3ª Cúpula CELAC-UE revela força da unidade latino-americana
Leia mais: A economia chinesa está em declínio?
Publicado 18/07/2023 22:31 | Editado 18/07/2023 23:27
Terminou nesta terça-feira a Terceira Cúpula de Líderes da União Europeia e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, realizada em Bruxelas, Bélgica. Como prevíamos, o presidente Lula defendeu a ruptura com o atual modelo econômico internacional que pretende perpetuar o papel da América Latina como região exportadora de matérias-primas, ressaltou o direito de cada povo escolher seu modelo de desenvolvimento e democracia, insistiu que é preciso incentivar a paz e não a continuidade do conflito na questão ucraniana, entre outras proposições. Os líderes do campo progressista latino-americanos estiveram alinhados quanto aos pontos essenciais da discussão, incluindo o tema do conflito na Ucrânia – com exceção do presidente chileno, Gabriel Boric. O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, disse que “a América Latina e o Caribe não são mais o quintal dos Estados Unidos. Também não somos ex-colônias que precisam de conselhos, nem aceitaremos ser tratados como meros fornecedores de matérias-primas. Somos países independentes e soberanos, com uma visão comum de futuro. Construímos a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), como voz unificada e representativa de nossa unidade na diversidade”. O presidente da Colômbia criticou a União Europeia por não reagir às invasões do Iraque ou da Síria da mesma forma como está reagindo à invasão da Ucrânia. O presidente da Bolívia, Luis Arce, pediu o “abandono da corrida armamentista” e a “priorização do diálogo” como caminho para a paz no conflito na Ucrânia. Boric, discrepando, instou seus colegas latino-americanos a condenarem a “inaceitável guerra de agressão imperial” da Rússia. Todos os países da CELAC, no entanto, coincidiram em condenar as sanções como armas políticas, especialmente o bloqueio contra Cuba e a absurda inclusão do país na lista de promotores do terrorismo. A declaração final refletiu a força da unidade latino-americana, vetando discursos unilaterais e reconhecendo os pilares básicos de um mundo multipolar.
3ª Cúpula CELAC-UE – A declaração final
A declaração final da 3ª Cúpula CELAC-UE teve como ponto principal de discórdia a questão da guerra na Ucrânia e a solução encontrada é mais próxima da posição majoritária dos latino-americanos pois em nenhum momento cita a Rússia nem usa palavras diretas de condenação ao país. Mesmo assim a declaração não foi consensual, tendo a chancelaria da Nicarágua divulgado um duro pronunciamento onde afirma “que não assinou, aprovou ou apoiou a declaração de consenso da III Cúpula da União Européia (UE) e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), realizada na Bélgica”. A leitura da declaração deixa claro o cabo de guerra em torno de determinados temas. Como o Itamaraty publicou até agora apenas a versão em inglês, destaco alguns pontos em tradução livre. Futuro Comum: “Enfatizamos nosso compromisso de promover a cooperação e as relações amistosas entre nossos povos, independentemente das diferenças em nossos sistemas políticos e levando em consideração as diferenças em nossos níveis econômico e social ou de desenvolvimento. Inspirados por nossos valores compartilhados e guiados pelos princípios consagrados na Carta da ONU, trabalharemos juntos para moldar nosso futuro comum”, item 6. Evitar a politização do tema “direitos humanos”: “deve-se ter o cuidado de reconhecer a importância de garantir a universalidade, a objetividade e a não seletividade na consideração de questões de direitos humanos e a eliminação de padrões duplos e politizações”, item 8. Escravidão e reparação: A declaração faz um mea-culpa sobre a escravidão promovida pelos europeus, mas só menciona a questão da reparação, cobrada enfaticamente pelo presidente cubano, de forma distante e burocrática – “A CELAC referiu-se ao Plano de Dez Pontos da CARICOM para Justiça Reparatória”, item 10. Cuba: A declaração reafirma a resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas condenando o bloqueio a Cuba e critica, embora de forma indireta, a inclusão do país na lista dos patrocinadores do terrorismo, afirmando que isso “introduziu obstáculos às transações financeiras internacionais com a ilha”, item 10. Malvinas: No item 11 a declaração “toma nota” sobre a posição da CELAC que reivindica a abertura de negociações sobre a questão das Malvinas argentinas. Guerra na Ucrânia: O início do item 15, que trata da guerra da Ucrânia diz o seguinte: “Expressamos profunda preocupação com a guerra em curso contra a Ucrânia, que continua a causar imenso sofrimento humano e está exacerbando as fragilidades existentes na economia global, restringindo o crescimento, aumentando a inflação, interrompendo as cadeias de abastecimento, aumentando a insegurança energética e alimentar e elevando os riscos à estabilidade financeira. Nesse sentido, apoiamos a necessidade de uma paz justa e sustentável. Reiteramos igualmente nosso apoio à Iniciativa de Grãos do Mar Negro e aos esforços do Secretário-Geral das Nações Unidas para garantir sua extensão. Apoiamos todos os esforços diplomáticos voltados para uma paz justa e sustentável de acordo com a carta da ONU”. Reforçar o multilateralismo: “Ressaltamos a necessidade de fortalecer o sistema multilateral e promover uma governança global mais efetiva e inclusiva, que respeite o direito internacional”, item 17. Meio-ambiente e mudanças climáticas: A questão da preservação ambiental e do combate às mudanças climáticas como responsabilidade comum mas diferenciada aparece em vários pontos do documento.
