Lula sugere reforma da Unasul para cooperação continental
O brasileiro espera que os parceiros definam um desenho institucional para a cooperação, embora considere a Unasul viável.
Publicado 30/05/2023 15:09 | Editado 31/05/2023 12:35
Ao receber onze líderes sul-americanos no Palácio Itamaraty, nesta terça-feira (30), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inverte o sinal que o governo Bolsonaro dava ao resto do continente. O clima ideologizado e hostil do Brasil contra os países vizinhos e seus governos, torna-se pragmático e cordial. Mais do que isso, sob liderança de Lula, o continente sai do ostracismo geopolítico para se posicionar de forma assertiva no mundo.
Para isso, desde janeiro, o governo brasileiro age de forma acelerada para retomar relações diplomáticas, que estavam mornas ou francamente hostis com vizinhos como a Venezuela. Assim, o retorno do Brasil a organismos de integração continental como Unasul e Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos) foi um grande passo. Em agosto o Brasil também sediará a Cúpula dos Países Amazônicos.
No discurso de abertura do encontro no Itamaraty, Lula disse que a integração regional é essencial para o fortalecimento da unidade da América Latina e do Caribe. “Nossa América do Sul deixou de ser apenas uma referência geográfica e se tornou uma realidade política.”
“Enquanto estivermos desunidos, não faremos da América do Sul um continente desenvolvido em todo o seu potencial. A integração deve ser objetivo permanente de todos nós. Precisamos deixar raízes fortes para as próximas gerações”, disse.
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Sequelas do bolsonarismo
Ele criticou o governo anterior por dar as costas aos países que deveriam estar mais irmanados como bloco. “Infelizmente, esses avanços foram interrompidos nos últimos anos. No Brasil, um governo negacionista atentou contra os direitos da sua própria população, rompeu com os princípios que regem a nossa política externa e fechou as nossas portas a parceiros históricos.”
“Na região, deixamos que as ideologias nos dividissem e interrompessem o esforço de integração. Abandonamos canais de diálogos e mecanismos de cooperação e, com isso, todos perdemos”, disse Lula.
Em sua opinião, esta postura nada ganha, senão traz perdas para todos os lados. “Essa postura foi decisiva para o descolamento do país de grandes temas que marcaram o cotidiano de nossos vizinhos. Deixamos que as ideologias nos dividissem, interrompemos os esforços de integração, abandonamos canais de diálogos e mecanismos de cooperação e, com isso, todos perdemos.”
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Decisões compartlhadas
O convite feito por Lula foi atendido por onze líderes sul-americanos, para discutir pautas em torno de questões comuns nas áreas de saúde, infraestrutura, energia, meio ambiente e combate ao crime organizado.
Antes de sugerir medidas como ampliar a integração dos países da região na área energética, em acordos comerciais e na mobilidade de estudantes e pesquisadores, e reforçar o desejo de estabelecer uma moeda local para o comércio na América do Sul, em vez do dólar, o presidente deixou claro que as iniciativas eram apenas sugestões e que os temas ainda seriam discutidos ao longo do dia pelos mandatários sul-americanos.
O brasileiro também defendeu que a participação da sociedade deve ser estimulada para dar maior legitimidade ao processo de integração. “Precisamos de mecanismos de coordenação flexíveis, que confiram agilidade e eficácia na execução de iniciativas. Nossas decisões só terão legitimidade se tomadas e implementadas democraticamente”, acrescentou o presidente, defendendo ainda que o envolvimento da sociedade civil, sindicatos, empresários, acadêmicos e parlamentares “dará consistência” ao esforço de integração. “Ou os processos são construídos de baixo para cima, ou não são viáveis e estarão fadados ao fracasso”, afirmou.
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Lula disse ter firme convicção de que é preciso reavivar o compromisso com a integração sul-americana. “Entendemos que a integração sul-americana é essencial para o fortalecimento da unidade da América Latina e do Caribe. Uma América do Sul forte, confiante e politicamente organizada amplia as possibilidades de afirmar, no plano internacional, uma verdadeira identidade latino-americana e caribenha.”
Opção pela Unasul
“E não é preciso recomeçar do zero. A Unasul é um patrimônio coletivo. Lembremos que ela está em vigor e sete países ainda são membros plenos. É importante retomar seu processo de construção, mas, ao fazê-lo, é essencial avaliar criticamente o que não funcionou e levar em conta essas lições.”
Apesar de propor o fortalecimento da Unasul, Lula disse que não há ideias preconcebidas sobre o desenho institucional que poderia ser adotado e que esse encontro servirá para conhecer a opinião de todos, que pode a vir ser definida em 120 dias.
A Unasul, criada em 2008, no segundo mandato do presidente Lula, foi se desintegrando ao longo do tempo, em meio a mudanças de governos em diversos países, e agora reúne apenas sete dos 12 governos: Venezuela, Bolívia, Guiana, Suriname, Peru, além de Argentina e Brasil que voltaram ao grupo recentemente.
“Por mais de dez anos, a Unasul permitiu que nos conhecêssemos melhor. Consolidamos nossos laços por meio de amplo diálogo político que acomodava diferenças e permitia identificar denominadores comuns. Implementamos iniciativas de cooperação em áreas como saúde, infraestrutura e defesa. Essa integração também contribuiu para ganhos comerciais importantes. Formamos uma robusta área de livre-comércio, cujas cifras alcançaram valor recorde de US$ 124 bilhões em 2011”, disse.
Lula destacou também a redução de desigualdades e da pobreza, do desmatamento, e o papel do grupo como foro de solução de controvérsias entre países da região. “Foram feitos formidáveis para uma região herdeira do colonialismo e marcada por graves formas de violência, discriminação de gênero e racismo. Não resolvemos todos os nossos problemas, mas nos dispusemos a enfrentá-los, em vez de ignorá-los. E decidimos fazer isso cooperando entre nós”, disse.
“Nenhum país poderá enfrentar isoladamente as ameaças sistêmicas da atualidade. É apenas atuando unidos que conseguiremos superá-las. Nossa região possui trunfos sólidos para fazer face a esse mundo em transição”, acrescentou, citando os novos desafios como as crises geradas pela pandemia de covid-19, a urgência das questões climáticas, o retrocesso do multilateralismo e a as posturas protecionistas nos países ricos, além de conflitos como a guerra na Ucrânia que afetam as cadeias de suprimento.
Agenda multilateral
Participam do encontro os presidentes Alberto Fernández (Argentina), Luís Arce (Bolívia), Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia), Guillermo Lasso (Equador), Irfaan Ali (Guiana), Mário Abdo Benítez (Paraguai), Chan Santokhi (Suriname), Luís Lacalle Pou (Uruguai) e Nicolás Maduro (Venezuela).
A atual presidente do Peru, Dina Boluarte, impossibilitada de comparecer, será representada pelo presidente do Conselho de Ministros, Alberto Otárola.
Pela manhã, os convidados foram recebidos por Lula e, na sequência, discursaram. Na período da tarde, está prevista uma conversa mais informal, em que cada presidente será acompanhado pelo respectivo chanceler e apenas um ou dois assessores.
À noite, os chefes de Estado e delegações participam de um jantar oferecido por Lula e pela primeira-dama Janja da Silva no Palácio da Alvorada.