologia, temas migratórios e transfronteiriços.
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Em 2022, o comércio bilateral movimentou cerca de US$ 8,45 bilhões em mercadorias.
Investimentos sauditas
Lula também conversou, pela 1ª vez, com o príncipe herdeiro e primeiro-ministro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman. Os representantes sauditas indicaram ao presidente Lula que desejam ampliar investimentos no Brasil, principalmente na área de petróleo e gás e também nas fontes verdes, além de retomar uma agenda comercial que ficou parada nos últimos anos.
O príncipe havia cancelado a reunião com Lula no sábado (9). O cancelamento se deu por conta de “urgências na comitiva” do país árabe. O saudita foi quem presenteou Jair Bolsonaro (PL) com o kit de joias que deveriam ter sido anexadas ao acervo da União em 2021, mas acabaram em posse pessoal do ex-presidente.
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Também ficou acertado que uma delegação de empresários e autoridades sauditas deve visitar o Brasil em breve para conhecer a carteira de projetos do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que estão abertos a investimentos estrangeiros. Essa agenda será discutida pelos ministérios das Relações Exteriores de ambos os países.
“Segundo o presidente Lula, o crescimento dos investimentos sauditas no Brasil é bem-vindo e pode ser importante no processo de transição para uma economia mais sustentável, com destaque para setores de alta tecnologia, como o desenvolvimento de motores híbridos e também em hidrogênio verde”, explicou o Palácio do Planalto, em nota.
As relações comerciais entre os 2 países vêm crescendo ano a ano e, em 2022, o volume comercializado chegou a US$ 8,2 bilhões.
Na conversa, o presidente brasileiro também deu as boas-vindas à Arábia Saudita como novo país-membro do Brics. A nação árabe faz parte do grupo de 6 novos integrantes oficializados em agosto, juntamente com a Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã. Até então, o bloco de países emergentes era formado apenas por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.