Copa reaviva memória da luta antirracista

Abertura será neste domingo, Dia da Consciência Negra. Legislação ainda é insuficiente para coibir o racismo no futebol e em outros esportes.

Foto: Lucas Figueiredo/ CBF

Ao longo da história, grandes nomes da Seleção Brasileira, como Pelé, Mané Garrincha, Leônidas da Silva, Didi, Djalma Santos, Carlos Alberto Torres e Jairzinho fizeram história e, com genialidade incontestável, enfrentaram a discriminação racial. A representação do Brasil sempre chamou a atenção do mundo por ser fortemente marcada pela diversidade étnica e pela notável habilidade de seus jogadores, muitos deles negros. Mas nem mesmo Pelé, o Rei do Futebol, por fim considerado o “Atleta do Século”, ficou imune ao racismo, fosse escancarado ou velado. 

Na recém-convocada Seleção Brasileira para a Copa do Catar, vários jogadores já se depararam com falas e atos dessa natureza. Na atual lista de convocados, além de Vinícius Jr. e Richarlison, nomes consagrados como Daniel Alves e Neymar estão entre os que já passaram por algum tipo de discriminação ou de injúria racial, muitas vezes durante as partidas.

Como iniciativa para coibir essa prática, no Senado a expectativa é de que seja votado em breve o projeto da Lei Geral do Esporte (PL 1.153/2019), que estabelece punições mais severas ao crime de racismo no esporte.

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Ofensas

Para o ex-ministro da Igualdade Racial e ex-presidente da Fundação Cultural Palmares, e ligado ao mundo do futebol, Eloi Ferreira de Araújo, “racismo é tudo igual”, seja no Brasil, seja em qualquer outro lugar do mundo:

“É discriminação, é intolerância, é desumanidade, falta de civilismo e civilidade. O racismo é tudo igual, desde um joelho no pescoço, até quando se joga uma banana para o jogador de futebol ou quando se remunera menos um negro ou uma negra que esteja ocupando posto em igualdade, responsabilidade e competências com um não-negro”.

O tema tem sido caro ao atual presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Orlando Silva (PCdoB-SP), que também foi ministro do Esporte do governo Lula. Ele tem denunciado a prática, inclusive entre locutores esportivos que justificam não haver maldade em expressões racistas comuns ditas em veículos de comunicação.

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Para Orlando, usar termos racistas como crioulinho, como fez recentemente o narrador Haroldo de Souza, da Rádio Grenal, durante o jogo entre Santos e Grêmio, válido pelo Campeonato Brasileiro, referindo-se ao atacante do Santos Lucas Braga. “Notem que não é ‘ato falho’ ou ‘na boa’, como diz o narrador racista. Ele insiste na conduta criminosa, talvez confiante na impunidade. Racismo é crime!”, afirmou Orlando Silva (veja Orlando discutindo o assunto, abaixo).

 
 
 
 
 
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Dados do Observatório da Discriminação Racial no Futebol apontam 64 denúncias em 2021. Desde 2014, início da série história, houve 399 registros, de acordo com o senador Paulo Paim (PT-RS), autor do Estatuto da Igualdade Racial, sancionado em 2010 pelo então presidente Lula.

Paim diz esperar que, durante a Copa do Mundo, a Federação Internacional de Futebol (Fifa) promova ações de combate ao racismo.

Para o senador Romário (PL-RJ), ex-craque da Seleção Brasileira, observa que o racismo no futebol existe porque reflete a mesma prática da sociedade. Para ele, o aumento de denúncias só tem ocorrido porque a discussão na sociedade aumentou.

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Punição

Em maio deste ano, a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) anunciou o lançamento da campanha Basta! — Chega de racismo no futebol, após recorrentes atos de discriminação racial na Libertadores e na Sul-Americana.

“A Conmebol considera absolutamente inaceitável qualquer manifestação de racismo e outras formas de violência nos seus torneios. A conscientização, destinada a jogadores, árbitros e torcedores de futebol, será visível por meio de todos os meios de comunicação disponíveis como uma campanha permanente”, dizia o anúncio da campanha.

À época houve alteração do Código Disciplinar, com mudanças no valor das multas aplicadas aos clubes, passando de US$ 30 mil para US$ 100 mil.  Também ficou a cargo do órgão judicial competente impor a sanção de disputar um ou mais jogos com portões fechados ou o bloqueio parcial do estádio.

Ao comentar as alterações da Conmebol, Girão disse ser preciso fazer mais.

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“Na minha visão, isso ainda é pouco. Além de multas, [deve acontecer] a perda do mando de campo, assim como a identificação dos torcedores racistas, que devem no mínimo ser impedidos de frequentar os estádios onde quer que seja”, afirmou.

