Programa do carro popular surte efeito, mas juro alto causa incerteza

Economistas explicam que a situação da indústria de automóveis poderia ser ainda pior sem subsídios do governo. Juro alto é unanimidade como fator de estagnação do mercado.

Muito se perguntou porque as montadoras de automóveis estão paralisando atividades, mesmo após lançamento, no último dia 6 de junho, de um programa de incentivo do governo federal à indústria automotiva, que criou descontos temporariamente para compra de carros, ônibus e caminhões.

O programa de incentivo do governo à indústria automotiva foi publicado no dia 6 de junho e criou descontos para carros de até R$ 120 mil. Ainda assim, montadoras como GM, Hyundai, Renault, e mais recentemente a Volkswagen anunciaram suspensão temporária da produção de carros no país.

Segundo entrevista ao Portal Vermelho dos economistas da UFMG, Diogo Oliveira Santos, e da UFRRJ, Marcelo Fernandes, que também é presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro, a alta taxa de juros aparece como unanimidade como fator de estagnação no mercado de produtos de alto valor como automóveis.

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Surtindo efeito

Diogo Santos

Diogo é otimista em relação as perspectivas provocadas pelo programa de incentivo do governo. Ele ressaltou que a própria VolksWagen, explicou que as interrupções nas fábricas não se devem à baixa demanda, mas a um intervalo de vendas, sobretudo porque as empresas que compram os carros das montadoras, esperaram o governo anunciar e começar a valer o subsídio para a redução de preços para as empresas. 

O programa começou para as pessoas físicas e teve uma queda de 30% em relação ao período anterior de venda para as empresas de automóveis, que se acumularam nos pátios das fábricas. “Então, agora, a Volks está adequando novamente a sua fabricação para desovar esse acúmulo recente”, diz ele, que estuda os índices da indústria.

O programa do governo já está surtindo efeito, na opinião dele. Inclusive, o preço médio dos veículos novos caiu no índice de preços de Belo Horizonte, de acordo com sua observação, que deve estar próximo do índice nacional. “Mas o programa do governo está longe de reverter as consequências negativas de uma taxa de juros muito alta, durante muito tempo, e uma estagnação econômica, que atrapalha as pessoas de conseguiram aumentar sua renda. Então, este programa é uma medida emergencial para mitigar um problema que só se resolve com crescimento econômico e da renda dos trabalhadores”, explicou. 

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Marcelo Fernandes

Marcelo, por sua vez, é mais cauteloso com as perspectivas, diante da resistência do Banco Central em reduzir os juros. “As perspectivas para os trabalhadores são ruins, embora sob acordo coletivo de lay off. Qual a perspectiva de mudança da economia em meses, com a situação de incerteza por conta da política de juros do Banco Central em 13,75%”, indaga ele.

“Os pátios vão ficar cheios de automóveis estacionados porque a economia está desaquecida por conta da política de juros do Banco Central”, aponta ele. 

Juros altos

Os juros altos são um fator decisivo para a perda na demanda por automóveis, de acordo com os dois economistas. “Já observei que a curva das taxas de juros para financiamento pessoa física de automóveis acompanha a trajetória da taxa Selic”, diz Diogo, sobre o índice definido pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom).

Apesar do subsídio do governo, o que mais impacta no preço final do automóvel financiado é a altíssima taxa de juros. “Sem dúvida, com a taxa de juros caindo, com o tempo, as pessoas vão passar a comprar mais”, avalia o economista mineiro.

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Para Marcelo, o governo lançou um programa para compra de carros populares, criou-se um clima positivo, só que esse setor depende muito de crédito. A maioria da população não consegue comprar à vista um carro de R$ 60 mil, e a taxa de juros reais continua se elevando. 

“O governo esta tentando criar boas expectativas para a economia crescer e o Banco Central está, deliberadamente, na minha opinião, puxando a economia para baixo”, acusa o economista carioca.

Marcelo aponta o tamanho do poder do Banco Central como instituição. “Ele tem um peso maior que a maioria dos Ministérios e está sendo comandado por um economista indicado pelo Bolsonaro. O que quero dizer é que, no governo Lula tem um “ministro” do Bolsonaro”, compara ele, referindo-se ao presidente do BC, Roberto Campos Neto. 

O economista da UFRRJ diz que Campos Neto deveria estar afinado com o que está fazendo o Ministério da Economia. “Aliás, num passado recente o Banco Central fazia parte do Ministério da Fazenda”, lembra ele, referindo-se a aprovação da autonomia do Banco Central, em 2021. 

O presidente do BC está sinalizando para o mercado que a taxa de juros vai cair muito lentamente, observa Marcelo, referindo-se à última ata do Copom. “Ele cria uma expectativa muito negativa para a economia. Em algum momento esse presidente terá que se explicar porque isso está acontecendo”, criticou.

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Dados estruturais e emprego

Diogo, no entanto, considera que, para além dos juros conjunturais, há uma questão estrutural do setor automotivo, apontados por dados do IBGE divulgados nesta quinta-feira (29). “A indústria de transformação ainda não conseguiu se recuperar da crise de 2015 e 2016. E em especial o setor da indústria automobilística foi a que mais teve queda da receita líquida de vendas, entre 2012 e 2021, que caiu mais de 4 pontos percentuais. Especialmente, depois de 2019 pra cá e a pandemia. Então, a indústria automobilística retrocedeu na sua participação no total das vendas da indústria, em geral, no país”.

Além disso, aponta ele, a indústria de transformação perdeu muitas vagas de trabalho. O déficit em relação ao pico de 2013 é de quase um milhão de vagas a menos de trabalho na indústria de transformação. “E a indústria automobilística é muito importante para puxar outras”, acrescenta Diogo. Então, explica ele, o enfraquecimento da indústria automobilística se espalha para outros setores. 

A indústria de transformação, no caso da fabricarão de veículos, ocupa o quarto lugar na participação de empregos na indústria. Diogo aponta 5,5%, segundo os dados do IBGE divulgados.

“Isso é ruim, ou seja, a indústria de transformação tem uma participação importante da indústria automobilística, para garantir os empregos. E se cai o emprego, cai o salário também. O salário na indústria na última década caiu de 3,3 salários mínimos para 3. Essa é uma redução importante”, informou. 

De modo geral, esse é o quadro da indústria de transformação brasileira se enfraquecendo. Teve a crise de 2015, a pandemia, e mais recentemente, a política monetária muito apertada que atrapalha os financiamentos.

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