Qual o preço do desmatamento ilegal na Chapada do Araripe?

Sem uma fiscalização coerente e prestes a se tornar um Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade, a Chapada do Araripe encontra-se cada vez mais suscetível e as denúncias contra as atividades de desmatamento não param de crescer.

Foto: Augusto Pessoa

Nos últimos 3 anos, o governo Bolsonaro trouxe à tona discursos que envolviam a permissibilidade de invasão às terras indígenas, o incentivo de atividades de garimpo em áreas protegidas, a derrubada de vegetação nativa e uma lista gigantesca de crimes ambientais. Nunca se discutiu tanto sobre o meio ambiente. O foco se manteve na Amazônia, especialmente em questões como o desmatamento ilegal, mas ações como essa acabaram se estendendo por todo o país.

Com o mundo cada vez mais suscetível às mudanças climáticas, o desmatamento é um dos principais fatores que contribuem com a emissão de gases de efeito estufa, majoritariamente quando associados às atividades agropecuárias que envolvem o cultivo de monoculturas, que não só prejudicam o solo e os lençóis freáticos, mas causam danos a curto e longo prazo com o uso de agrotóxicos.

Entre novembro de 2018 e dezembro de 2021, o sistema de monitoramento do MapBiomas apontou uma drástica mudança no cenário do bioma da Caatinga. Com 15.320 alertas de desmatamento, a área já perdeu 191.657,7 hectares, o que representa uma velocidade de 168,1 hectares por dia.

Chapada do Araripe

A surpresa, ou talvez nem tanto, se encontra na velocidade da destruição da Área de Proteção Ambiental (APA) da Chapada do Araripe. Integrando mais de 30 municípios nos estados do Piauí, Ceará e Pernambuco, a APA totaliza uma área de 972.605,18 hectares e foi oficializada como Unidade de Conservação Federal (UC) em 4 de agosto de 1997.

O título, porém, não impede que o desenvolvimento econômico do local aconteça, desde que seja feito de forma sustentável, preservando o meio ambiente, gerando renda e mantendo a cultura local.

Em um intervalo de 3 anos, 3.950,7 hectares da área foram desmatados e 93,17% dessas ações aconteceram sem autorização legal. O que compromete diretamente a preservação do meio ambiente e pode causar danos irreversíveis.

Desde 2010, as políticas de proteção dessa área vêm sendo enfraquecidas, especialmente no lado do Ceará. Após seis anos de tentativas, uma ação que envolvia governo, estado e municípios, fechou a única unidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) do Cariri, localizada em Crato. Na época, somente um servidor trabalhava no local e o departamento acabou sendo transferido para o município de Iguatu.

Sem uma fiscalização coerente e prestes a se tornar um Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade, a Chapada do Araripe encontra-se cada vez mais suscetível e as denúncias contra as atividades de desmatamento não param de crescer.

Impactos

Seja para construção de residências, empreendimentos ou para o agronegócio, o desmatamento ilegal tem que ser extinto. O primeiro impacto visível encontra-se no solo. Quando a vegetação nativa, composta de árvores seculares é derrubada, uma medida de compensação ambiental, se o desmatamento acontecer de forma legal, nunca terá o mesmo peso que a floresta anterior.

O desmatamento faz com que animais silvestres fujam do seu habitat natural e acabem em zonas rurais povoadas, ou sejam vítimas de atropelamento nas estradas. Somente em março de 2022, o Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE) resgatou 858 animais silvestres, número superior ao mesmo período de 2021, com 553. O balanço anual de 2021 dobrou em relação a 2019, saindo de 3.919 para 6.252 resgates.

A implantação de monoculturas altera o regime tradicional de uso e ocupação do território, além de causarem o assoreamento de recursos hídricos. Esse tipo de atividade requer o uso do agrotóxico, que torna ainda pior a situação.

Desde 2018, mais de 1.560 novos agrotóxicos foram liberados no Brasil, incluindo produtos proibidos em outros países. O uso indiscriminado desse componente provoca a contaminação do solo, lençóis freáticos, desequilíbrio na biodiversidade, além de ser um dos produtos com maior associação ao desenvolvimento de câncer, como apontam os dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca).

Além da perda irreparável de biodiversidade, as comunidades que vivem da agricultura familiar, assim como da produção de mel, são diretamente afetadas, seja de forma social ou econômica. As soluções são inúmeras, que vão desde o sistema de agrofloresta à recuperação de solos, mas sem a fiscalização e com o mantimento da impunidade, o território da Chapada do Araripe vai se tornar cada vez mais vulnerável às consequências das mudanças climáticas.

*Jornalista formada pela UFCA

Repórter e Colunista de Meio Ambiente no Site Miséria

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