3ª Cúpula CELAC-UE – A questão venezuelana
Paralelamente à 3ª Cúpula CELAC-UE, o presidente Lula também participou de diversas bilaterais e de um importante encontro reunindo Delcy Rodriguez, vice-presidenta do Governo da República Bolivariana da Venezuela, Gerardo Blyde, negociador-chefe da Plataforma Unitária da oposição venezuelana, o presidente da República Francesa, Emmanuel Macron, o presidente da República da Colômbia, Gustavo Petro, o presidente da República Argentina, Alberto Fernandez e o alto representante da União Europeia para Relações Exteriores e Política de Segurança, Josep Borrell. Lula, durante a reunião, enfatizou que a solução para os problemas políticos venezuelanos deve ser construída pelos venezuelanos. Da reunião resultou uma Declaração Conjunta (clique para ler a íntegra), onde é feito um apelo aos venezuelanos (governo e oposição) “em prol de uma negociação política que leve à organização de eleições justas para todos, transparentes e inclusivas, que permitam a participação de todos que desejem, de acordo com a lei e os tratados internacionais em vigor, com acompanhamento internacional. Esse processo deve ser acompanhado de uma suspensão das sanções, de todos os tipos, com vistas à sua suspensão completa”.
A economia chinesa está em declínio?
A agência Reuters, em seu “Briefing” desta terça-feira (18) publica uma matéria assinada por Liangping Gao, Ellen Zhang e Kevin Yao, expressando a visão (ou o desejo) de que a China, que segundo o artigo cresce menos do que o previsto no primeiro semestre de 2023, jamais se tornará de fato uma nação rica e não ultrapassará os EUA. A primeira frase do texto afirma que “A China está entrando em uma era de crescimento econômico muito mais lento, criando uma perspectiva assustadora: pode nunca ficar rica”. Em outra declaração forte, Desmond Lachman, pesquisador sênior do “American Enterprise Institute”, ouvido pelos autores, diz que “é improvável que a economia chinesa ultrapasse a dos Estados Unidos nas próximas duas décadas“. Para corroborar a tese defendida no texto, os jornalistas citam o chefe da poderosa Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma do governo chinês, Zheng Shanjie, que segundo eles teria publicado um artigo em 4 de julho na revista oficial “Qiushi”, fazendo referência à armadilha da renda média, dizendo que a China precisava “acelerar a construção de um sistema industrial moderno” para evitá-la. A matéria explica que a “armadilha da renda média” refere-se “à luta dos países em desenvolvimento para fazer a transição dos níveis de renda média para alta devido ao aumento dos custos e à queda da competitividade” e a China estaria perdendo esta batalha.
A economia chinesa está em declínio? II
Os articulistas e especialistas ouvidos pela Reuters listam os seguintes argumentos para defender esta visão: “Se a segunda maior economia do mundo avança em 3-4% ao ano flerta com ‘décadas perdidas’ de estagnação como o Japão, desapontando seus líderes, sua juventude e grande parte do mundo (…) Quando o Japão começou a estagnar na década de 1990, já havia ultrapassado a média do PIB per capita das economias de alta renda e se aproximava dos níveis dos Estados Unidos. A China, no entanto, está apenas um pouco acima do ponto de renda média (…)”. A China, segundo os autores, enfrenta problemas estruturais que incluem “o estouro de uma bolha no setor imobiliário, responsável por um quarto da produção; um dos mais profundos desequilíbrios entre investimento e consumo; uma montanha de dívidas do governo local; e o controle rígido do Partido Comunista sobre a sociedade, incluindo sobre empresas privadas (…) a força de trabalho e a base de consumidores da China estão diminuindo, enquanto o grupo de aposentados está se expandindo (…)Toda vez que os EUA anunciam alguma política anti-China, o governo chinês apresenta uma equivalente. Mas os americanos não estão na armadilha da renda média. A China está”. E por aí vai. A matéria termina expressando o fundo político desta construção ao divulgar a opinião de Richard Koo, um economista taiwanês-americano que vive no Japão, economista-chefe do “Nomura Research Institute”, segundo o qual “se os chineses não alcançarem seus sonhos, talvez você tenha 1,4 bilhão de pessoas não muito felizes por lá, o que pode ser bastante desestabilizador.”
