Escala inédita de ataque a palestinos espanta por restrição de ajuda humanitária

Israel cria esquema para impedir socorro médico a refugiados civis, após ataque de brutalidade inédita em 20 anos até mesmo contra hospitais, com apoio dos EUA

Imagens em vídeo de um hospital em Jenin sendo atacado por gás, enquanto atende vítimas da agressão israelense.

Agências de ajuda humanitária expressaram séria preocupação com a escala do contínuo ataque israelense na cidade ocupada de Jenin, na Cisjordânia, e com as restrições impostas ao acesso médico para pessoas gravemente feridas. As vítimas sequer conseguem fugir, devido aos bloqueios.

“Estamos alarmados com a escala das operações aéreas e terrestres que estão ocorrendo em Jenin, na Cisjordânia ocupada, e com os ataques aéreos atingindo um campo de refugiados densamente povoado”, disse Vanessa Huguenin, porta-voz do escritório humanitário da ONU, em um briefing a respeito, nesta terça-feira (4).

Ela disse que três menores estavam entre as vítimas. Pelo menos 10 palestinos foram mortos e dezenas ficaram feridos desde o início da segunda-feira, quando centenas de soldados, apoiados por ataques aéreos, invadiram o campo na maior ofensiva de Israel em Jenin em mais de 20 anos.

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Médicos e jornalistas

Vídeo de equipe de TV fugindo após ser deliberadamente atacada por soldados israelenses e terem a câmera destruída por tiros de metralhadora.

O porta-voz da Organização Mundial da Saúde, Christian Lindmeier, disse que “os socorristas foram impedidos de entrar no campo de refugiados [de Jenin], inclusive de alcançar pessoas gravemente feridas” devido às restrições impostas pelas forças israelenses.

O campo é o lar de mais de 20.000 palestinos que são descendentes de pessoas despojadas de suas terras e casas quando o Estado de Israel foi criado em 1948.

Escavadeiras destruindo estradas também impedem a locomoção das ambulâncias dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Jenin. Os pacientes alcançados a pé pela equipe da MSF foram gravemente feridos por munição real e estilhaços.

Israel alegou estar conduzindo ataques direcionados contra combatentes em Jenin, que se tornou um símbolo da resistência palestina, no entanto, a MSF disse que estava tratando pacientes de todas as idades. Representantes da MSF também afirmam nunca ter visto uma escalada tão violenta contra os palestinos.

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Surgiu ainda um vídeo mostrando soldados israelenses em um veículo militar atirando diretamente em uma câmera montada por uma equipe da Al Araby TV.

Jonathan Dagher, chefe do Departamento de Repórteres Sem Fronteiras do Oriente Médio, disse que o tiroteio foi “apenas uma parte contínua de uma situação em andamento” na qual os militares israelenses “alvejam intencionalmente jornalistas no campo enquanto cobrem qualquer operação militar”.

Não é de hoje que os jornalistas são um alvo preferencial. A jornalista da Al Jazeera, Shireen Abu Akleh, foi alvejada e morta no ano passado.

A repórter veterana estava cobrindo um ataque militar israelense em Jenin em 11 de maio de 2022, quando foi baleada por um atirador israelense, apesar de usar um colete de imprensa e capacete claramente marcados.

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Por que Jenin?

Fumaça sobe durante uma operação militar israelense em Jenin, na Cisjordânia ocupada por Israel

A operação militar israelense contra o campo de refugiados de Jenin é a maior desde a segunda Intifada de 2000-2005, um levante palestino em massa contra a ocupação de décadas de Israel.

Uma cidade no norte da Cisjordânia ocupada por Israel, Jenin abriga um campo de refugiados lotado com o mesmo nome, com uma população de cerca de 14.000 pessoas.

Os residentes do campo de Jenin são descendentes de palestinos despojados de suas terras e casas quando o Estado de Israel foi criado em 1948.

Jenin tem uma das maiores taxas de desemprego e pobreza entre os 19 campos de refugiados na Cisjordânia ocupada, de acordo com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA).

