Governo colombiano e grupo guerrilheiro assinam cessar-fogo
Acordo terá a duração de seis meses e deve ter início a partir do dia 6 de julho
Publicado 10/06/2023 16:48 | Editado 12/06/2023 13:28
O governo da Colômbia e o grupo guerrilheiro Exército de Libertação Nacional (ELN) anunciaram nesta sexta-feira (9) a implementação de um cessar-fogo que terá a duração de seis meses e deve ter início a partir do dia 6 de julho. A decisão é uma das três partes de um acordo assinado por ambas as delegações em Havana, capital de Cuba, durante ato que marcou o encerramento do terceiro ciclo de diálogos entre o Estado colombiano a o grupo armado.
Com a presença do presidente Gustavo Petro e do primeiro comandante do ELN, Antonio García, que foram a Havana para participar do evento, os representantes assinaram o acordo que representa o maior avanço, até agora, nas negociações de paz. O cessar-fogo bilateral era um dos anúncios mais aguardados e entrará em vigência a partir de 6 de julho. As partes ainda anunciaram que em 10 de julho serão realizadas reuniões para aprovar os protocolos elaborados para esse período.
O segundo ponto do acordo são os preparativos para a participação da sociedade civil colombiana na construção do processo de paz por meio de uma convocatória para a formação de equipes de trabalho. Além disso, os negociadores anunciaram que o quarto ciclo de diálogos ocorrerá entre 14 de agosto e 4 de setembro, na Venezuela.
Petro chegou a Havana na noite de quinta-feira (8), em meio a uma crise no governo e enfrentamentos com a direita que impõe travas às reformas do presidente no Congresso. Já o comandante guerrilheiro Antonio García chegou a Cuba em 7 de junho, depois que a Procuradoria-Geral da Colômbia suspendeu os mandados de prisão contra ele a pedido de Petro.
Ao discursar nesta sexta-feira após a assinatura do acordo, o presidente estipulou o prazo de maio de 2025 para que os diálogos acabem definitivamente com o conflito entre o ELN e o Estado colombiano, que já dura 60 anos. “O mundo das armas e das mortes, com essa guerra eterna de décadas, deve acabar. A violência que vivemos por gerações, da qual fizemos parte, mas que tentamos superar, deve acabar. Com isso não poderemos construir uma nação, porque uma nação é um pacto entre seus integrantes”, disse.
García, por sua vez, disse confiar no processo atual, mas ponderou que o ELN espera mudanças concretas que encerrem perseguições, o que não aconteceu, segundo o líder guerrilheiro, em outras ocasiões. “Estamos conscientes que não assinamos acordos substanciais, assinamos acordos de procedimentos, mas não podemos repetir velhas histórias, temos muitos processos de paz que só terminaram com desmobilização e desarmamento e as coisas seguiram iguais”, disse.
ELN x Estado: histórico de um conflito
Fundado em 1964 por um grupo de estudantes influenciados pela Revolução Cubana e pela Teologia da Libertação, o ELN declara que seu principal objetivo é a transformação da sociedade e da economia da Colômbia por meio da luta contra o “grande capital” e a “oligarquia colombiana”. Por outro lado, o ELN é considerado um “grupo terrorista” pela União Europeia, pelos Estados Unidos e por alguns Estados latino-americanos.
Atualmente, o grupo está presente em 183 municípios da Colômbia, além de vários territórios fronteiriços na Venezuela. Estima-se que tenha cerca de 2,5 mil membros armados e uma rede de apoio civil. Apesar de possuir um Comando Central com cinco membros, o ELN tem diferentes frentes regionais que mantêm uma estrutura relativamente autônoma que lhes permite operar fora do controle central. Essa estrutura descentralizada foi identificada por analistas como uma das principais dificuldades para a implementação de acordos entre o Estado e a insurgência.
Desde 1985, houve sete tentativas de negociações de paz entre o Estado colombiano e o ELN, mas nenhuma delas foi bem-sucedida até o momento. A última negociação ocorreu entre 2015 e 2019, um processo que começou durante o mandato do ex-presidente Juan Manuel Santos e foi interrompido durante a gestão do direitista Iván Duque.
As negociações de paz foram retomadas em novembro do ano passado, já sob o mandato de Petro, reiniciando formalmente os diálogos interrompidos em 2019. A agenda de seis pontos acordada por ambas as partes para avançar no processo de paz inclui: a participação da sociedade nos acordos; a exigência de democracia para a paz; o diálogo sobre as vítimas do conflito; as exigências de transformações sociais para a paz; a segurança para a paz e o abandono das armas; e garantias para o exercício da ação política.
Ao contrário das negociações de paz anteriores, o atual processo de diálogo está sendo conduzido por um governo progressista. Embora as negociações não estejam livres de tensões, as partes não são abertamente hostis, como foi o caso durante os governos de Santos e Duque.
Diferentemente das negociações de paz anteriores, o governo colombiano mantém um diálogo informal tanto com outros grupos armados – como os dissidentes das FARC que não aceitaram o acordo alcançado em 2016 – quanto com grupos criminosos, principalmente ligados ao tráfico de drogas – como o Clã do Golfo. O governo colombiano, no final de outubro do ano passado, aprovou o que chamou de legislação de “paz total”, que permitiu a abertura desses canais sob a justificativa de um fim definitivo ao conflito armado.
No caso do ELN, o governo colombiano optou por tentar estabelecer “acordos parciais” que possam melhorar as condições humanitárias nas comunidades afetadas pelo conflito em um diálogo contínuo com o grupo.
Por outro lado, o Estado colombiano não exigiu o desarmamento imediato do ELN. Assim como nos “acordos parciais”, a entrega das armas da insurgência será um processo gradual e dependerá do cumprimento progressivo dos pactos. O fato de o Estado colombiano não ter cumprido o acordo de paz das FARC de 2016, após o desarmamento da guerrilha em que vários de seus membros foram massacrados, é um precedente para essa modalidade.
Um dos pontos mais polêmicos tem sido a tentativa do governo colombiano de chegar a um cessar-fogo total com o ELN, no qual todas as operações armadas cessariam. No entanto, o ELN só concordou em parar de lutar contra o Estado colombiano.
Atualmente, o ELN está envolvido em vários confrontos contra o grupo armado Clã do Golfo (principalmente nos estados de Chocó, Valle de Cauca e Bolívar) e os chamados dissidentes das FARC (em Arauca, Norte de Santander, Nariño e Cauca). A continuidade desses confrontos será um dos principais desafios para a aplicação da ajuda humanitária nesses territórios.