Losurdo: comunismo, teoria e história*

“Sejamos claros: a perseguição anticomunista no Ocidente liberal ou promovida por ele é tudo menos uma novidade. (…) a perseguição anticomunista não é realizada em defesa da segurança, mas da memória das vítimas. O crime de comunismo é, mais claramente do que nunca, um crime de opinião” (LOSURDO, 2022).

Na tradição do pensamento do filósofo, historiador e cientista político italiano Domenico Losurdo encontramos duas âncoras poderosas (e atadas): totalidade e contradição.

Apossado dessas categorias centrais da dialética, a riqueza das teorizações na vasta obra de Losurdo busca articular sempre o todo (ali examinado) e suas partes em movimento. Há uma epistemologia a escavar a história para escrutínios rigorosos da tessitura política, sob o olhar da filosofia. Dito de outra maneira, como marxista e hegeliano que era convencera-se do caráter intrinsecamente político da filosofia; ou a política como sendo o primeiro e mais importante laboratório da filosofia. [1]

Por exemplo, já em “Fuga da História? A revolução russa e a revolução chinesa vistas de hoje”( Rio de Janeiro, Revan, 2004), ele exibe pleno domínio sobre as marcas profundas da tempestade contrarrevolucionária que desabou sobre a condição comunista militante, desde 1989-91; interpreta polemicamente a derrota sistêmica da construção socialista, bem como o insolúvel desengano de náufragos em ataque furioso às experiências revolucionárias; e ainda aborda de maneira criativa êxitos e vicissitudes da grandiosa epopeia em defesa de uma sociedade socialista e de sua superioridade à irracionalidade do capital – Karl Polanyi sentenciava-a de “moinho satânico” liberal burguês.

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Decifra naquele livro Losurdo, inusitadamente, que o regime soviético “foi obrigado a enfrentar uma permanente situação de exceção”, onde, de 1917 a 1953 (ano da morte de Stálin), aconteceram “pelo menos quatro ou cinco guerras, e duas revoluções” (pp. 43-44). A propósito, ao lado da dura crítica de Losurdo a Stálin – “ditador”; “horrores” do stalinismo -, ele ataca implacavelmente os que o igualam a Hitler: “deixemos essa comparação tão absurda aos anticomunistas profissionais” (p. 49); acusa os próprios comunistas que “demonizam” Stálin (pp. 50-51); e pergunta: seria possível imaginar “a radical mudança” ocorrida no mundo, em relação a raça e racismo “sem a contribuição da URSS de Stálin?”(p.51).

Marxismo, comunismo

Losurdo, naquele estudo publicado no Brasil em 2004, adianta uma tese, a seguir sofisticada em “O Marxismo ocidental: como nasceu, morreu e como pode renascer” (2018): a da crítica à ideia do utopismo espectral marxista rondando tenazmente o comunismo.

Lá para as tantas, pergunta então Losurdo (2004, p.121), ali: como Trotski, devemos considerar, que no comunismo, junto com o Estado, estão destinados a desaparecer também o dinheiro e toda forma de mercado? Para o filósofo, a carnificina da Primeira Guerra Mundial, e a criação de “estado de exceção” – depois agravado -, gestaram uma “utopia abstrata”, assim como a necessidade da “desmessianização” do projeto comunista. [2]

Aliás, Segundo Losurdo, Gramsci “talvez” tenha sido o que mais se empenhou na “desmessianização do projeto comunista”; colocou em discussão o “mito” do desparecimento do Estado e de sua “reabsorção” na sociedade civil; que o internacionalismo “não tem nada a ver” com se desconhecer as peculiaridades e identidades nacionais; que convém é se falar em “mercado determinado, não em mercado em abstrato” (2004, pp. 121-2).

Nessa síntese aqui descrita, Losurdo repisa fortemente a temática em “O marxismo ocidental”, a partir de uma dupla negatividade: a) o ataque e desconhecimento ao marxismo oriental convergente às lutas de anticoloniais de libertação nacional antes e depois da Primeira Guerra Mundial à Revolução de 1917;[3] b) a própria auto-expiação do marxismo ocidental, vez que sua “crítica” do movimento realmente existente resvala a um projeto messiânico e utópico. Conclui (também) o italiano:

“Tendo atrás de si a tradição judaico-cristã, o marxismo ocidental…não poucas vezes evoca motivos messiânicos (a espera por um ‘comunismo’ concebido e sentido como uma resolução de todos os conflitos e contradições e, portanto, uma espécie de fim da história”) (p. 210).