A economia chinesa está em declínio? III
Para além das evidentes diferenças, políticas, geográficas e demográficas entre a China de hoje e o Japão das décadas de 1980 e 1990, o jornalista Dilermando Toni, especialista em política e economia internacional, avaliou, a pedido desta Súmula, a matéria da Reuters: “Se deve entender a matéria como parte de narrativas que se constroem fruto da disputa geopolítica em curso. A China é colocada pelo império como uma grande ameaça e tudo tem que ser feita para contê-la. Recentemente, a The Economist publicou um longo texto com a seguinte manchete: ‘A China já atingiu seu pico de crescimento?’. E a resposta da própria The Economist é que a China já atingiu o ápice e a partir de então entraria em declínio sem jamais atingir o patamar da economia estadunidense. A matéria da Reuters de hoje dá continuidade àqueles argumentos da The Economist e faz parte deste conjunto de narrativas que sustenta que a China começará, ou já está, em uma curva descendente. Como é preciso que esta visão seja generalizada, ela é repetida e repetida por diversas vezes sem conta. O que eu posso afirmar é que por enquanto não existem indícios que indiquem alguma tendência neste sentido. O governo chinês, e isso é positivo, tem um forte poder de intervenção na economia e no momento o setor estatal está sendo fortalecido. Surgindo qualquer sintoma de problemas na economia, o governo chinês tem capacidade de intervir. Na época da crise de 2007 / 2008 houve um encontro internacional na sede do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e eu fui com alguns camaradas conversar com representantes da China. Eles nos contaram que o governo iria fazer um aporte para movimentar a economia no patamar de trilhões de yuans, o que foi feito logo na semana seguinte. Ou seja, a capacidade de pesquisar e tomar medidas adequadas e imediatas em questões econômicas é imensa na China. O jeito de pensar e agir chinês é diferente do que conhecemos no Ocidente. Além disso, é preciso levar em conta que não vivemos mais em um mundo onde a economia é unificada em torno dos EUA. O mercado mundial único, não existe mais. A rigor, este mercado vem fazendo água. Desde que as sanções à Rússia e a outros países vem aumentando, acelera-se também a construção de alternativas. É como as vezes acontece em nosso organismo, quando por algum problema, por um corte, uma lesão, o próprio organismo cria um sistema de vascularização alternativo para contornar outro que está obstruído. É justamente isso que está acontecendo. A Rússia seria, em outros tempos, rapidamente sufocada com as sanções e o que aconteceu de fato? A economia russa neste ano está crescendo. E não está crescendo pouco não, está crescendo muito. A China está aí com sua iniciativa ‘Um cinturão e uma Rota’. O que tenta se escamotear é que já existe um outro mundo, outra perspectiva. O mundo não é mais unipolar. Existe algo que vai além do pensamento ocidental. O FMI, analisando os números, diz que a economia chinesa está se ‘recuperando fortemente’ (rebounding strongly) pois uma coisa é a narrativa, outra coisa é o que acontece na realidade. O FMI prevê para 2023 que a China tenha um crescimento de 5,2% e para 2024 5,1% e isso não é pouca coisa. Em um mundo em grande dificuldade, com guerra e tudo mais. Veja só o peso da China no fato dos países do Brics terem superado o G7 em termos do PIB. O crescimento da China é impressionante. Então, nada indica que a China está indo mal. O primeiro-ministro chinês, Li Quiang, declarou, no dia 26 de junho, que o PIB chinês irá se manter com uma taxa de crescimento anual em torno dos 5%. Então, eles vêm mantendo o crescimento tanto pelo consumo interno quanto por estas alternativas do comércio exterior. Eles conseguem boas fontes de suprimento, tanto da Rússia, quanto do Oriente Médio, da Ásia, da África e são hoje os maiores investidores na América do Sul. É só comparar o resultado da viagem do Lula à China com o resultado da viagem do Lula aos EUA. São fatos que não corroboram com uma narrativa de declínio chinês”, finaliza Dilermando.