Entidades discutem desafios no TI Yanomami
Cufa, Frente Nacional Antirracista e Unegro Brasil levam diagnóstico com o que viram a ministros em Brasília, após o trabalho em campo com os indígenas em RR
Publicado 05/02/2023 08:55 | Editado 07/02/2023 17:13
Sete dias depois de acompanhar de perto a situação dos yanomamis em Roraima, lideranças da Cufa – Central Única das Favelas, da Frente Nacional Antirracista e da Unegro – União de Negros e Negras pela Igualdade se reuniram nesta semana com ministros em Brasília. O objetivo era apresentar um documento com diagnósticos e propostas para enfrentar a tragédia humanitária.
O diagnóstico apresentou detalhes sobre o quadro de extrema vulnerabilidade entre os yanomamis e outros grupos étnicos e sugestões para embasar políticas públicas na região. O relatório com vídeos e fotos das visitas às aldeias aponta para uma grave crise alimentar, de saúde e de acesso à água limpa. Um dos vetores mais graves da situação é o garimpo ilegal, que degradou as relações internas entre as tribos e os jovens indígenas, tornou o ambiente mais violento, além de contaminar águas e terras e dificultar a agricultura, a caça e a pesça.
570 crianças yanomami morreram de fome nos últimos quatro anos e centenas de yanomami idosos e crianças estão em situação de desnutrição aguda. Esse número pode ser bem maior já que os órgãos que deveriam monitorar a situação foram completamente desestruturados pelo governo Bolsonaro e o governo estadual.
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Simbolismo da união da favela com os povos originários
O presidente da Unegro, Edson França, destacou a importância simbólica única da ação de solidariedade das entidades em diálogo com os governos. De acordo com ele, CUFA e FNA simbolizam “a força da sociedade civil na construção de um país solidário, diante de tanto ódio que ocupa os noticiários políticos”.
“A campanha ‘A favela com os ianomâmis’ guarda importante simbolismo: a união/comunhão negra, indígena e popular em torno de uma pauta comum – a vida”, afirmou. Também demonstrou orgulho por ter feito parte da iniciativa e destacou o trabalho de Celso Atayde, Preto Zezé, Kalyne Lima e Marcio Lima. Ele divulgou nota saudando o esforço das entidades no enfrentamento da emergência sanitária.
“Alimentação, água e saúde compõe o tripé mais sensível da crise humanitária que ceifa vidas ianomâmi”, afirmou. O dirigente antirracista explicou que a campanha “A Favela com os Ianomâmis”, se comprometeu em levar alimentação, considerando a especificidade da dieta alimentar dos povos ianomâmis e cestas básicas às aldeias adaptadas a nossa cultura alimentar; garantir acesso a uma tecnologia de purificação de água, de fácil manuseio; e construir dois postos de saúde num prazo de 90 dias, a contar de 01 de março de 2023.
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França destacou a importância de envolver a sociedade civil para superar os obstáculos burocráticos da gestão governamental. “Chamamos empresários, trabalhadores, toda gente do povo a somar fileiras na campanha, pois além dos yanomamis, presenciamos outra grave crise com a imigração venezuelana, que ameaça colapsar Boa Vista”, diz, apontando a complexidade do drama local.
Kalyne Lima, copresidenta da Cufa, disse que a entidade ia usar toda a sua capilaridade e capacidade de mobilização, como já fez em outras campanhas para ajudar ao máximo possível. Ela se refere ao período da pandemia, em que favelas foram duramente atingidas pelo desemprego e a fome e foram atendidas pelos projetos “Mãe de Favela” e “Panela Cheia Salva”. A Cufa e a FNA também estiveram envolvidas nas campanhas “SOS Bahia” e “SOS Petrópolis”, em razão das catástrofes naturais provocadas pelas chuvas em 2022, onde milhares de pessoas ficaram desabrigadas ou foram gravemente atingidas. “Não podemos ter informação do que está acontecendo com os yanomami e ficar de braços cruzados”, disse.
Anna Karla Pereira, coordenadora da FNA, também expressou a necessidade de se unir ao esforço. “A nossa luta é por todos os povos. Não podemos ver o sofrimento desses irmãos indígenas, tão importantes para a construção da nossa sociedade, e não fazermos nada”, afirmou.
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Preto Zezé, presidente nacional da Cufa e membro da comitiva, explicou à Folha de S. Paulo, que as imagens da TV não expressam a complexidade e o desafio que a situação local representa. “Na prática, vemos dificuldades de acesso, dinâmicas internas de cada grupo, tensões e limites do território e a alimentação específica dos indígenas.”
Ação coordenada
Em suas ações emergenciais, a Cufa instalou quatro galpões para recepção de doações de cestas, sendo um específico para alimentação tradicional indígena. Mais de 60 toneladas de alimentos foram entregues.
Em diálogo com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a Cufa e a Frente Nacional Antirracista vão reformar o polo de saúde de Surucucu, uma das regiões mais impactadas. A campanha “Favelas com Yanomamis” já arrecadou R$ 1 milhão dos R$ 3 milhões pretendidos para iniciar as obras em 1º de março.
Em parceria com a startup Água Camelo, a Cufa tem distribuído kits para filtragem de água em comunidades ribeirinhas e em postos da Funai. E também atacou outras urgências, como a doação de chinelos para evitar contato de crianças com água contaminada e de redes e máquina de lavar roupas para espaços de saúde.
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“Vimos profissionais de saúde levando roupas de cama dos hospitais para lavar em casa”, conta Preto Zezé.
Outra demanda apresentada foi a necessidade da implantação de escolas indígenas que, segundo as instituições, foi abraçada pelo ministro Camilo Santana.
Diálogo com o Governo Lula
Edson França explicou a importância do diálogo entre a sociedade civil e o governo. “Essa iniciativa dá o mais profundo sentido ao objetivo dos compromissos da campanha: não fazer o papel do Estado, mas, também, não assistir sentados a morte dos ianomâmis presos ao abandono”, declarou.
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Dentre os gestores públicos com quem se reuniram, também foram recebidos por Ricardo Weibe Tapeba, secretário de Saúde Indígena (Sesai), e Lilian Rahal, secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Para Weibe Tapeba, o documento apresentado pelo grupo ajuda a ‘descortinar’ a situação dos yanomamis. “A sociedade civil organizada tem exercido papel fundamental nessa crise e ajudou a gerar comoção internacional.”
Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome salientou as dificuldades naturais do governo com demandas urgentes fora do padrão. “Mesmo tendo dinheiro, o poder público tem uma burocracia a vencer como, por exemplo, para adquirir redes ou chinelos, e é importante trabalharmos de forma integrada com entidades”, afirma .
A comitiva dialogou com Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Camilo Santana (Educação), Marina Silva (Meio Ambiente), Nisia Trindade (Saúde), Silvio Almeida (Direitos Humanos), Simone Tebet (Planejamento), Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social).