Evangélicos lançam nova campanha em defesa da democracia
Conforme a eleição se aproxima e o clima de violência política atinge até igrejas evangélicas.
Publicado 13/09/2022 18:20 | Editado 14/09/2022 13:09
Um policial militar atirou contra um fiel durante briga política em uma Igreja Congregação Cristã no Brasil, em Goiânia, no último dia primeiro. Os disparos ocorreram após discussão a respeito de uma circular sobre as eleições distribuída pela igreja, com orientações de votos. Os reflexos da violência política estimulada pelo bolsonarismo na sociedade chegaram às igrejas e têm gerado reações de diversos setores em defesa da democracia e contra o clima de ódio.
Nesta segunda (12), foi a vez do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic) se manifestar lançando a campanha #SouEvangelico e Acredito na Democracia, em parceria com a revista Zelota. A live de lançamento contou com a participação da reverenda Ana Ester, o reverendo Bob Luiz Botelho, o pastor Eliel Batista, o cantor adventista Leonardo Gonçalves, a líder jovem Luliane Santos e a pastora Odja Barros. O Conic tem como membros a Igreja Presbiteriana Unida (IPU), Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB), Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), Aliança de Batistas do Brasil (ABB).
Uma das grandes preocupações apresentadas no evento foi com a dissociação cada vez mais frequente entre evangélicos e democracia. Muitos se perguntaram que imagem os evangélicos estão projetando na sociedade ao se associar automaticamente aos valores do bolsonarismo.
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Segundo a campanha, “ao contrário do que ocorre hoje, campanhas eleitorais devem viabilizar espaços de diálogo e debates sobre o Brasil que temos e o Brasil que queremos. Deveriam aprofundar as questões estruturais que precisam ser transformadas, para que nossa democracia de 37 anos se consolide, garantindo maior participação e representação, diminuindo privilégios, superando o racismo e garantindo a liberdade religiosa a todas as pessoas, sem exceções”.
Esse desvirtuamento do ambiente democrático tem ocorrido, segundo a campanha, porque as coligações eleitorais mobilizam discursos de pânico moral que impulsionam ódio como estratégia de disputa eleitoral. A luta pelo desarmamento da sociedade civil é mencionada como uma bandeira de combate aos altos índices de violência na sociedade.
A campanha #SouEvangelico e Acredito na Democracia tem como objetivo ser um contraponto aos discursos e frentes fundamentalistas e antidemocráticas, dialogando com o público evangélico e afirmando as afinidades entre fé cristã e democracia.
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As pessoas cristãs foram convidadas a reafirmar a segurança das urnas eletrônicas; o respeito ao resultado das eleições; a importância de votar em grupos sub-representados para que as instituições políticas reflitam melhor a composição da sociedade brasileira; e que a Igreja não seja espaço para campanha político-eleitoral.
Live de lançamento
A reverenda da Igreja da Comunidade Metropolitana, Ana Ester, citou Marilena Chauí, ao defender que a democracia é o único regime que considera o conflito legítimo. Ela considera que a escalada fascista tem alvos concretos e atinge os próprios evangélicos.
Bob Luiz Botelho, dos Evangélicos pela Diversidade, defende que se em vez de proibir “fazer arminha no púlpito”, prefere perguntar por que o crente quer fazer isso. Para ele, é importante desenvolver a autonomia de reflexão para que se assuma a responsabilidade sobre o que faz. Ele acusou uma mudança de mentalidade em que “bandido bom era bandido convertido”, e, agora, se defende a morte até de quem não professa a mesma fé.
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Eliel Batista, da Frente Interreligiosa Dom Paulo Evaristo Arns, disse que o papel na democracia não é impor um estado teocrático com benefício a uns poucos, mas garantir justiça social e direitos para todos.
