Toni Morrison: a força de uma Nobel

Ser mulher é travar diariamente uma luta contra o esquecimento, contra o apagamento e contra o silenciamento. Conquistar espaço e voz é uma batalha árdua que enfrentamos, mesmo quando todos os sinais apontam para a nossa derrota.

Toni Morrison

Se afirmar como mulher bem sucedida numa sociedade como a nossa é um desafio desmedido a todas que se identificam com o “sexo frágil”. Adicione pontos de dificuldades se você nãofor uma mulher – branca, heterossexual, cisgênero. Somam-se também deficiências e vulnerabilidade social. Pronto, temos a fórmula perfeita de uma pessoa oprimida e sem oportunidades.

Para Virgínia Woolf, a história é contada a partir do ponto de vista masculino, “de nossos pais sempre sabemos alguma coisa, um fato, uma distinção. Eles foram soldados ou foram marinheiros; ocuparam tal cargo ou fizeram tal lei. Mas de nossas mães, de nossas avós, de nossas bisavós, o que nos resta? Nada além de uma tradição. Uma era linda; outra era ruiva; uma terceira foi beijada pela rainha. Nada sabemos sobre elas, a não ser seus nomes, as datas de seus casamentos e o número de filhos que tiveram”.

Ser mulher é travar diariamente uma luta contra o esquecimento, contra o apagamento e contra o silenciamento. Conquistar espaço e voz é uma batalha árdua que enfrentamos, mesmo quando todos os sinais apontam para a nossa derrota. Muitas são devoradas pela sociedade, outras se tornam mártires. No entanto, também são muitas as que saem vitoriosas e, consigo, carregam outras mulheres vencidas e vencedoras. Uma coisa é certa, somos todas doídas.

Quando Rachel de Queiroz se tornou a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL), abriu as portas de um espaço por muitos anos fechado para o público feminino. Ao integrar a Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), Dalinha Catunda abriu caminho para a entrada de outras nordestinas na instituição. A cantora Liniker Barros dá voz para mulheres transgêneros em todo o Brasil, bem como Elza Soares, que por 91 anos usou a sua voz para dizer o que se cala. Em âmbito internacional, nomes como Michelle Obama, Oprah Winfrey, Rihanna, Jane Austen, Anne Lister, Audre Lorde se destacam por seu pioneirismo, ou por encabeçar movimentos que defendem a emancipação feminina, bem como sua liberdade sexual e questões raciais.

Dentre as mulheres que se sobressaem, não posso deixar de evidenciar a escritora, editora e educadora Toni Morrison. Nascida como Chloe Anthony Wofford, em 18 de fevereiro de 1931, em Lorain, Ohio, nos Estados Unidos. Seu sobrenome veio do ex-marido, o arquiteto jamaicano Harold Morrison, com quem teve dois filhos e se divorciou quando ainda estava grávida da segunda criança, assumindo a partir de então o papel de mãe solo, que vinha acompanhado por problemas financeiros.

Formada em Inglês e Literatura Clássica, pela Universidade de Howard, em Washington, e mestre em Literatura pela Universidade Cornell, em Nova York, Morrison dedicou nove anos da sua vida exclusivamente ao ofício de professora, atuando nas universidades de Nova York, Rutgers, Albany, Yale e Bard College.

A partir de 1964, passou a dividir seu tempo entre as salas de aula e a atuação como editora, períodos em que foi indispensável na difusão de escritoras negras, como Angela Davis e Toni Cade Bambara. Sua carreira de romancista iniciou em 1970, com a publicação de seu primeiro livro, O Olho Mais Azul, a história de uma garota negra que sonha em ter olhos azuis, pois acredita que só assim poderia se livrar de uma vida de sofrimento e exclusão. Embora profundo e dolorido, O Olho Mais Azul não foi bem recebido pela crítica da época, em que temas como estupro, racismo e violência sexual ainda eram tabus. A obra só recebeu reconhecimento em 2000, com a indicação da atriz e apresentadora norte-americana Oprah Winfrey.

Toni Morrison coleciona uma vasta obra literária que soma 11 romances, 5 livros infantis, além de contos, peças teatrais e obras de não-ficção, todos sensíveis e políticos, cheios de questões e críticas sociais, que traduzem a experiência negra em sociedade. Com obras que já foram adaptadas para o cinema e para o palco, muitas foram as indicações e prêmios adquiridos. Em seu quinto romance,Amada(1987), vencedor do Pulitzer Prize, Morrison se baseia na história de Margaret Garner, uma mulher escravizada, que preferiu matar a própria filha do que permitir que ele tivesse uma vida de escravidão. A autora de Sula (1973) e A Origem dos Outros (2017), venceu o National Book Critics Circle, com o livro Canção de Solomon (1975). Foi a primeira escritora negra a receber o Prêmio Nobel.

Toni Morrison é um dos maiores nomes do feminismo negro. Uma referência para mulheres do mundo inteiro. Um exemplo de mulher bem sucedida, que venceu numa sociedade construída para derrotá-la.

Shirley Pinheiro é graduanda do Curso de Letras da Universidade Regional do Cariri (URCA) e colunista do Blog Literário Nordestinados a Ler

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