A questão comunista

No derradeiro estudo “A questão comunista: história e futuro de uma ideia” (2022; uma introdução, uma premissa, quatro capítulos e uma conclusão), G. Grimaldi [4] disserta uma instrutiva apresentação da construção teórica presente na versão final do texto de Losurdo. Onde dois problemas dão sequência aos dois livros aqui brevemente citados: a) o marxismo de Losurdo “expulsa” elementos de caráter utópico e messiânico que nele teimam em se entronizar; e (b) na medida em esse enfoque é integrante de um propósito geral de “repensamento do marxismo” – salienta Grimaldi (p.8).

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Na vigorosa denúncia que faz sobre o “antitotalitarismo” e a vigência do anticomunismo como doutrina de Estado, Losurdo inicia seu estudo afirmando que essa ideologia vem sendo imposta e protegida por lei; que essa criminalização anda abraçada não apenas com a falsificação da história, mas violando as regras da própria democracia burguesa, incluindo hoje “provocações sangrentas”, e a truculência cotidiana (“Reapolitik”) da prática coercitiva e despótica “marcadas por um cinismo sem limites” (pp. 24-31). 

Prossegue, nucleando dissertar dialeticamente ao que denomina de transformação de uma utopia em “utopia invertida”, e “utopia concreta”, ou “utopia realizada”,[5] onde a crítica de várias fontes e vertentes converge à busca de um futuro messiânico que desaguou em “catástrofe e horror” (N. Bobbio; K Popper, F. Nietszche); no exame do “mito e realidade do homem novo”, quando a ideologia hegemônica, ao isolar as revoluções de teor marxista de todas as demais, zombam da ação e do cultivo do homem novo por elas perseguidas (pp. 33-69). Ressalta com precisão, aqui, Losurdo:

“O fato é que, ao agitar o tema do novo homem, Marx, Engels e o movimento comunista questionaram radicalmente as relações fundadas na mais brutal opressão e que, não obstante, eram tidas pela ideologia dominante como naturais e eternas” (p.62).

Ainda nesse capítulo, Losurdo impressiona ao localizar e criticar brilhantemente a ideia atualmente em voga do “decrescimento” (econômico) – para nós, também neomalthusiana -, concentrando-se numa tese nodal de sua elaboração: o decisivo desenvolvimento das forças produtivas. Esta questão merece um tópico mais alargado.

Ora, Domenico Losurdo chama a atenção para algo que passa despercebido ao olhar da grande maioria dos marxistas, sobretudo no Ocidente: a totalidade intrínseca entre ser humano x natureza em Marx. Algo que encerra um grande relevo de análise e construção de argumentos, conceitos e novos marcos teóricos no sentido de enfrentar o dogmatismo do ecologismo e da arbitrária separação entre ser humano x natureza.

Em Marx, e isso possui ênfase na obra de Losurdo, essa unidade e totalidade intrínseca nas relações entre ser-humano e natureza cria condições à própria superação do que se poderia chamar de esgotamento dos recursos naturais. Trata-se, portanto, de uma visão onde o progressismo é algo inerente ao desenvolvimento das forças produtivas e não seu contrário.

A elevação da técnica levada às suas últimas consequências cria um recurso natural inesgotável ao processo de desenvolvimento. Esta possibilidade de um desenvolvimento sem precedentes das forças produtivas é resgatada por Losurdo ao retomar um verdadeiro libelo contido nos Grundrisse sob o nome de “Fragmento sobre as máquinas”.[6] O ponto alto das relações entre ser-humano e natureza é o surgimento do “trabalho cientificamente objetificado”. Neste caso, ao pensarmos em uma chamada “questão comunista” estaríamos diante do socialismo se realizando enquanto “força do saber objetivada”. Ou, de forma mais simples, via construção consciente do futuro munido da razão humana no comando do processo.

