Enem sobrevive a Bolsonaro, mas tem segundo menor número de inscritos 

Prova reflete ataques à educação e ao mesmo tempo mostra a resistência ao desmonte e à interferência de Bolsonaro

Candidatos comparecem a local de prova para a primeira etapa do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2022. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Refletindo o desmonte e o descaso do governo de Jair Bolsonaro (PL) na área da educação, o Enem realizou sua primeira prova de 2022 neste domingo (13) com o segundo menor número de inscritos e queda no orçamento. Por outro lado, a prova também teve caráter de resistência ao abordar questões sensíveis ao atual governo — como o Estado democrático de direito, a Amazônia e o machismo, bem como os desafios da valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil, tema da redação. 

Nesta edição, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), porta de entrada de milhões de jovens às universidades, teve o segundo mais baixo índice de inscritos, 3,4 milhões, desde 2005, atrás apenas de 2021. E a abstenção nos dois últimos anos foi de 26,7% em 2022 e 29,9% no ano passado. No próximo domingo (20), acontece a segunda prova, voltada para as áreas de matemática e ciências da natureza. 

Em 2021, quando o Brasil ainda enfrentava altos índices de contaminação e morte pela Covid-19 e baixa cobertura vacinal sobretudo entre os jovens, o Ministério da Educação (MEC) resolveu suspender a gratuidade das inscrições aos estudantes que haviam faltado à edição do ano anterior, auge da pandemia.  Com isso, a participação de jovens de menor renda, sobretudo negros e indígenas, sofreu forte queda. Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a medida foi derrubada, e as inscrições foram reabertas dois meses antes da realização das provas. 

Vale destacar ainda que em relação a 2021, o exame deste ano contou com R$ 81,2 milhões a menos, segundo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), responsável pela aplicação da prova e vinculado ao MEC. 

Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo no final de outubro, Pedro Arantes, Saoraya Smaili e Maria Angélica Minhoto, professores e integrantes do Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência, o Sou_Ciência, falaram sobre a atuação do governo Bolsonaro no que diz respeito ao exame. “Presenciamos tentativas de ingerência na elaboração das questões do Enem, para que tivessem alinhamento ideológico com o governo; atrasos nas datas de realização do exame durante a pandemia; a redução de número de estudantes se candidatando – em 2016, o ENEM contou com 8,6 milhões participantes e, em 2020, esse número caiu para 5,7 milhões, uma redução de 33%; e diversas manifestações do presidente e ministros contra a política de cotas e afirmações de que a Educação Superior deveria ser para poucos”, escreveram. 

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Resistência

Resistindo a ataques como esses do atual governo, o corpo técnico de servidores do Enem segue procurando fazer seu trabalho,  colocando em pauta, na medida do possível, questões importantes do debate nacional para a avaliação dos estudantes, apesar das tentativas de interferência e da visão autoritária e antidemocrática emanada por Bolsonaro. 

Se por um lado, pelo terceiro ano consecutivo, o Enem não teve questões relativas a um dos momentos mais sombrios da história nacional, a ditadura de 1964, por outro perguntou o que seria considerado uma afronta ao Estado de direito. Na questão, a resposta certa foi o ato de não reconhecer o resultado das eleições, que vai no alvo das reações de Bolsonaro e seus seguidores ao resultado do pleito deste ano.  

O exame contou ainda com análise de trechos da obra da escritora negra e periférica Carolina Maria de Jesus, autora de “Quarto de Despejo”, e questões relacionadas à desigualdade de gênero, configurando uma prova com diversos aspectos sociais da atualidade. Também teve perguntas relacionadas à campeã mundial de skate, Rayssa Leal, e ao músico Chico Science, um dos criadores do manguebeat. 

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Seguindo essa mesma toada social, o tema da redação foi os desafios da valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil. Na avaliação do professor Patryk Galvan, do cursinho preparatório “Me Salva!”, feita ao jornal Zero Hora, de Porto Alegre, o assunto foi pertinente. “É para abrirmos os olhos, já que são povos importantes, formadores da nossa identidade”.

Nota da Assinep (Associação de Servidores do Inep), assinada por seu presidente Alexandre Retamal e divulgada após a realização da prova, parabeniza os servidores do Inep, manifestando “especial gratidão a todos que continuam acreditando em nós e no trabalho que estamos fazendo com dedicação para realizar mais um Enem dentro da normalidade. É como temos dito: ‘só queremos poder fazer o nosso trabalho’”.