Dia da Libertação na Itália é marcado por constrangimentos para primeira-ministra
Centenas de milhares participam de marchas antifascistas pela Itália, enquanto a direitista Giorgia Meloni não sabe o que fazer com a principal data histórica italiana.
Publicado 26/04/2023 18:54 | Editado 26/04/2023 19:35
No dia em que a Itália celebra o 78º aniversário de sua libertação do nazifascismo, a primeira-ministra de extrema-direita, Giorgia Meloni, e seus partidários são criticadas por dubiedades diante da data em que o país todo marcha contra o fascismo. Na cidade de Milão, mais de 100 mil pessoas saíram as ruas para “homenagear a Resistência”. Assim como em Portugal, o 25 de abril de 1974 é uma celebração antifascista, na Itália, onde se originou o regime de Benito Mussolini, o 25 de abril de 1945 celebra a libertação dos italianos do controle nazifascista.
É costumeiro que a data reúna os italianos, com desfiles e cerimônias de autoridades, mas pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, o país é liderado por um partido com raízes no neofascismo, movimento que surgiu após a derrubada do regime de Benito Mussolini. Seu partido, Irmãos da Itália, é um descendente político direto do Movimento Social Italiano, formado por membros do Partido Fascista de Mussolini após o fim da guerra.
Nas manifestações pelas metrópoles italianas, o tom era de crítica à premiê, com lideranças de oposição ocupando os palanques e megafones. Mas líderes da extrema-direita no governo também compareceram, apesar das vaias.
O prefeito de Milão, Giuseppe Sala, enfatizou que a premiê italiana “deve colocar a cara e dizer clara e definitivamente: ‘somos antifascistas'” e ressaltou que sua cidade “é profundamente antifascista”.
“Ontem contra o fascismo de Mussolini, hoje contra o neofascismo de Meloni”, diz o texto de um dos cartazes, que revela uma fotomontagem da premiê vestindo as roupas do Duce, Benito Mussolini.
Quando jovem, Meloni disse à TV francesa: “Acho que Mussolini foi um bom político. Tudo o que ele fez, ele fez pela Itália. E não tivemos nenhum político assim nos últimos 50 anos.”
As reportagens destacaram o contraste entre a agenda de Meloni e a do presidente Sergio Mattarella. Diferente das ambiguidades da premiê, ele foi enfático na defesa da democracia e no ataque ao antifascismo. Também garantiu aparições nas localidades mais emblemáticas da resistência e combate a Mussolini.
Presença fascista
Mas outros personagens polêmicos também compareceram. Uma faixa com a inscrição “ninguém se ilude e pode esquecer o sangue derramado para não trair” e o símbolo dos fascistas, canções, ameaças e saudações fascistas. Intrusão dos neonazistas de Do.ra. (Comunidade militante dos Doze Raios) durante a celebração do 25 de abril em Azzate, na província de Varese.
O chefe do grupo, o criminoso Alessandro Limido, enfrentou um manifestante antifascista, criando tensões, em meio ao espanto e medo de famílias e crianças presentes no parque Azzate para o Dia da Libertação. A polícia e o prefeito do município impediram que a situação se agravasse.
Outra polêmica ocorreu quando um grupo de jovens com bandeiras ucranianas foram expulsos das manifestações de Roma, Turim e Bolonha. A resistência ucraniana é frequentemente associada ao neonazismo por setores da esquerda. Houve protestos de políticos contra esta atitude.
O secretário do partido +Europa, Riccardo Magi,foi um deles. “Ontem vimos violências e agressões de quem hoje acredita defender a Libertação: vamos em frente e acreditamos que a liberdade e a democracia também se defendem de quem se pensa antifascista mas no fundo não o é”.
Carta de Meloni
A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, disse que os partidos parlamentares de direita “declararam a sua incompatibilidade com qualquer nostalgia do fascismo” e que a festa da liberdade é um “momento de harmonia nacional”.
As afirmações de Meloni foram feitas numa carta publicada nesta terça (25) pelo diário “Corriere della Sera”, no dia em que se comemora a festa da “libertação do nazifascismo”. Em editorial, o La Republicca, critica carta da primeira-ministra:
“Mas mesmo que tudo já tivesse realmente sido dito, por que o direito se opõe a esse juízo e recai continuamente no vício da provocação, da falsificação, da ambigüidade, com os homens que levou ao topo das instituições? É esta leitura instrumental e capciosa da história que impede que se pronuncie a palavra ‘antifascismo’ e impede a harmonia nacional almejada pelo Premier. Se a ambigüidade sobre a natureza da República não for eliminada, o calendário continuará sendo um obstáculo para a direita.”