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Irresistível, assim, não relacionarmos o cerne da “questão comunista” no “trabalho cientificamente objetificado” sem nos atermos às possibilidades abertas pelo extraordinário desenvolvimento das forças produtivas na China, [7] abrindo margem ao surgimento de novos esquemas tanto de divisão social do trabalho quanto em matéria de planificação econômica. A “questão comunista” não estaria se realizando materialmente na China com a razão humana sob o comando não somente de um extraordinário processo de desenvolvimento, mas também da planificação da transição entre campo e cidades de cerca de 200 milhões de pessoas nos últimos anos, evitando com que a China não sentisse os duros traumas de urbanizações desordenadas e geradoras de desumanização via formação de imenso exército industrial de reserva?

Aqui, cumpre notar que essa outra tese inovadora de Losurdo, qual seja, a de que o socialismo-comunismo tendo tudo a ver com o fenômeno ativador do desenvolvimento das forças produtivas, como patamar necessário ao projeto societário humanista universal passou mais recentemente a ser parte integrante das estratégias revolucionárias dos partidos comunistas de influência na evolução do pensamento leninista, notadamente em renovação da luta de classes nos países em desenvolvimento.  Por exemplo, a teorização do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), em seu “Programa Socialista” (2009) entrelaça um “Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento” como mediação necessária à transição para a passagem ao socialismo. [8]

Extenso, o capítulo 2 (pp. 72-125) trata essencialmente da questão que relaciona as interfaces e antagonismos entre o “liberal-socialismo” e o comunismo. A crítica geral parte da ideia de Norberto Bobbio, por sua feita inspirada em J. Stuart Mill, e se alarga no estudo de autores como J. Hobson, C. Rosselli, L. Hobhouse, A. Caillé e exaustivamente do citado filósofo Bobbio. E onde o centro das reflexões de Losurdo é a contra-crítica a trajetória antimarxista do liberal-socialismo e suas variantes.

Crítica e relação entre marxismo, liberalismo e comunismo, pois capaz de elaborar uma complexa teorização dos direitos civis e políticos, e, a seguir construir uma ideia madura e articulada questão do poder político, o liberalismo simultaneamente andou de mãos dadas com a escravidão moderna! Para Losurdo, ademais, em seus objetivos, a universalidade do ideário comunista sempre conflitou com a parcialidade da intenção da proposta liberal.

De outra parte, o liberal-socialismo se manifesta no colonialismo, no imperialismo, no seu apoio à Primeira Guerra Mundial, à marcha do nazifascismo; e ao buscar se afastar desse último sempre esteve pressionado pelo movimento socialista e comunista. Não à toa, para Losurdo, a ruptura posterior de Bobbio com o liberal-socialismo é mais que uma regressão, e sim parte integrante do caminho que o levou a apoiar “com regularidade as guerras que o ocidente e em primeiro lugar os Estados Unidos travavam”. Para Bobbio, “A democracia venceu o comunismo histórico, devemos admitir”, quando da onda contrarrevolucionária que os anos 1989-1991 (p.119). [9]

O comunismo em seu “labirinto”

“É também por outra razão que a acusação de utopismo dirigida ao movimento comunista se mostra muito mais problemática do que imaginam os adversários desse movimento” (LOSURDO, 2022).

O capítulo final apresentado no estudo (“O comunismo como evasão ou ‘real’’) é precedido pelo terceiro “O renascimento do projeto comunista e a herança liberal”. Neste, três questões merecem nosso destaque no livro de Losurdo: a) a relação entre “messianismo e populismo”; b) o quixotismo da tentativa do retorno a um “socialismo utópico”; c) as marcas da passagem socialista da utopia à ciência.

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Assim, Losurdo reexaminando Benjamin, Zizek, Badiou, Bloch e Hardt principalmente, considera que o movimento comunista “procurou escapar do “messianismo totalmente do Outro” – representação das religiões de salvação; mas não houve “um  acerto de contas” com o populismo nem com o messianismo; a nova ordem imaginada e desejada são o “resultado de uma negação abstrata e não dialética”: no “populismo”, a condição de escassez material se generaliza e é ou deveria ser aceita por todos; no “messianismo’, na aparência a mudança é tão radical que a ordem jurídico-política “limita-se a desaparecer de uma vez por todas” (p.146).  Escreve ele:

“Pode-se fazer uma consideração geral: Marx e Engels por vezes falam de ‘extinção do Estado no atual sentido político’, outras vezes falam de ‘extinção do Estado’ enquanto tal; durante muito tempo o movimento comunista do século XX adotou exclusivamente a segunda fórmula que é declaradamente messiânica” (p.148). [10]

Visível, então, que após a “tragédia” e “derrota” sofridas nos países socialistas do Leste Europeu são muitas as vozes e apelos que convidam os comunistas “a retornar à utopia”, num impulso à tradição do messianismo ou a um futuro luminoso absolutamente livre de contradições e conflitos. Como no caso do subcomandante zapatista Marcos (“mudar o mundo sem mudar o poder”), ou Badiou que “saúda o colapso do socialismo estatal”, ou de Zizek que tem “ternura pelos que exigem a abolição do Estado” (p.162).

