Recursos para saneamento precisam dobrar, mas não virão das privatizações
Liderança dos trabalhadores do saneamento desmistifica argumento de estudo do setor privado.
Publicado 13/07/2023 18:27 | Editado 15/07/2023 08:47
Três anos após a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, em julho de 2020, o nível de investimento brasileiro na área ainda está menos da metade abaixo do necessário para cumprir as metas de universalização estabelecidas pela legislação. Com isso, 33 milhões de brasileiros ainda viveriam sem acesso à água tratada, e 93 milhões sem acesso à coleta de esgoto, segundo estudo do Instituto Trata Brasil com a GO Associados. Publicado nesta quarta-feira (12), os dados foram comentados pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), José Antonio Faggian, a pedido do Portal Vermelho.
Na opinião dele, os estudos do Trata Brasil não podem ser ignorados, mas precisam ser lidos com “uma certa ressalva”, por serem financiados pelo mesmo setor privado que quer abocanhar as melhores empresas públicas nas privatizações.
Faggian reconhece a necessidade de investimento no setor e o déficit de saneamento, mas defende que é preciso entender onde há necessidade maior desse investimento. “O setor privado não tem interesse e não vai fazer. Não é esse o pano de fundo objetivo desse estudo ou da luta contra os decretos do governo Lula no Congresso”, diz ele, citando também a crítica dos especialistas da Trata Brasil ao falto de Lula assinar decretos, que mudam o Marco Legal do Saneamento com objetivo de fazer a transição que não houve do serviço público para o privado.
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Faggian contesta a falta de refinamento das estatísticas do déficit de saneamento no estudo. Os dados da carência de água e esgoto não considera sistemas próprios e situações adequadas a depender da região e característica local, como fossas sanitárias e outras situações adotadas. “Não dá pra ter soluções convencionais iguais para problemas diferentes. A praia de Jurerê internacional, por exemplo, não entra nesses dados, mas tem o serviço de saneamento, porque está dentro de um sistema privado”, salienta o sindicalista.
Ele cita o Observatório Ondas, que traz dados que reconhecem a necessidade de universalização e investimento, “mas que reduz drasticamente esses gargalos que são apontados pelo Instituto Trata Brasil e que mostram uma realidade diferente do apresentado”.
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Investimento privado
Sob críticas de partidos de oposição a Bolsonaro, o Novo Marco Legal do Saneamento Básico foi proposto e aprovado sob o argumento de incentivar os investimentos no setor e, como consequência, universalizar o acesso a água e esgoto no país. Desta forma, a Trata Brasil aponta argumentos para defender a aceleração de medidas para garantir as privatizações e a suposta entrada de investimentos novos.
Faggian, no entanto, entende os objetivos do estudo como uma forma de criar segurança jurídica para a desestatização do serviço das empresas estaduais de saneamento. Especialmente quando os autores criticam as mudanças propostas pelo governo Lula.
Para confirmar isso, Luana Pretto, do Trata Brasil, diz que “é necessário ter uma união de esforços entre os setores público e privado”. “O público continua portando recursos, mas precisa existir um arcabouço legal para que haja segurança de aporte de investimento privado para garantir a universalização”, diz ela, no lançamento do estudo.
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Na opinião de Faggian, no entanto, o próprio estudo demonstra que o setor privado não vem para trazer recursos novos, e há uma grande dúvida se isso vai acontecer. O estudo realmente aponta um banco público, o BNDES, como o “grande parceiro” das empresas privadas que vão assumir o controle sobre o saneamento.
O estudo demonstra e defende como o BNDES veio participando ativamente no financiamento tanto da compra das empresas privatizadas, como do investimento que essas novas empresas deveriam fazer. ”No Rio de Janeiro com a privatização da Sedae, foram utilizados cerca de R$ 19 bilhões oriundos do BNDES para inclusive pagar outorga e fazer os investimentos previstos”, citou Faggian. Dentro desta lógica, as próprias estatais podiam continuar utilizando dessa fonte de recursos, sem precisarem ser entregues à iniciativa privada.