O projeto da Lei Geral do Esporte (PL 1.153/2019), do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), foi aprovado em junho no Senado com medidas de enfrentamento ao racismo e à discriminação nos estádios de futebol e em outras modalidades esportivas. A matéria foi remetida à Câmara, onde sofreu alterações. Agora, os senadores precisam fazer nova análise do texto, que altera a Lei Pelé e no qual foram apensados novos projetos que tramitavam no Senado, entre eles o PLS 68/2017.

Elói Araújo lembra que o Estatuto da Igualdade Racial, em vigência desde 2010, tem sido também um importante instrumento nessa luta, apesar de ainda precisar de regulamentação.

“Estão listados ali conteúdos muito ricos para construir um ambiente de igualdade. Mas é preciso que também haja novas legislações derivadas do Estatuto, bem como regulamentações próprias que a lei precisa ter para que o direito formal ganhe em concretude, ganhe materialidade”.

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Após participar de seminário sobre as melhores práticas internacionais de prevenção e combate ao racismo e a qualquer tipo de violência no futebol, promovido pela Confederação Brasileira do Futebol (CBF), no Rio de Janeiro em agosto deste ano, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, afirmou que o aumento das penalidades aplicadas a crimes de racismo no esporte não é suficiente. 

“A solução para os crimes de injúria racial praticados no esporte virá quando o indivíduo passar a receber, além da repressão do Estado, de natureza penal e civil, uma repressão oriunda da própria sociedade. Que aqueles ao redor dessa pessoa gerem um constrangimento em torno dessa conduta. É uma maximização que se alcançará ao longo do tempo, por meio de educação e disciplina, e que precisa ter um comprometimento social mais amplo”, disse o presidente do Senado. 

O ex-ministro Elói de Araújo concorda que é preciso trabalhar uma perspectiva, desde a juventude, para construir valores de igualdade, de oportunidade em todos os ambientes. “Porque elas não nascem odiando, elas aprendem a odiar. (…) Se todos se respeitarem, qualquer outra forma de intolerância ou discriminação não terá chance de prosperar”.

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Autoridade nacional 

Entre as propostas do PL 1.153/2019 está a instituição da Autoridade Nacional para Prevenção e Combate à Violência e à Discriminação no Esporte (Anesporte), que deverá formular e executar políticas públicas de combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância no esporte.

Caberá à Anesporte aplicar sanções a pessoas, associações, clubes ou empresas que praticarem intolerância no esporte, com multas que variam de R$ 500 a R$ 2 milhões. Os estados poderão criar juizados do torcedor, com competência cível e criminal, destinados a julgar causas relacionadas à discriminação no esporte.

O PL também estipula que nos crimes contra a paz no esporte, as penalidades previstas serão aplicadas em dobro quando se tratar de casos de racismo no esporte brasileiro.

Estabelece ainda a proibição de portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, ou entoar cânticos que atentem contra a dignidade da pessoa humana, especialmente de caráter racista, homofóbico, sexista ou xenófobo.

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Da mesma forma, nos crimes de torcida, a prática ou incitação à violência, com práticas e condutas discriminatórias, racistas, poderá custar a seus associados ou membros a proibição de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até cinco anos.

A Seleção Brasileira tricampeã na Copa do México, em 1970. Brasil sempre se destacou pelo talento e pela diversidade étnica. Crédito: Reprodução
Mané Garrincha foi um dos maiores ícones da história do futebol e grande responsável pela conquista em 1962. Foto: Reprodução
Leônidas da Silva, o Diamante Negro, inventor da bicicleta, foi o artilheiro da Copa de 1938. Foto: Reprodução
Leônidas da Silva atuou entre 1929 e 1950, tendo jogado em clubes como Flamengo, Vasco da Gama, Botafogo e São Paulo. Foto: Gerência de Memória e Acervo CBF
Copa de 1958: Djalma Santos, Pelé e Garrincha comemorarem a vitória de 5×2 sobre a Suécia. Além do título, o Brasil mostrou ao mundo o jovem atacante Pelé. Crédito: Reprodução
Valdir Pereira, o Didi, inventor do chute “folha seca”, foi campeão mundial pela Seleção Brasileira, nas Copas da Suécia (1958) e do Chile (1962). Crédito: Acervo CBFFonte: Agência Senado
29.06.1958 Seleção brasileira de futebol após o jogo Brasil 5 x 2 Suécia, quando o Brasil ganhou pela primeira vez o título de campeão da Copa do Mundo de Futebol da Fifa. Foto: Acervo CBF
Garrincha e Pelé, dois gênios do futebol brasileiro, na Copa de 1962. Foto: Acervo CBF
Pelé, o Rei do Futebol, comemora gol com seu gesto icônico, durante a Copa do Mundo de 1970. Crédito: Acervo CBF
Pelé é erguido por Jairzinho, o Furacão da Copa, na conquista do tricampeonato, no México, em 1970. Crédito: Acervo CBF
Pelé e sua consagração definitiva, na lendária seleção de 1970, tricampeã mundial. Crédito: Acervo CBF

Com informações e imagens da Agência Senado

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