Quem quer a paz e quem estimula a guerra na Ucrânia?
Brasil e China avançam propostas pela paz, enquanto 32 países desenvolvidos despejam armas na Ucrânia numa sinalização de uma guerra brutal nos próximos meses.
Publicado 24/02/2023 18:59 | Editado 26/02/2023 10:10
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, deflagrou uma campanha para mediar o fim da guerra da Rússia na Ucrânia, enquanto busca a reinserção do Brasil no cenário político mundial.
O vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Mikhail Galuzin, foi citado pela agência de notícias russa Tass na quinta-feira, dizendo que Moscou está estudando a proposta de Lula para encerrar o conflito, enquanto continua avaliando a situação na Ucrânia.
Sem uma formalização da proposta, Moscou está discutindo a ideia com base nos comentários públicos de Lula sobre o conflito. Em 30 de janeiro, por exemplo, Lula negou o envio de munições para a Ucrânia. Afirmou que “o Brasil não tem interesse em passar munições, para que elas não sejam utilizadas na guerra”.
A ideia lançada pelo presidente brasileiro é criar um grupo de países, possivelmente incluindo Índia, China e Indonésia, para mediar as negociações de paz entre as nações conforme a exaustão começa a dominar partes do mundo.
Galuzin disse que respeita a disposição do Brasil em manter uma postura soberana sobre o assunto, diante da pressão de Washington.
“Estamos examinando as iniciativas, principalmente do ponto de vista da política equilibrada do Brasil e, claro, levando em consideração a situação em campo.”
O vice-ministro ainda disse que a Rússia “valoriza a posição equilibrada do Brasil” sobre o conflito, marcada pela “rejeição a medidas coercitivas unilaterais tomadas pelos Estados Unidos e por seus satélites e a recusa de nossos parceiros brasileiros em fornecer armas, equipamentos militares e munição para o regime de Kiev”.
Outros países
O Brasil não é o único país a promover propostas de paz. China, Turquia e muitos outros também tentaram mediar as negociações nas últimas semanas e meses. Para saber quem está do lado da guerra, basta ver a lista de 32 países que gastam uma parcela grande de seu Produto Interno Bruto (PIB), para favorecer a Ucrânia no conflito.
A China disse às Nações Unidas que, um ano depois da guerra na Ucrânia, “fatos brutais oferecem uma ampla prova de que o envio de armas não trará a paz” – uma declaração que vem poucos dias depois que os Estados Unidos e a OTAN advertiram Pequim contra dar apoio militar à Rússia.
“Colocar lenha na fogueira só vai exacerbar as tensões. Prolongar e expandir o conflito só fará com que as pessoas comuns paguem um preço ainda mais alto”, disse o vice-embaixador da China na ONU, Dai Bing, na Assembleia Geral da ONU na quinta-feira.
Em termos de direito internacional, um país só se torna parte da guerra se enviar seus próprios soldados, algo que todos os políticos alemães descartaram.
Enviar caças, tanques e outras armas, assim como recursos financeiros para manter o estado ucraniano funcionando, são maneiras de provocar ainda mais a fúria russa, detentora de armas nucleares. Estes países mais ativos no estímulo à guerra recusam qualquer possibilidade de diálogo com a Rússia, desde muito antes da invasão.
Depois de um ano, velado nesta sexta-feira (24), resta no ar apenas a proposta brasileira e a chinesa, vista com deboche e desconfiança pelos países alinhados com os EUA. As tentativas de propor diálogo são tratadas pelos países alinhados com a Ucrânia com narizes torcidos, pois só aceitam propostas de paz unilaterais, que exijam a rendição russa imediata.
Proposta de Zelensky
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky diz que planeja se encontrar com o presidente da China, mas não disse quando tal encontro pode acontecer.
“Pretendo me encontrar com Xi Jinping e acredito que isso será benéfico para nossos países e para a segurança no mundo”, disse ele por ocasião do primeiro aniversário da guerra. Zelensky havia reiterado anteriormente que não manteria conversas com Putin.
O líder ucraniano disse querer que países da América Latina e da África, assim como China e Índia, se juntem a uma fórmula de paz proposta por Kiev para acabar com a guerra com a Rússia.
Ele pediu uma cúpula com líderes latino-americanos e disse que Kiev deveria tomar medidas para construir relações com os países africanos.
Mauro a todo vapor
Nos últimos dias, diplomatas brasileiros intensificaram os esforços para apresentar o plano a seus colegas internacionais e conversaram com pelo menos 21 países sobre a ideia, durante a Conferência de Segurança de Munique (Alemanha), na semana passada.