Leonardo Gonçalves criticou as narrativas de setores que se dizem perseguidos, “quando temos que admitir que são os perseguidores”. Ele criticou a militarização com toques de guerra espiritual para eliminar o inimigo. “Vitória na democracia não significa silenciar o derrotado. Estão fazendo isso em nome de Deus, com uso de símbolos e linguajar que me são caros”. O cantor acrescentou que a bancada evangélica foi formado na luta pelo estado laico contra o estado católico. “Hoje, o estado laico é interesse de minorias”, completou.
A jovem liderança evangélica Luliane Santos relatou como observa as pessoas “mentindo a rodo” na igreja para atacar a candidatura de Lula. Para ela, a imagem do evangélico como alguém da paz que defende a justiça social se perdeu. “Que imagem estamos deixando?” Ela ainda citou que 40% da violência doméstica contra mulheres envolve evangélicas, algo que só aumenta com a liberação do porte de armas.
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A pastora Batista, Odja Barros, disse que acha oloroso ver o evangelho sendo instrumentalizado para práticas de morte. “Eu aprendi a prática democrática dentro da igreja. Minha ‘conversão à democracia’ foi um encantamento pelo estímulo que a igreja dava ao voto, ao poder e à fala de todos. Passei a olhar para fora e ver a importância da democracia”.
Hoje, ela considera que, em tão poucos anos, o ambiente político soa como traição a sua historia e ao evangelho. Ela lembrou que os protestantes plantaram a semente de democracia com Martinho Lutero. Parafraseando o lema da campanha, ela concluiu que acredita na democracia, sobretudo, porque é evangélica.
Ela ainda lamentou como mulheres evangélicas, como a esposa de Bolsonaro, são instrumentalizadas politicamente para defender privilégios de alguns segmentos religiosos. “A pauta de costumes não é cortina de fumaça, mas a própria fogueira. A mulher bela, recatada e do lar não existe, mas aprisiona as outras mulheres e mascara a diversidade feminina”, afirmou.
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O colaborador da revista Zelota, Andre Kanasiro, disse que o papel dos evangélicos não é “abanar o rabo e fingir de morto para ganhar isenção fiscal, mas ajudar quem está vulnerável”.
Marina Silva
Outra vertente importante de apoio evangélico contra o bolsonarismo foi a declaração de apoio formal da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ela reconheceu as discordâncias em relação ao PT, mas defende que o cenário atual de “democracia ou barbárie” pede uma união entre as correntes políticas e ideológicas próximas.
A aproximação traz força para a campanha de Lula em duas frentes: na política ambiental e junto ao eleitorado evangélico. Em relação aos evangélicos, Marina — que professa a fé pentecostal — criticou as mentiras disseminadas contra o petista de que ele fechará igrejas caso eleito.
“Somos um pela democracia, somos todos pelo Brasil”
Já a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito foi mais direta e declarou apoio ao candidato Lula nas eleições de outubro, diante “das ameaças diuturnas das forças reacionárias sustentadas pelo governo federal e pelo próprio Bolsonaro”. O uso político da religião promovido por Bolsonaro e pela primeira-dama Michelle Bolsonaro, usando a bandeira evangélica, provocou uma reação da ala progressista de grupos protestantes.
Na véspera do 7 de setembro, líderes evangélicos de todo o Brasil lançaram a campanha em apoio à democracia e ao Estado Democrático de Direito. A principal iniciativa da campanha “Somos UM pela democracia, somos todos pelo Brasil” é a divulgação de uma carta à população.
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O documento já contava com a assinatura de grandes líderes evangélicos do campo democrático, como a pastora Viviane Costa, da Assembleia de Deus do Rio de Janeiro, o pastor José Marcos, da Batista de Pernambuco, e a bispa Marisa de Freitas, emérita da Igreja Metodista.
As lideranças revelam que têm visto de perto os efeitos nefastos da fome e do desemprego em suas comunidades religiosas, por isso consideram estas pautas prioritárias na disputa eleitoral. Eles também criticaram o uso político da religião e de discursos violentos e autoritários adotados por pastores de extrema direita.
Além da divulgação da carta, o grupo irá realizar eventos no Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo e Recife, para divulgar os posicionamentos baseados no documento.