Chile trava batalha histórica pela redução da jornada de trabalho
Em tramitação desde 2017, o “Projeto 40 Horas” já foi aprovado na Câmara dos Deputados chilena, mas estava parado no Senado.
Publicado 14/11/2022 14:44 | Editado 16/11/2022 20:36
Mal deu tempo de secar as lágrimas. Passada a derrota no plebiscito pela nova Constituição, o Chile trava outra batalha histórica. Sob a liderança do Ministério do Trabalho e Previdência Social, o governo Gabriel Boric trabalha para aprovar no Congresso a redução da jornada de trabalho – de 45 para 40 horas semanais.
Em tramitação desde 2017, o “Projeto 40 Horas” já foi aprovado na Câmara dos Deputados chilena, mas estava parado no Senado. Desde a posse de Boric na Presidência da República, em março, a ordem é aprimorar a proposta e viabilizar sua aprovação.
Em entrevista exclusiva ao Vermelho, Giorgio Boccardo, subsecretário do Trabalho, explica que a mudança na jornada será “paulatina”, para não provocar “efeitos no emprego e na economia”. Embora o governo não tenha maioria no Congresso, este sociólogo e professor universitário, de 40 anos, acredita que a lei, uma vez aprovada, pode entrar em vigor no começo de 2023. A seu ver, com a pandemia de Covid-19, a resistência empresarial às 40 horas semanais diminuiu.
Recém-filiado ao Comunes, Boccardo é uma espécie de “número 2” do Trabalho – a pasta é encabeçada pela ministra Jeannette Jara, do Partido Comunista do Chile (PCCh). Em maio, o ministério esteve à frente de um dos primeiros anúncios de impacto do novo governo – o reajuste do salário mínimo em 14,3%.
A proposta de mudar a Constituição do país previa diversos avanços para os trabalhadores: a regulamentação do direito à sindicalização, à negociação coletiva e à greve, a unicidade sindical, o reconhecimento do trabalho doméstico e do trabalho de cuidado, a criação de um sistema público de seguridade social, entre outros marcos.
Porém, no plebiscito de 4 de setembro, houve uma ampla vitória do “rechazo” (“rejeito”) sobre o “apruebo” (“aprovo”) – a nova Carta Magna foi barrada por 62% a 38%. Com o “Projeto 40 Horas”, o presidente espera virar a página e marcar em definitivo a vida dos trabalhadores.
Confira abaixo trechos da entrevista de Boccardo, concedida na região chilena de Algarrobo, na quarta-feira (9), durante o 9º Conselho Nacional de Organizações (Conao 2022) da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Chile (CAT).
Vermelho: Quais lições o governo tirou do resultado do plebiscito?
Giorgio Boccardo: O resultado do plebiscito foi de 62% a favor da opção do “rechazo” do texto constitucional. Nós, como governo do presidente Boric, lamentamos muito essa posição, já que o texto ia na linha de fortalecimento dos direitos sociais – da construção de um Estado social e democrático de direito. Mas o resultado saiu de um contexto democrático e, portanto, o governo o respeita.
Agora, no Congresso, estamos discutindo um novo processo constituinte. Após a rejeição majoritária ao texto (que foi a plebiscito), é importante avançar. Nós, do Poder Executivo, estamos na expectativa de que o Congresso defina o mecanismo a partir do qual o Chile possa viabilizar essa nova Constituição. É fundamental que o Chile avance nessa direção.
Precisamos atender às demandas e exigências de soberania e de direitos sociais, com maior seguridade e com todos os aspectos que tenham a ver com trabalho, saúde e renda. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer outros pontos que a sociedade tem demandado sobre uma série de questões.
Vermelho: O “Projeto 40 horas” é uma prioridade do Ministério do Trabalho. Como está essa luta hoje?
GB: É uma demanda de anos que foi levantada pelos sindicatos do Chile e está tramitando há cerca de cinco anos no Congresso. Atualmente, o projeto se encontra no Senado. O que nós fizemos, como governo, foi retomá-lo e estabelecer uma série de indicações.
Queremos uma redução efetiva da jornada de trabalho de 45 para 40 horas, mas reconhecendo as distintas realidades produtivas e os diferentes formatos de jornada que existem no país. Para que essa redução de jornada não tenha efeitos (negativos) no emprego e na economia, foi proposta uma implantação gradual – uma redução paulatina – em cinco anos.
Vermelho: E a resistência empresarial?
GB: Em 2017, quando o projeto começou a tramitar, parecia haver uma rejeição maior (dos empregadores) a uma proposta como esta, que foi puxada pelo movimento sindical. Mas, sobretudo após a pandemia, muitas empresas tiveram de reorganizar o trabalho e passaram a aceitar melhor esse projeto. Esta é a diferença em relação a 2017.
Estamos bem convencidos de que a redução da jornada vai significar uma melhora na qualidade de trabalho e uma oportunidade para que as empresas organizem seus processos produtivos. Esperamos que, no começo do próximo ano, o projeto já seja lei
Vermelho: O Brasil acaba de eleger Lula presidente. Como essa vitória fortalece a luta pela integração latino-americana e por mais ações comuns entre os governos da região?
GB: Para o presidente Boric e para todo o governo, é sempre importante ratificar governos que fortaleçam a democracia, a participação, os direitos sociais, a igualdade e o combate à pobreza. Nesse contexto, a vitória do presidente Lula no Brasil pode contribuir para a maior integração latino-americana. Temos muita esperança. Os países latino-americanos já têm muitos elementos em comum e muitas experiências positivas a partilhar, a exemplo do Chile neste primeiro ano (de governo Boric). Cremos que o diálogo entre Chile e Brasil pode fortalecer não apenas essa integração – mas também fortalecer ambos os países.