Uso de câmeras por policial penal pode coibir tortura em prisões, recomenda relatório

Colegiado do Ministério dos Direitos Humanos verificou superlotação, insegurança alimentar e sanitária, falta de atendimento médico e maus-tratos nas prisões

Visita do MNPCT a unidade prisional. Reprodução do Relatório 2022

Nesta quarta-feira (16), foi divulgado o relatório anual Tortura Sistêmica e Democracia na Encruzilhada, com 53 recomendações aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para o fim da tortura e maus-tratos nos presídios e demais instituições de privação de liberdade do país. O Brasil possui a terceira maior população prisional do mundo, com aproximadamente 44,5% de presos provisórios sobrevivendo em condições desumanas.

A partir do cenário encontrado em 45 visitas, feitas pelos peritos em 2022, a prisões e demais unidades de privação de liberdade de oito estados (AM, AL, BA, DF, MG, PR, RN e SE), o colegiado recomenda a extinção da Força Tática de Intervenção Penitenciária (FTIP), uso de câmeras de filmagem pelos policiais penais e vedação da utilização de alguns tipos de armas menos letais em operações dentro das unidades prisionais. 

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O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), colegiado ligado ao Ministério dos Direitos Humanos, encontrou nas visitas celas superlotadas, alimentação mal cozida e insuficiente, falta de abastecimento adequado de água, banheiros em péssimas condições de uso e detentos doentes e sem tratamento médico. 

Nas inspeções, foram identificados ainda presos submetidos a castigos, como permanecer em exposição ao sol por longos períodos, e com ferimentos resultantes de ações por parte dos agentes penais, como espancamentos e marcas de balas de borracha.

Foram inspecionadas unidades prisionais, carceragens, delegacias, unidades socioeducativas, hospitais psiquiátricos, hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, comunidade terapêutica e abrigo para idosos.

“O objetivo primordial do MNPCT em visitar espaços de privação de liberdade é exercer um controle externo ao identificar que a falta de rotina institucional nas áreas da saúde, trabalho, assistência, educação, fornecimento de insumos básico de higiene e alimentação geram oportunidades para violação de direitos, tortura e maus tratos que, historicamente, são invisíveis tanto para a sociedade quanto aceitos por gestores públicos”, informa o relatório.  

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53 recomendações

O grupo sugere a desativação da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) e o retorno do “modelo original de prevenção de distúrbios no sistema prisional, focado no fortalecimento dos estados”. A recomendação é a aplicação de recursos do Fundo Penitenciário para melhorar as condições dos presídios, “reduzindo as tensões no sistema; aprimoramento das condições de trabalho dos policiais penais e das equipes técnicas e programas de desencarceramento para redução da superlotação”.  

Criada em janeiro de 2017, a FTIP, composta por policiais penais federais, é acionada para resolução de crises, motins, rebeliões no sistema prisional. A força-tarefa foi empregada pela primeira vez, em 2017, na Penitenciária de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, por causa de conflitos que deixaram 26 presos mortos. 

Outra recomendação é o uso obrigatório de câmeras de filmagens fixadas nas fardas ou coletes dos policiais penais de todos os estados, “assegurando um tempo mínimo e adequado de armazenamento das imagens e um tempo maior em casos de ocorrência de conflitos, violência ou possíveis situações de prática de tortura e outras violações de direitos no âmbito da privação de liberdade”. 

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Sobre armas menos letais, os peritos sugerem vedação do uso dos armamentos menos letais no interior das unidades prisionais, a maioria indicada para uso em áreas abertas para dispersão de multidões. Essas armas não são indicadas pelos próprios fabricantes para uso em celas ou áreas internas pelos riscos de incêndio, danos graves, problemas respiratórios com risco de morte. É o caso dos cartuchos de impacto cinético com múltiplos projéteis; bomba fumígena HC com produção banida em outros países; granada de luz e som GL 305; espargidor de pimenta e bombas CS.

O mecanismo recomenda ainda política nacional de combate à insegurança alimentar e acesso à água nas instituições de privação de liberdade, criação de sistemas estaduais de prevenção à tortura, proibição de custódia de mulheres e meninas por agentes homens, realização de censo penitenciário,  valorização dos profissionais de segurança penitenciária, fim do corte de cabelo compulsório para adolescentes em medida socioeducativa e fomentar disciplinas obrigatórias sobre os direitos da população LGBTI+ privada de liberdade.

O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) é composto por especialistas independentes (peritos) com acesso aos centros de detenção, estabelecimento penal, hospital psiquiátrico, abrigos de idosos, instituição socioeducativa ou centro militar de detenção disciplinar.  Os peritos elaboram relatórios com recomendações às autoridades competentes para adoção de políticas.  

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O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, estabelecido por sólida estrutura legal, constituído por Lei, Decretos e robusta normativa e tratados internacionais, não foi poupado da escalada do autoritarismo vivenciada no Brasil a partir da posse do Governo Bolsonaro no ano de 2019, com a promulgação do Decreto nº 9.831/2019, responsável pelo desmonte do MNPCT e exoneração de todos os peritos. O decreto foi derrubado depois por decisão do Supremo Tribunal Federal.

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