EUA culpam guerra na Ucrânia por doação irrisória ao Fundo Amazônia

Abismo entre discurso e prática marcou a passagem melancólica de John Kerry pelo Brasil

Os Estados Unidos devem doar apenas US$ 50 milhões para o Fundo Amazônia – e o próprio enviado especial do país para o clima, John Kerry, admite que é pouco. Seja pela dimensão da economia norte-americana, seja pelo peso dos EUA na emissão de gases do efeito estufa, a contribuição pode ser considerada irrisória.

Em entrevista à BBC, Kerry joga a culpa na guerra na Ucrânia. Há nove dias, durante visita à Kiev, o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou uma ajuda adicional de US$ 500 milhões aos ucranianos. Ao todo, são quase US$ 46 bilhões de investimento dos EUA no conflito. A cultura da guerra ainda é uma moeda em alta conta para governantes e parlamentares estadunidenses.

A BBC resume assim a missão de Kerry como “homem do clima” da gestão Biden: “convencer a comunidade internacional e o público interno sobre a urgência para a adoção de medidas para combater os efeitos do aquecimento global”. Mas como sensibilizar outros países se os Estados Unidos têm contribuído tão pouco para a causa?

Esse abismo entre discurso e prática marcou a passagem melancólica de Kerry pelo Brasil. Em encontros no domingo com o vice-presidente Geraldo Alckmin e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, Kerry reconheceu a legitimidade das cobranças feitas aos EUA, mas não garantiu mais recursos para o Fundo Amazônia, que financia ações de combate ao desmatamento. Na campanha eleitoral de 2020, Biden disse que a preservação da Amazônia era prioridade e que, por isso, sua gestão destinaria até US$ 20 bilhões para países em desenvolvimento,

Segundo Kerry, o governo – que é do Partido Democrata – está refém de um Congresso que tem maioria republicana. “Dois senadores, um republicano e outro democrata, propuseram US$ 4 bilhões. Na Câmara, houve uma proposta de US$ 9 bilhões. E isso terá que passar pelo processo legislativo”, disse Kerry à BBC.

“É uma luta e não há certeza de aprovação”, prossegue o enviado especial, num raro exercício de autocrítica. “Precisamos responder muito mais rápido. Precisamos colocar maiores somas de dinheiro na crise climática, assim como colocamos dinheiro na crise da Ucrânia.”

Sem recursos públicos garantidos, a Casa Branca apela a bancos multilaterais de desenvolvimento e à iniciativa privada. “Eu e o presidente Biden, em particular, vemos a crise climática como imediata, mas nem todo mundo vê”, diz Kerry. “Esperamos poder persuadir as pessoas da urgência de lidar com o que agora é uma crise real e presente.” Que comecem pelo Partido Democrata!

Autor