Nova presidenta da UNE quer maior acesso e permanência nas universidades
Manuella Mirella defende foco na reconstrução nacional e na redução das desigualdades com mais oportunidades para que o jovem possa entrar e se manter no ensino superior
Publicado 20/07/2023 10:00 | Editado 24/07/2023 08:51
Após anos de desmontes e retrocessos, a juventude finalmente tem à frente um horizonte de perspectivas mais positivas para que o país possa avançar no acesso e na melhoria da educação. Com esse espírito e ciente dos desafios colocados para a reconstrução do país e a conquista de mais direitos, milhares de jovens se reuniram durante o 59º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) e elegeram a presidenta Manuella Mirella. “Nosso foco está na reconstrução nacional e na redução das desigualdades”, disse, ao Portal Vermelho.
Por isso, acrescentou, “para além da democratização do acesso ao ensino superior, buscaremos, sobretudo, que o estudante termine a graduação. Hoje, a evasão dos estudantes é um desafio para a nossa geração, para o desenvolvimento do país e para a redução das desigualdades”.
Eleita no último domingo (16) com mais de 74% dos votos, a pernambucana de Olinda, Manuella Mirella, de 26 anos, ressalta que sua chegada à presidência da UNE traz importantes simbolismos, além do fato de ser uma jovem nordestina, cotista e LGBT. “Pela primeira vez, a UNE tem o cargo de presidente passando de uma mulher negra para outra. É muito emblemática essa representatividade nessa eleição”, disse, fazendo uma referência à presidente da gestão cessante, Bruna Brelaz.
Manuella destaca que, para fazer valer as bandeiras da juventude, sua gestão vai se voltar também à Câmara e ao Senado. “Ainda que o presidente Lula e o MEC (Ministério da Educação) tenham retomado o diálogo, a pressão no Congresso deve ser constante. Ainda há muito embate de ideias pela educação e contra projetos de desmonte e também ideológicos”, ressalta.
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A nova presidenta aponta ainda como algumas de suas prioridades à frente da entidade a luta para garantir que o Plano Nacional de Assistência Estudantil se torne lei. Manuella costuma dizer que “ninguém estuda com fome. Ninguém vai para a universidade a pé”. Ela lembra que quando entrou na graduação, pegava três ônibus para ir e três para voltar. “Dentro da assistência, a gente quer passe livre, alimentação no restaurante universitário (RU) e que o estudante tenha condições de permanecer, concluir e dar um retorno à sociedade. Quero que seja esse o nosso legado”.
Defensora das cotas que a possibilitaram acessar a universidade — atualmente ela cursa Engenharia Ambiental e é formada em Química pela UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco) —, Manuella tem dito: “Quando falo que as cotas e a assistência estudantil mudam vidas, é porque elas mudaram a minha. A Casa do Estudante, a bolsa de R$ 400, o RU me deram oportunidades e eu agarrei. Milhares de jovens hoje só precisam dessa oportunidade”.
Além disso, ela destaca que “nossa meta é ampliar as vagas, para que se o estudante quiser entrar na universidade pública consiga, mas, enquanto isso não acontece, buscamos que todos tenham acesso ao ensino superior. Se for numa instituição privada, que tenha qualidade e que não trate a educação como mercadoria”.
A nova presidenta da UNE tem defendido, ainda, a luta para acabar com os 40% de ensino à distância nos cursos presenciais, a construção da UNE Volante — que vai atuar por uma reforma universitária que coloque no centro do debate a soberania nacional e a diversidade do país — e a revogação do Novo Ensino Médio.
Após declarada a vontade da maioria dos estudantes presentes ao congresso, Manuella resumiu assim sua eleição: “Tenho muito orgulho de poder ocupar esse espaço para que meninas que vieram de onde eu vim saibam que podem chegar onde elas quiserem. Serão dois anos de muita luta e, se depender de nós, de muitas conquistas para os estudantes brasileiros”.
Carta a Lula
Boa parte dos desafios vividos e dos que estão colocados para o próximo período para a UNE constam na carta-aberta da entidade dirigida ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que esteve no 59º Congresso na quinta-feira (13). O documento diz que “a mesma universidade que enfrentou a pandemia, agora deve ser mobilizada para ajudar a combater a fome, o analfabetismo e a miséria”.