Na teorização, crucial, de Losurdo, enfim, o “socialismo científico” vem no rastro de duas revoluções ou é seus desdobramentos: a Revolução Industrial, e seu avanço poderoso das forças produtivas; e a Revolução Francesa, política, e suas transformações político-sociais sem precedentes. Seguinte a elas, a emancipação do gênero humano passou a ser um objetivo perfeitamente realista: apenas se deveria perguntar sobre “o tempo e maneira do processo de emancipação” (p. 167).

Importa frisar que, Losurdo faz duas considerações – conclusões – da maior relevância ao movimento comunista atual. A primeira, em que afirma ter Lênin, em sua fase última da vida ter voltado á atenção sobre “como promover a extinção do Estado”: proceder à sua “edificação”, construindo um aparato estatal “verdadeiramente novo, que mereça de fato o nome de socialista soviético” – tomada de consciência acompanhada de importante alerta, diz Losurdo (p.153).

Noutro ângulo, para Mao Zedong, entretanto, a revolução chinesa estava convocada à luta para “construir um grande Estado socialista”; onde, “daqui a dez mil anos” os tribunais “serão ainda serão necessários” (2022, p. 156). Segundo o filósofo italiano, e de modo categórico, em oposição à “expectativa messiânica”, na China a “redenção” ocorreu em função de um “partido comunista que soube evitar o evolucionismo e o messianismo” (p.151).

Mais uma vez com brilhantismo, em seu texto apresentado, Domenico Losurdo encerra concluindo na metáfora da viagem de Colombo às Américas, comparando-a às revoluções. Ou seja, se “nunca nos aproximamos” em chegar aos objetivos pretendidos por Lênin e os líderes da Internacional Comunista (República mundial soviética, desparecimento final das classes, Estado, nações, mercados e religiões), estaríamos diante de um evidente e completo fracasso. Não é bem assim:

“Na realidade, a discrepância entre programas e resultados é inerente a toda a revolução. (…) A história de Cristóvão Colombo, que sai em busca das Índias, mas descobre a América, pode servir de metáfora para a compreensão dialética dos processos revolucionários”. [Marx e Engels, ao examinaram as revoluções inglesa e francesa, sublinham não partir da consciência subjetiva de seus protagonistas, mas das contradições objetivas], “portanto [d]o descompasso entre o projeto subjetivo e o resultado objetivo”. (…) “Por que deveríamos proceder de forma diferente diante da Revolução de Outubro?” (pp. 199-200).

*À memória de Silvio Costa (03/1953- 02/2023), intelectual comunista de elevado nível de compromissos com a causa da sociedade integralmente solidária

NOTAS

[1] Ver: Stefano Azzarà em “Domenico Losurdo 1941-2018 in memoriam”. Em: “Losurdo: Permanência e presença”, MORAES, J. Q. (org.), São Paulo, Fundação Maurício Grabois/ Anita Garibaldi, 2020. Grande estudioso da obra de Losurdo, Azzarà o apresenta como “hegeliano e marxista”; nós invertemos a ordem da afiliação teórica-ideológica.

[2] Segundo Losurdo, Gramsci “talvez” tenha sido o que mais se empenhou na “desmessianização do projeto comunista”; colocou em discussão o “mito” do desparecimento do Estado e de sua “reabsorção” na sociedade civil; que o internacionalismo “não tem nada a ver” com se desconhecer as peculiaridades e identidades nacionais; que convém é se falar em “mercado determinado, não em mercado em abstrato (2004, pp. 121-2).