Meloni escreveu esta carta após as polêmicas declarações de alguns membros do seu partido, Irmãos da Itália, como o presidente do Senado, Ignazio La Russa, um famoso colecionador de antiguidades fascistas, que declarou que a Constituição italiana não era “antifascista”. Sua casa aparece na tv cheia de bustos de Mussolini.
A líder do Partido Democrata, Elly Schlein, declarou que “o antifascismo é a nossa constituição”. Choveram pedidos de renúncia do senador. Meloni acenou à oposição em seu texto, silenciando sobre La Russa: “Democracia e liberdade estão gravadas na Constituição com um texto que tinha como objetivo unir, não dividir: precisamos fazer deste aniversário um momento de renovada harmonia”.
Embora Meloni tente passar uma imagem de moderação para o resto da Europa, não consegue manter seus correligionários na linha. Na semana passada, o ministro da Agricultura, Francesco Lollobrigida – um de seus aliados mais próximos, e seu cunhado – foi acusado de apologia à supremacia branca por dizer que os italianos corriam o risco de “substituição étnica” devido à imigração. Gianfranco Fini, outro deputado neo-fascista, também disse na tv que “não há mais relutância sobre a palavra antifascismo”.
A associação dos guerrilheiros italianos (ANPI), aqueles que lutaram contra a ocupação nazi e o fascismo, pediu esta segunda-feira que o Governo declare publicamente o seu “antifascismo”.
No seu primeiro 25 de Abril como primeira-ministra, Meloni espera que as suas reflexões publicadas no jornal “contribuam para fazer deste aniversário um momento de redescoberta da harmonia nacional”, onde a celebração da nova liberdade os ajude “a entender e a fortalecer o papel da Itália no mundo como baluarte indispensável da democracia”.
“Desde o 25 de Abril [de 1945], nasceu na Itália uma democracia em que ninguém estaria disposto a abrir mão das liberdades conquistadas. Isto é, a liberdade e a democracia são património de todos, quer os que a desejaram quer os que não. E esta não é apenas a maior conquista de que a nossa nação se pode orgulhar, mas o único verdadeiro antídoto contra qualquer risco autoritário”, escreve Meloni.
A primeira-ministra acrescenta que “o fruto fundamental do 25 de Abril foi, e continua a ser sem dúvida, a afirmação dos valores democráticos, que o fascismo espezinhara, e que encontramos inscritos na Constituição republicana”.
Revisionismo fascista
Entretanto, a maioria dos ministros de Meloni se distribuiu em lugares considerados símbolos da Resistência no país. Em Palermo, o dia 25 de abril foi também uma ocasião para uma homenagem aos heróis antimáfia, com o ministro do Interior da Itália, Matteo Piantedose, reivindicando “a libertação de um território da máfia”.
Já em Roma, o ministro do Made in Italy, Adolfo Urso, celebrou a libertação na Porta San Paolo junto com a Brigada Judaica. “O dia 25 de abril é o feriado em que “todos se reconhecem, como nós, nos valores da Constituição”, afirmou.
Por sua vez, o ministro da Infraestrutura, Matteo Salvini, prestou homenagem aos americanos mortos no cemitério de Florença, enquanto o ministro da Proteção Civil e do Mar, Nello Musumeci, depositou uma coroa de flores no memorial aos mortos em Catânia. Comunistas (partisanos) e soviéticos foram os principais protagonistas da libertação da Europa contra Hitler e Mussolini.
Em Pescara, a ministra da Família, Eugenia Roccella, reiterou que “não há mais divisões sobre o antifascismo”. Até o ministro da Educação da Itália, Giuseppe Valditara, prestou homenagem aos caídos pela liberdade em sua cidade, Milão, onde depositou coroas de flores em locais simbólicos da Resistência.
Ele ainda foi alvo de um pequeno protesto de um grupo da rede estudantil. Além disso, outra manifestações foram realizadas em Gênova, onde choveram vaias, gritos e faixas contra o prefeito da cidade, Marco Bucci, e o governador da região da Ligúria, Giovanni Toti, durante o ato na Piazza Matteotti.
O ministro da Cultura, Gennaro Sangiuliano, teve vazado na imprensa um memorando seu criticando o feriado da maioria de seus diretores-gerais em pleno fim de semana prolongado de 25 de abril. Ele se surpreendeu que ninguém tinha agenda em eventos culturais do Dia da Libertação.
Meloni e sua coligação direitista tem sofrido revezes nas pesquisas de popularidade. Ela está caindo abaixo dos 30% de preferência, enquanto a diferença para o Partido Democrata é, agora, de apenas 7%. Ainda assim, suas posições antiimigratórias têm apoio em várias regiões do país, embora não apresente respostas adequadas para os problemas econômicos da Itália.