“Os chanceleres discutiram a situação atual da guerra, a posição brasileira sobre o conflito e a contribuição do Brasil para a resolução a ser votada na Assembleia Geral das Nações Unidas, que pede a cessação das hostilidades pela primeira vez”, disse Mauro Vieira, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, no Twitter, em meio às reuniões em Munique. A declaração pode estar relacionada com a inesperada votação do Brasil favorável a resolução que pede a retirada das tropas russas do território ucraniano.
Lula, em linha com a política externa tradicional do Brasil, tem procurado ser fotografado como um mediador de conflitos em um mundo multipolar, ao invés de um aliado automático dos EUA e da UE. Desde que assumiu o cargo em janeiro, o brasileiro discutiu o conflito com grandes líderes mundiais, incluindo o presidente francês, Emmanuel Macron, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o chanceler alemão, Olaf Scholz.
Biden deu a entender, ainda que vagamente, que poderia estar aberto à proposta durante uma reunião bilateral em Washington no início deste mês.
12 pontos para a paz
A China pediu negociações de paz urgentes ao divulgar um documento de 12 pontos pedindo um “acordo político” para acabar com a guerra na Ucrânia.
O documento pede a todas as partes que “apoiem a Rússia e a Ucrânia trabalhando na mesma direção e retomando o diálogo direto o mais rápido possível”.
As potências ocidentais rapidamente rejeitaram a proposta mencionando os laços de Pequim com Moscou.
Um porta-voz do governo da Alemanha saudou cautelosamente o plano de 12 pontos, mas observou que elementos importantes, como a retirada das tropas russas, estavam faltando na proposta.
“É importante que a China agora discuta essas ideias diretamente com a Ucrânia, pois esta é a única maneira de encontrar uma solução equilibrada que leve em consideração os interesses legítimos da Ucrânia”, disse o porta-voz.
O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, jogou água fria na proposta chinesa, dizendo que Pequim não estava bem posicionada para negociar o fim da guerra.
“A China não tem muita credibilidade porque não foi capaz de condenar a invasão ilegal da Ucrânia”, disse ele, acrescentando que Pequim assinou um acordo com o presidente russo, Vladimir Putin, poucos dias antes da invasão.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ecoou Stoltenberg, dizendo que a China não compartilhou um plano de paz, mas alguns princípios.
“Você tem que vê-los em um cenário específico, e esse é o cenário que a China já tomou partido assinando, por exemplo, uma amizade ilimitada pouco antes da invasão”, disse ela.
“Portanto, vamos olhar para os princípios, é claro, mas vamos olhar para eles tendo como pano de fundo que a China tomou partido.”
Reação de Kiev
Num primeiro momento, a Ucrânia saudou a proposta da China de mediação entre Kiev e Moscou, conforme expressou a primeira vice-ministra das Relações Exteriores do país.
“Agradecemos qualquer iniciativa que realmente vise encontrar a paz e resolver a guerra… somos o país que está mais interessado em ter qualquer tipo de paz, porque estamos sofrendo neste inferno há um ano”, disse Emine Dzhaparova.
“O documento … que recebemos hoje pela manhã chama-se a posição política da China sobre a crise. Vamos estudá-lo minuciosamente”, acrescentou.
“A única coisa que quero esclarecer é qual é a base para esta paz – porque acreditamos na justiça e na paz justa, não no apaziguamento”.
O presidente da Ucrânia disse que o interesse da China na guerra “não é ruim” depois que Pequim pediu um cessar-fogo abrangente como parte de um plano de 12 pontos para lidar com o conflito.
“A China mostrou seus pensamentos. Acredito que o fato de a China ter começado a falar sobre a Ucrânia não é ruim”, disse Volodymyr Zelensky em entrevista coletiva no aniversário da invasão russa.
“Mas a questão é o que segue as palavras. A questão está nos passos e para onde eles vão levar.”
Zelensky acrescentou que há pontos nas propostas chinesas com os quais ele concorda “e há aqueles que não concordamos”. “Mas é alguma coisa”, disse ele.
No entanto, o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, disse ao Conselho de Segurança da ONU que quaisquer novas propostas de paz para o fim da guerra devem estar alinhadas com as exigências feitas em uma recente resolução da Assembleia Geral da ONU. Ele se refere ao pedido de retirada das tropas russas da Ucrânia e suspensão dos combates no país.
O conselheiro sênior do presidente da Ucrânia, Mykhailo Podolyak, disse que qualquer plano para acabar com a guerra da Rússia na Ucrânia deve envolver a retirada das tropas de Moscou de volta às fronteiras da Ucrânia em 1991, quando houve o colapso da União Soviética.
“Qualquer ‘plano de paz’ apenas com cessar-fogo e, como resultado, uma nova linha de delimitação e ocupação contínua do território ucraniano não é sobre a paz, mas sobre o congelamento da guerra, uma derrota ucraniana, [e os] próximos estágios do genocídio da Rússia ”, disse ele em um post no Twitter.