[3] A análise demolidora de Losurdo atinge espectros distintivos, principalmente, do pensamento de Perry Anderson, M. Merleu-Ponty, Max Horkheimer, Ernest Bloch, Teodoro Adorno, Hanna Arendt, Slavov Zizek, Walter Benjamin, Hardt, Negri, A. Badiou entre outros; e noutra dimensão, a crítica a H. Marcuse e G. Lúckács. “É inegável que a tendência messiânica e utópica do marxismo ocidental se arrastou por um longo tempo”, afirma ele (São Paulo, Boitempo, p.38).

[4] O livro de Losurdo é inconcluso, muito denso e abarca inúmeros temas complexos, tendo como epicentro a Revolução de Outubro. Nós nos concentramos em aspectos que consideramos os principais. Por outro lado, é uma pena que Grimaldi não se referencie na obra de Losurdo “Fuga da história”?  publicada no Brasil em 2004, para nós integrante duma espécie de triologia onde a questão comunista avulta, e entrelaça “Marxismo ocidental” e “A questão comunista”.

[5] Esclareça-se, definitivamente, que Domenico Losurdo é defensor intransigente da doutrina elaborada por Marx e Engels. O que nada tem a ver com a invenção de um ‘marxismo sem utopia’, como por exemplo criou J. Gorender, no Brasil. Ver a crítica em “Revoluções e materialismo histórico em Domenico Losurdo”, de A. Sérgio Barroso, publicado originalmente em 2005. Aqui: https://dev.vermelho.org.br/coluna/revolucoes-e-materialismo-historico-em-domenico-losurdo/

[6] O chamado “fragmento sobre as máquinas” pode ser encontrado no recém intitulado item “Capital fixo e desenvolvimento das forças produtivas da sociedade”, da edição dos “Grundisse”, da Boitempo (2011), no denominado Capítulo do capital, às páginas 578 a 592. Genial, é ali que Marx apresenta também o conceito de “intelecto geral” (“general intellect”), já identificando a tendência de autonomização da tecnologia da maquinaria, onde as “máquinas inteligentes” a Inteligência artificial, a nanotecnologia, poderiam servir hoje claramente de exemplos. Ainda, escreveu Marx ali: “A natureza não constrói máquinas nem locomotivas, ferrovias, telégrafos elétricos, máquinas de fiar automáticas etc. Elas são produto da indústria humana; (…) Elas são órgãos do cérebro humano criados pela mão humana; força do saber objetivada”. E mais adiante: “Há ainda outro aspecto em que o desenvolvimento do ‘capital fixo’[maquinaria] indica o grau de desenvolvimento da riqueza geral, ou o desenvolvimento do capital” (todos os grifos de Marx; p.589).

[7] Sobre a China, Losurdo exalta inúmeras vezes seus êxitos revolucionários e conquistas atuais; e Grimaldi informa que estava previsto um capítulo denominado “Pensar a China, repensar o pós-capitalismo”, que não se encontra nos textos por ele examinado.

[8] Em: “Transição ao socialismo e questão nacional na África do Sul, na Índia e na Rússia”, Ronaldo Carmona apresenta os partidos comunistas que nesses países passaram a compreender o vínculo incontornável entre a questão nacional e o socialismo. Equacionando dialeticamente uma problemática fundamental, Carmona aponta “a coincidência essencial entre socialismo e nação”, ou “combinação orgânica” que passaram a ser decisivas, onde nos grandes países em desenvolvimento a resistência ao “neocolonialismo passa a ser uma exigência permanente” (São Paulo, Anita Garibaldi, 2009, pp. 103-104)

[9] Losurdo faz ainda importante digressão, no subtítulo em que pergunta: “Renascimento ecológico do liberal-socialismo?”, liderado por Allain Caillé. Onde afirma: “E é precisamente a luta de classes o grande ausenta no quadro traçado pelo liberal-socialismo em versão ecológica”; ou ainda: “o novo liberal-socialismo mostra todos os seus limites também no que se refere à luta em defesa do Estado social”. Para Caillé – afirma, por exemplo, Losurdo -, passado os Trinta Anos Gloriosos de crescimento econômico, “é necessário despedir-se do Estado de bem-estar que dele resultou” (p. 122).  

[10] Mais adiante ele exemplifica, também: durante anos a Internacional Comunista apresentou-se como “partido bolchevique mundial”; desdenhava das fronteiras e identidades nacionais como “preconceitos ultrapassados” (p. 149).

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