Decretos do Governo retomam protagonismo dos catadores na reciclagem

“O que estamos fazendo é repor aquilo que estava no lugar e foi tirado”, diz Lula em ato com catadores, ao restaurar seu protagonismo na Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Brasília (DF), 13/02/2023 - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante cerimônia de assinatura de decretos recriando o Programa Pró-Catador de materiais recicláveis. © Marcelo Camargo/Agência Brasi

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou hoje (13) decreto que institui o Programa Diogo Sant’ana Pró-Catadoras e Catadores para a Reciclagem Popular, que extingue o Recicla+ do governo Bolsonaro. Esta é uma política simbólica para Lula, que todo ano faz o Natal com os Catadores, desde seu primeiro ano de governo.

O objetivo é colocar novamente os catadores como atores centrais na cadeia de reaproveitamento de materiais recicláveis e reutilizáveis no Brasil e realizar uma mudança no modelo atual de economia circular e logística reversa do país. A proposta de Bolsonaro excluía os catadores, que o chamam de Recicla Menos, e transferia a operação para o setor privado. Durante o Natal de Lula com os Catadores, em dezembro passado, o Portal Vermelho ouviu vários representantes de cooperativas que reclamavam da prática de incineração pelas empresas, como algo que “queima dinheiro ao tirar o sustento de milhares de famílias”.

“O que estamos fazendo é apenas repor aquilo que já estava no lugar e que foi tirado. E tentar, a partir de hoje, que vocês tenham consciência de que precisam sempre cobrar o governo. (…) Eu sou daqueles que acreditam que o governo só faz as coisas se as pessoas cobrarem, se as pessoas estiverem no calcanhar do governo cobrando”, apontou.

Conforme tradição, Lula disse que participará, no final do ano, do Natal dos Catadores, pediu uma nova pauta de reivindicações para ser entregue na data.

“É preciso que vocês se organizem mais. Vocês sabem que no fim do ano a gente vai se encontrar outra vez. Preparem uma nova pauta de reivindicação porque, cada vez que vocês reivindicarem, a gente vai aceitando a reivindicação e transformando em decreto e lei. Queremos transformar definitivamente todas as categorias de catadores e catadores de materiais recicláveis em cidadãos de primeira classe.”

Lula também fez uma critica velada ao governo anterior, ao dizer que os catadores sabem que não é em qualquer governo que conseguem entrar no Palácio do Planalto. “A entrada de vocês aqui significa de uma vez por todas que o povo brasileiro está participando da reconstrução desse país, porque ele foi desmontado em coisas que diziam direito a vocês e à população.”

Vários representantes dos catadores saudaram o compromisso do governo com os decretos. Foi o caso do presidente da Associação Nacional de Catadores e Catadoras, Roberto Laureano da Rocha e a presidenta da Cooperativa de Catadores da Vila Emater (Maceió), Ivanilda da Conceição Gomes. “Passamos quatro anos sendo reprimidos, sendo massacrados pelo governo que aqui estava”, disse Ivanilda, falando da importância de estar presente no Palácio com suas demandas.

Requalificar a reciclagem

Lula assinou também decreto que revê conceitos da logística reversa e institui três novos instrumentos: o Certificado de Crédito de Reciclagem; o Certificado de Estruturação e Reciclagem de Embalagens em Geral; e o Crédito de Massa Futura.

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, destacou que os catadores fazem a parte mais importante e mais difícil do gerenciamento de resíduos, “coletando materiais nas ruas, em pontos de coletas seletivas e até mesmo em circunstâncias bastante penosas e inaceitáveis, como é o caso dos lixões”. Nos países onde o papel do catador não existe, a tendência é a incineração dos resíduos sólidos, exigindo mais matéria prima nova para a indústria, enquanto os catadores contribuem para que o material utilizado na indústria seja reutilizado, em vez de destruído.

Por outro lado, a ministra afirmou que o governo anterior teve uma “atitude perversa” com os catadores de recicláveis. Ela também defendeu melhorias nas condições de trabalho da categoria, sinalizando para a intenção de extinguir os lixões: “Precisamos colocar um basta definitivo nessa prática aviltante”. 