A quase universalização do serviço no Sul e Sudeste e a carência enorme de saneamento no Norte e Nordeste, demonstram as assimetrias enormes de necessidades de investimento. Mas, segundo o líder sindical, o estudo trata ambos da mesma maneira ao considerar que “alguns projetos de privatização atenderão milhões de pessoas, quando estão falando da base da Sabesp, por exemplo”.
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“É uma aberração falar em milhões de atendimentos, quando a Sabesp já tem todos os municípios em que opera, com quase a universalização dos serviços prestados”. Em 309 dos 375 municípios operados pela empresa paulista, os serviços estão universalizados, e os demais muito próximos de atingir essa meta.
Faggian menciona ainda que a Sabesp é a única empresa com um plano de investimentos detalhado no país em torno de R$ 26 bi nos próximos quatro anos. “Algo que vai resolver toda a questão antes da exigência da Lei 14026, que é 2033. Então tem essas distorções em que o estudo tendencia para favorecer a desestatização”, observa ele.
Justificativa para não cumprir metas
O principal argumento do estudo é demonstrar a quantidade de municípios com pendências de documentação que comprovam que elas têm condições financeiras para cumprir e avançar nas metas estabelecidas pelo Novo Marco Legal, justamente os que compõem grande parte do interior das regiões Norte e Nordeste.
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O que parece um argumento progressista para avançar nos investimentos dessas localidades, na verdade serve apenas para ser usado para justificar a privatização de empresas de Sul e Sudeste, onde a universalização dos serviços já é uma realidade muito próxima e são “o filé mignon”, como qualifica Faggian. Serve também para antecipar uma justificativa para o não cumprimento das metas de 2033, já que a documentação de cidades mais pobres estão pendentes.
A conclusão, para ele, é que o setor privado está querendo a Sanepar (PR), a Sabesp (SP), a Copasa (MG), a Corsan (RS), “as empresas de sul e sudeste que têm os melhores índices de atendimento”. Mas querem também as regiões metropolitanas e de grandes aglomerações urbanas do Nordeste, “que já têm um sistema mais organizado, com chance de retorno rápido e necessidade de pouco investimento”. O resto deve ficar com os governos, que terão que fazer o investimento mais pesado.
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Novos decretos sobre o Marco Legal
Sancionado em 2020 pelo então presidente Jair Bolsonaro, o Marco Legal do Saneamento previa que novas contratações para a prestação de serviço só poderiam ser feitas por meio de abertura de concorrências, que dificultavam a participação do setor público, para favorecer o setor privado.
Em abril deste ano, novas regras foram editadas pelo presidente Lula. As mudanças tiveram forte reação do setor privado. Em maio, a Câmara dos Deputados aprovou a derrubada dos dispositivos modificados por Lula. A matéria está em análise no Senado.
Faggian entende que os decretos vão no sentido de criar um processo de transição que não houve dentro da aprovação da Lei 14026. O decreto 11.466, por exemplo, previa a necessidade da comprovação da capacidade econômica financeira das empresas até o mês 12 de 2023, e não 2021 para corrigir uma distorção.
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“Dentro dos ativos para comprovar essa capacidade, as empresas estaduais não podiam contar os municípios que tinham contratos precários ou sem contrato. Na Bahia, a Embasa opera Salvador nessa condição, portanto, não podia utilizar a capital para computar nesses ativos para comprovar capacidade econômica financeira, o que é uma aberração”, explica ele.
Faggian, no entanto, questiona o fato do setor privado não questionar um ponto que os trabalhadores guardam ressalva no decreto do governo. Havia um limite de 25% do valor do contrato podendo ser realizado em parcerias público privadas, e o decreto extingue esse percentual e deixa liberado. “Isso demonstra a intenção tendenciosa do setor privado, em fazer um lobby no Congresso para derrubar os decretos, que faziam a transição e que permitiam que o setor público minimamente se reorganizasse para continuar prestando serviços”, critica.
Faggian informa que o governo fez o recuo, porque o PDL (Projeto de Decreto Legislativo) derrubou as partes dos dois decretos na Câmara e estava para ser votado no Senado com uma chance grande de nova derrota, por isso, os decretos foram retirados da pauta. Ainda não se sabe o teor do novo decreto. “Mas vai contemplar as partes que o Congresso questionava, leia-se o lobby do setor privado”.
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