O que a disparada das violências contra a mulher espera de nós

Anuário Brasileiro de Segurança Pública piora em todos os indicadores de violência contra a mulher em 2022 – que podem ser ainda maiores, pela subnotificação

Na manhã desta sexta-feira, dia 25 de novembro foi realizada a Manifestação em Combate a Violência contra as mulheres, no Largo da Carioca, no centro do Rio. O evento marca as celebrações dos 30 anos do "Dia Internacional de Luta pela Não Violência contra as Mulheres" e os 20 anos dos "16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres".

Enquanto eu escrevo estas palavras, muitas mulheres, em diferentes partes do Brasil, estão sofrendo algum tipo de violência. Não é exagero: diariamente, mais de 600 de nós são vitimadas pela violência doméstica e por lesões corporais motivadas por misoginia; são ainda mais de 1,6 mil registros diários de ameaças; e um saldo de quatro brasileiras assassinadas por dia, por serem mulheres.

As informações trazidas acima foram extraídas do 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho. O documento revelou uma piora em todos os indicadores de violência contra a mulher em 2022 – que podem ser ainda maiores, pela subnotificação dos casos.

De tudo o que traz o Anuário, o que mais assusta é saber que a maioria dos casos é de ordem familiar. Diferente do que se pensa, a maioria dos estupros, por exemplo, não acontece em um beco, numa rua escura, cometido por um desconhecido. A grande parte dos casos de abuso contra a dignidade sexual das mulheres vem de companheiros, ex-companheiros e familiares outros.

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Quando se fala em feminicídio, especificamente, a sociedade choca-se com a crueldade, mas parece ignorar o fato de que, até chegar a esse ponto, outros tipos de violências aconteceram. O feminicídio é apenas o desfecho da agressão verbal, da depreciação, das chantagens, das violências psicológica e patrimonial, das manipulações, do murro no box do banheiro durante uma discussão.

Muitas mulheres não conseguem entender que foram/são vítimas de violência, pois, historicamente, esses ataques foram naturalizados, legitimados por uma cultura que incorpora a mulher ao patrimônio masculino, devendo esta proteger a imagem do seu “dono”. As que se dão conta das agressões, muitas vezes, enfrentam um processo de revitimização, porque logo são invalidadas, desaconselhadas a denunciar, culpabilizadas e o pior: obrigadas a conviver com os seus próprios agressores.

Diante de um panorama tão deprimente, é urgente retomar uma agenda de lutas contra a violência de gênero e construir um amplo trabalho de conscientização. Precisamos debater de forma ostensiva sobre esse mal pelo qual nós, mulheres, somos acometidas em todos os espaços e elaborar uma intensa agenda política junto às organizações, entidades, partidos, sindicatos, academia e etc.

A teia que envolve as mulheres num ambiente tóxico de violências e controle é perversa. Em todas as áreas da vida, nos deparamos com situações e comportamentos que reforçam o machismo e a misoginia. Existe um ambiente sempre propício de acolhimento e, muitas vezes, premiação para os homens, especialmente brancos. Por isso, superar o patriarcado exige de nós muita organização, sororidade, sensibilidade, acolhimento e luta.

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