Além disso, dizem os estudantes, “queremos discutir uma Reforma Universitária capaz de colocar a universidade brasileira nos rumos da emancipação do nosso povo. Queremos que em um curto período possamos garantir que o Programa Nacional de Assistência Estudantil se torne lei, com orçamento próprio que atenda as demandas estudantis”.
A UNE demanda, ainda, a retomada das obras paradas nas universidades e reformas estruturais nos laboratórios, “que em muitos casos ainda carregam a marca do desmonte sofrido nos últimos anos, com equipamentos quebrados e sem manutenção”, além de melhorias nos serviços prestados às universidades, muitos dos quais pioraram pela falta de profissionais concursados ou pela terceirização.
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Outro ponto destacado da carta diz respeito à defesa da permanência e ampliação da Lei de Cotas, “com a garantia automática de assistência estudantil para conseguirmos não só entrar, mas também permanecer na universidade. É preciso avançar cada vez mais na popularização da universidade, para que ela expresse a diversidade presente em nossa sociedade — a implementação das cotas trans e vestibular indígena são passos decisivos nessa direção”.
A carta conclui dizendo: “temos a certeza de que no próximo período a União Nacional dos Estudantes continuará firme na guarda da democracia, na luta contra o fascismo, na defesa da educação, do direito dos estudantes e da Amazônia, e na construção cotidiana de um Brasil mais justo, soberano e desenvolvido, pois isso está em nosso DNA”.
Leia abaixo a íntegra da carta:
Aqui estamos, estudantes de todos os cantos do Brasil, no 59º Congresso da União Nacional dos Estudantes, para dizer que resistimos a um dos períodos mais difíceis da nossa história. A sua presença, presidente, é a demonstração concreta de que a luta dos estudantes na defesa da democracia deu certo, que derrotamos o projeto que pretendia combater nossas liberdades democráticas, sabendo que ainda temos muitos desafios, na reconstrução do Brasil e na união de brasileiras e brasileiros e no combate à extrema-direita, à desinformação e ao ódio propagado por aqueles que não querem ver nosso povo de pé e feliz.
Presidente, nos últimos anos, nós jovens, estudantes e trabalhadores, fomos uns dos principais alvos de uma política nefasta que a todo momento tentou nos matar. Tivemos um grande retrocesso na política de geração de empregos, nossas perspectivas do sonho do ensino superior foram testadas a todo momento, mas resistimos.
Não é a primeira vez que a universidade vira alvo dos que ameaçam a democracia brasileira. Dessa vez, sufocar o orçamento e caluniar nossas instituições foram arma. Vimos as universidades públicas agonizando, com cortes consecutivos no orçamento, uma tentativa atrás da outra de privatizá-las, o não pagamento de bolsas a milhares de estudantes, além de uma tentativa diária de desmoralização das nossas instituições perante a sociedade brasileira, falando que só servimos para a “balbúrdia”.
Mas resistimos! Em maio de 2019 o primeiro setor da sociedade a se levantar foram os estudantes, ocupando as ruas com o Tsunami da Educação, momento em que milhões de jovens em mais de 300 cidades de todo o Brasil se mobilizaram para defender a educação. Foram essas as maiores jornadas de enfrentamento a Bolsonaro e sua política de destruição e hoje estamos mais fortes para dizer que o orçamento da educação deve ser prioridade.
Mesmo em meio a tantos ataques e a uma pandemia jamais vivenciada por nossa geração, fomos nós estudantes que continuamos a pensar no futuro do Brasil. Voltamos às ruas por “Vida, Pão, Vacina e Educação”, fomos linha de frente na campanha “Fora Bolsonaro”. E não paramos por aí: permanecemos no desenvolvimento de muita pesquisa, inovação e extensão, auxiliamos na vacinação, arrecadamos toneladas de alimentos para doar a estudantes e famílias com vulnerabilidade socioeconômica, e acima de tudo, sobrevivemos.
Ao mesmo passo, vimos muitos dos nossos, Presidente, abandonarem o sonho de se formar no ensino superior. A realidade amarga que a economia do Brasil passou nos últimos anos, impactou diretamente em nossa permanência na universidade. Dezenas de restaurantes universitários aumentaram seus valores, colocando a segurança alimentar de muitos estudantes em risco; a diminuição no número de bolsas e seus valores ainda insuficientes; a falta de moradias estudantis em diversos campi e a falta de acesso às tecnologias de informação dificultou muito a produção científica do Brasil, visto que nossas universidades produzem mais de 90% da nossa tecnologia e inovação. O desemprego gerado pela crise e pela pandemia, também deixou sua marca. Muitos se endividaram e não conseguiram pagar o FIES, o ProUni foi desmontado e ambos os programas perderam parte de sua identidade, que era proporcionar ao povo brasileiro o ingresso ao ensino superior; ao mesmo passo que sem uma regulamentação do ensino privado, diversas redes ampliaram seu monopólio, suas mensalidades e cláusulas abusivas, levando muitos a desistirem do sonho do ensino superior por terem que escolher entre botar a comida na mesa ou pagar a faculdade. Por isso, Presidente, nós tínhamos certeza que a luta pela democracia também iria salvar as universidades brasileiras e a educação.
