Bradesco abriga espetáculo anticomunista com ingressos a R$ 1.050
Companhia de dança é ligada à seita Falun Gong, que foi banida da China, se instalou nos Estados Unidos e faz campanha contra o governo comunista
Publicado 23/02/2023 12:31 | Editado 24/02/2023 12:19
Em março, o Teatro Bradesco, instalado no Bourbon Shopping, em São Paulo, será uma espécie de braço do movimento anticomunista. O espaço vai receber a companhia de dança Shen Yun, que promete apresentar “a mística e a beleza da China antes do comunismo”.
O material de apresentação do Shen Yun Performing Arts, altamente panfletário, não poupa ataques aos chineses. Segundo o release, “muitos dos artistas do Shen Yun escaparam das mãos opressoras do regime totalitário da China – um regime em guerra com antigas tradições, com a religião e com a história chinesa”. Nem a produtora ultradireitista Brasil Paralelo é tão acintosa.
Em letras menores, lemos que a programação é apresentada pela Associação Falun Dafa no Brasil – e nada mais se fala sobre a tal associação. Afinal, de que se trata?
Mais conhecido no Ocidente como Falun Gong, essa seita foi fundada na China, em 1992, por Li Hongzhi. Havia uma onda de organizações religiosas de inspiração budista, e a Falun Gong propunha uma prática espiritual baseada em três princípios – Zhen Shan Ren (verdade, compaixão e tolerância).
Em poucos anos, a seita passou a afrontar abertamente o governo chinês, ao propor uma série de desobediências e reivindicar autonomia do Estado. Em 1999, a Falun Gong foi banida do país. Seus principais membros – incluindo Li Hongzhi – partiram para os Estados Unidos, onde foram devidamente acolhidos.
Uma vez na América, a sutileza da seita se desfez, a partir de duas decisões de Li Hongzhi: não aparecer mais em público e se tornar um dos mais ativos críticos do Partido Comunista Chinês (PCC). Suas aparições efetivamente escassearam, enquanto a produção de artigos e livros foi incessante.
Em 2000, a Falun Gong lançou o jornal The Epoch Times, que pôs os ensinamentos religiosos de lado e aderiu ao modo Murdoch de fazer jornalismo. Manchetes sensacionalistas, teorias da conspiração e fake news são, desde sempre, as marcas da publicação – ao lado, claro, da campanha anticomunista.
A Shen Yun nasceu seis anos depois, em 2006, mas tinha o mesmo propósito: usar um meio – no caso, a dança clássica – para denunciar o governo chinês. Em comum, jornal e companhia de dança pregam exaustivamente a liberdade, o fim da censura, o anticomunismo – mas difundem uma visão ultraconservadora e negacionista do mundo.
Segundo a Los Angeles Magazine, “com o passar dos anos, a Shen Yun e o Epoch Times, organizações formalmente separadas, passaram a atuar em conjunto como parte da contínua campanha de relações públicas do Falun Gong contra o governo chinês, seguindo as orientações de Li”. Assim, a Falun Gong – que recrutava seguidores interessados na purgação espiritual – passou a mobilizar uma rede de extremistas.
É gente que nega o evolucionismo, as vacinas e a própria ciência, mas “acusa” os extraterrestres de terem um plano de dominação da Terra. Supostos porta-vozes da igualdade, tratam a homossexualidade e a miscigenação como desvios a serem erradicados. Apoiadores de primeira hora da aventura política de Donald Trump, cederam as páginas do Epoch Times para difundir desinformação contra os principais rivais do ex-presidente – Hillary Clinyon (em 2016) e Joe Biden (em 2020).
Não é por acaso que um dos grandes parceiros de Li Hongzhi é Steve Bannon, ideólogo da extrema-direita internacional e ex-estrategista da Casa Branca. Quando Bannon recriou a Comissão sobre o Perigo Presente, para “deter o comunismo”, a Falun Gong estava presente. Recentemente, a produtora de Bannon lançou um filme de ficção, subvencionado pela seita, com o objetivo de atacar o regime comunista.
Como nenhuma dessas informações é secreta ou questionável, cabe a pergunta: com quais interesses o Bradesco abriga em seu teatro um evento reacionário, que hostiliza o principal parceiro comercial do País e ainda leva aos palcos a polarização ideológica? Os ingressos estão à venda a preços absurdamente altos – de R$ 468 a R$ 1.050 –, acessíveis apenas às classes mais altas. A Falun Gong, com a mãozinha do Bradesco, quer ganhar a mente das elites brasileiras em sua cruzada contra a China e o comunismo.