Jenin emergiu como um ponto crítico durante uma onda de violência entre israelenses e palestinos que convulsionou a Cisjordânia ocupada por mais de um ano. Confrontos mortais entre forças israelenses e combatentes palestinos na área têm ocorrido regularmente.

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Destruição de infraestrutura

Na terça-feira, soldados israelenses também lançaram dezenas de cartuchos de gás lacrimogêneo na entrada do Hospital Governamental de Jenin, onde as famílias que fugiram do campo se reuniram. dEpois invadiram o hospital e abriram fogo atingindo mais três pessoas.

Mai al-Kaila, a ministra da saúde palestina, diz que a situação humanitária em Jenin é terrível.

“A agressão de Israel contra os palestinos em Jenin é feita através da destruição de muitas infraestruturas – a rede de água e eletricidade está danificada, especialmente dentro do campo de refugiados”, disse al-Kaila.

“Os hospitais estão lotados de feridos e alguns profissionais de saúde não conseguem chegar ao hospital onde deveriam trabalhar”, disse ela.

Israel disse que o objetivo de sua operação era erradicar as facções palestinas apoiadas pelo Irã por trás de uma onda de ataques com armas e bombas, bem como esforços preliminares para fabricar foguetes.

O prefeito da cidade de Jenin, Nidal Obeidi, comparou a operação militar israelense na Cisjordânia ocupada à Nakba. “A situação humanitária em Jenin é catastrófica”, disse al-Obeidi. “O que está acontecendo é como um terremoto. Isso nos lembra os dias de Nakba.”

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Os palestinos usam o termo “Nakba”, ou catástrofe, para lembrar a expulsão de centenas de milhares de palestinos de suas casas e terras em 1948, após a fundação de Israel.

Crimes contra a humanidade

Um porta-voz do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, chamou a operação de “um novo crime de guerra contra nosso povo indefeso”.

Os ataques atraíram condenações do Irã, Egito, Jordânia e da Liga Árabe, entre outros, e preocupação das Nações Unidas. 

Apesar disso, analistas avaliam que os interesses econômicos e comerciais entre Israel e o Acordo de Abraão provavelmente superarão qualquer indignação moral sentida nos estados que o compõem – Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Sudão e Marrocos. Mas deve haver pressão diplomática para cessar a agressão israelense.

Lynn Hastings, coordenadora humanitária residente da ONU na Palestina, expressou na segunda-feira profunda preocupação com os ataques aéreos direcionados ao campo e disse que “o acesso a todos os feridos deve ser garantido”.

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O chefe de direitos humanos da ONU condenou o ciclo de violência em Israel e na Cisjordânia ocupada, insistindo que as mortes e os ferimentos devem parar. Ele equiparou a violência entre os dois lados, apesar da desproporcionalidade.

Em meio à agressão israelense, houve um ataque isolado em Tel Aviv em que um motorista causou seis mortes em um atropelamento, após realizar um suposto ataque de esfaqueamento. O motorista foi morto no local por um socorrista civil armado.

O Hamas identificou o suspeito como Abdel-Wahhab Issa Hussein Khalayleh, um jovem de 20 anos de Hebron.

“A recente operação na Cisjordânia ocupada e o ataque de carro em Tel Aviv enfatizam de forma preocupante um padrão muito familiar de eventos: que a violência só gera mais violência”, disse Volker Turk em um comunicado.

“A matança, mutilação e destruição de propriedade devem parar”, acrescentou.

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Apesar dos apelos, o Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca (EUA) em um breve comunicado na segunda-feira disse: “Apoiamos a segurança de Israel e o direito de defender seu povo contra o Hamas, a Jihad Islâmica Palestina e outros grupos terroristas”.

“Acho que continuaremos a ver – como aconteceu no passado – o governo dos EUA dar cobertura aos israelenses e deixá-los fazer o que quiserem”, disse Daniel Levy, presidente do think tank US/Middle East Project.

O Ministério das Relações Exteriores da Alemanha disse estar observando o mais recente surto de violência na região com “grande preocupação”, mas enfatizou que “Israel, como todo estado, tem o direito de se defender contra o terror”.

As informações são da Aljazira

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