“Graças ao trabalho deles é possível que grande parte dos resíduos retornem ao ciclo produtivo como matéria-prima, diminuindo a emissão de gases e evitando que sejam depositados em lixões, contaminando o solo, a água e causando doenças”, disse a ministra. “Ao mesmo tempo, fazer apoio a esse segmento da sociedade é um benefício social, ambiental e compromisso ético e politico de cuidar do meio ambiente ao mesmo tempo em que se cuida das pessoas”, completou.

Segundo Marina, os dois decretos trazem instrumentos que possibilitarão aos catadores receber um adicional à renda. “E que esse pagamento possa ser feito de forma a que o catador não tenha que ficar dependendo apenas daquele que vai comprar o seu material, porque antecipadamente ele já tem esse direito como se fosse espécie de crédito pelo trabalho que presta”, explicou.

A ministra destacou ainda que dar protagonismo à classe dos catadores é uma forma de combater o racismo ambiental. “A maior parte das pessoas que trabalham com materiais recicláveis são pessoas pretas, sobretudo mulheres chefes de famílias, que são obrigadas a buscar essa alternativa para poder sobreviver”, disse. “Por isso, quando se faz políticas públicas que restauram a dignidade, que os tratam como profissionais, que os remuneram para além dos materiais que são coletados mas pelo trabalho que prestam de serviços ambientais à comunidade, é uma forma de combate o racismo ambiental”, ressaltou.

Papel das empresas

Os decretos foram elaborados por um grupo técnico de trabalho coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência da República. O grupo contou, ao longo de 12 reuniões, com a participação de representantes das cooperativas de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis e do setor empresarial que atua na política de logística reversa, além de membros convidados de oito órgãos governamentais.

Para o ministro da Secretaria-Geral, Marcio Macêdo, os catadores realizam um serviço de utilidade pública de preservação ambiental e não podem estar no mesmo patamar que empresas e cooperativas de catadores na cadeia da logística reversa, que tem tecnologia para processar os materiais. Ainda assim, segundo ele, é preciso “reconhecer o papel das empresas na medida correta da sua contribuição, da importância da reciclagem para alavancar a economia”.

“O novo decreto reconhece o papel das empresas, recoloca os atores centrais do processo de reciclagem no seu devido lugar, ajusta os mecanismos da logística reversa para que catadores, individualmente ou em cooperativas, possam continuar exercendo sua profissão com dignidade”, disse.

Para ele, o governo anterior “desvirtuou” essas políticas com o Decreto 11.044, do ano passado. Agora, segundo o secretário-geral, o novo programa – resultado de 12 reuniões interministeriais – continua reconhecendo o papel das empresas, mas “recoloca os catadores como agentes centrais” do processo.

Segundo Macêdo, as instituições financeiras – BNDES, Caixa e Banco do Brasil – se colocaram à disposição para criarem medidas indutoras e linhas de financiamento para execução dos projetos do Programa Pró-Catador para reciclagem popular, para dar iguais condições de se tornarem empreendedores nas mesmas condições que a indústria. Entre os projetos, ele citou construção e ampliação de unidades de recuperação de recicláveis, aquisição de equipamentos e de veículos para coleta e transporte de materiais.

“É fundamental ter apoio financeiro de implementação de projetos de coleta e reciclagem, contemplando intervenções que visam contribuir para aumentar postos de trabalho e capacidade de beneficiamento dos resíduos passíveis de reciclagem, bem como melhorar as condições de trabalho e renda dos catadores”, disse Macêdo.

Os decretos também instituem o Comitê Interministerial para Inclusão Socioeconômica das Catadoras e dos Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis. Os trabalhos serão coordenados pela Secretaria-Geral.

Homenagem

O Programa Pró-Catador criado em 2010, foi rebatizado a pedido dos catadores, com o nome de Diogo Sant’ana, em homenagem ao advogado e professor que, em 2010, foi responsável pelo programa no âmbito da Secretaria-Geral da Presidência. Ele faleceu em 31 de dezembro de 2020 aos 41 anos de idade num acidente.

“Pessoas que têm um coração do tamanho do que o Diogo tinha não morrem nunca”, disse Lula durante seu breve discurso.