Nos últimos anos a perseguição à autonomia universitária e à liberdade de cátedra também aumentaram. Oriundos dos mesmos ataques que aprisionaram injustamente ao sr., Presidente, professores tiveram suas pesquisas ameaçadas, muitos tiveram que deixar o país com medo da violência política que assombrava nos assombrava. O reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Cancellier, foi preso injustamente e de forma prematura nos abandonou fruto deste ambiente.
Agora presidente, nós, estudantes brasileiros, queremos esperançar. Entendemos que a mesma universidade que enfrentou a pandemia, agora deve ser mobilizada para ajudar a combater a fome, o analfabetismo e a miséria. Acreditamos que para combater as desigualdades, é necessário ir mais a fundo no combate aos grandes bilionários que lucram no momento em que nosso povo mais sofreu.
Queremos discutir uma Reforma Universitária capaz de colocar a universidade brasileira nos rumos da emancipação do nosso povo. Queremos que em um curto período possamos garantir que o Programa Nacional de Assistência Estudantil se torne lei, com orçamento próprio que atenda as demandas estudantis. Queremos a retomada das obras paradas nas universidades e reformas estruturais nos nossos laboratórios, que em muitos casos ainda carregam a marca do desmonte sofrido nos últimos anos, com equipamentos quebrados e sem manutenção. Também queremos pôr fim na falta de qualidade dos serviços prestados nas universidades, muitos deles gerados pelo déficit de profissionais concursados ou pela terceirização desses postos de trabalho, que precarizam não só o ensino, a pesquisa e a extensão, mas também prejudicam a vida dos trabalhadores. Para que esses problemas sejam solucionados, não podem existir políticas orçamentárias que restrinjam a ampliação de investimento público em áreas sociais.
Exigimos o respeito à autonomia e à democracia nas nossas instituições, por isso, queremos eleição direta para reitores e que reitores eleitos sejam empossados, bem como a paridade entre estudantes, docentes e técnicos-administrativos nas eleições e conselhos colegiados. Para concretizar esses sonhos será necessário um forte investimento nas universidades públicas e na educação. Para isso é preciso pôr fim à lógica orçamentária que escoa quase metade das riquezas nacionais ao capital financeiro.
Lutaremos diariamente pela permanência e ampliação da Lei de Cotas, com a garantia automática de assistência estudantil para conseguirmos não só entrar, mas também permanecer na universidade. É preciso avançar cada vez mais na popularização da universidade, para que ela expresse a diversidade presente em nossa sociedade, a implementação das Cotas Trans e vestibular indígena são passos decisivos nessa direção.
Queremos, Presidente, o fim da obrigatoriedade dos 40% de Ensino a Distância para cursos presenciais, e com isso a regulamentação do ensino privado no Brasil, com garantias de qualidade e proibição de capital estrangeiro na educação brasileira, garantindo a nossa soberania. Não podemos mais ficar nas mãos dos grandes tubarões do ensino.
Também sabemos que o modelo de escola atual não nos cabe mais, mas a reforma imposta por governos anteriores também não. Queremos a revogação imediata da reforma do ensino médio, e junto a isso um projeto de uma nova escola, superando esse modelo de ensino médio que não atende mais às nossas perspectivas.
Por fim, presidente Lula, temos a certeza de que no próximo período a União Nacional dos Estudantes continuará firme na guarda da democracia, na luta contra o fascismo, na defesa da educação, do direito dos estudantes e da Amazônia, e na construção cotidiana de um Brasil mais justo, soberano e desenvolvido, pois isso está em nosso DNA.
Conte, Presidente, com a mobilização dos estudantes brasileiros para garantir a implementação do programa eleito democraticamente nas urnas em outubro de 2022. É ocupando as ruas e as universidades que poderemos melhor contribuir com a transformação de nosso país.