Brasileiro abandona álcool gel em plena epidemia de varíola
Epidemiologista critica relaxamento de protocolos sanitários em momento de progressão de contágios de monkeypox, sem iniciativas de campanhas de esclarecimento pelo governo
Publicado 06/08/2022 11:09 | Editado 07/08/2022 09:16
Com média diária de 200 mortes por covid-19, cada vez se vê menos gente usando máscaras de proteção no Brasil. Higienizar as mãos com álcool ou evitar aglomerações são praticamente ignorados, nesta altura da pandemia. No entanto, quase trinta mil pessoas com síndrome respiratória aguda grave todos os dias está longe de ser um quadro para relaxamento do distanciamento social. Com o avanço da monkeypox, a varíola dos macacos, protocolos sanitários nunca foram tão necessários.
Em entrevista ao portal Vermelho, o epidemiologista da FioCruz-Amazônia, Jesem Orellana, lamenta que os governos estejam se comportando, no caso da nova epidemia, do mesmo modo que agiram no início da covid-19. Ele lembra que eram 30 casos, e, apenas um mês depois, já estão notificados mais de 1500 doentes. “Estamos vendo uma repetição das omissões que vimos no início da pandemia de covid-19”, disse.
Segundo ele, a diferença é que a doença tem uma velocidade de disseminação e uma letalidade incomparavelmente menor. “Uma combinação de características que acaba deixando os governos ainda mais à vontade para se omitir”.
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O epidemiologista considera que o governo brasileiro já deveria ter tomado as providências, há meses atrás, conforme a monkeypox se tornava uma emergência global. “Estão tomando medidas tardiamente, e basicamente por pressão social e eleitoral”, diz ele.
“O que me preocupa é não entendermos a inércia desse governo, a falta de compromisso com a saúde da população e, principalmente, não incorporar aprendizados sanitários, recentes inclusive, que nos ensinaram que, quanto antes atuarmos, melhor será a resposta para reduzir gravidade e risco. O governo continua agindo atrasado, por demanda, como estamos vendo agora com relação a compra de vacinas e medicamentos”.
Peculiaridades do contágio
Uma das questões que Orellana mais lamenta diz respeito à falta de conhecimento da população sobre os meios de contágio da doença. Não compreender como funciona a disseminação do vírus atrapalha a definição de protocolos sanitários claros na sociedade.
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As pessoas precisam entender a importância da higienização constante das mãos, os cuidados em aglomerações e o distanciamento e proteção de máscaras. “Essa doença também é contagiosa pelas gotículas da saliva e pelo contato próximo”.
Ele critica o fato de, até hoje, haver desinformação que faz parecer que a monkeypox é uma doença sexualmente transmissível, e que homens que fazem sexo com homens seriam o público de maior risco. Outras acham que o macaco está relacionado com o contágio.
“Não é só o contato íntimo que transmite, mas o contato com superfícies contaminadas, como maçanetas, corrimões de escadas e transporte coletivo, assentos. Esta informação está sendo completamente ignorada, pois ninguém mais usa álcool gel em lugar nenhum, nem se orienta mais o uso de máscaras no transporte coletivo”, alertou.
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A janela de oportunidades
Esse papel de coordenar a resposta, de articular os diferentes níveis de atenção no Sistema Único de Saúde, em nível federal, estadual e municipal, é do governo federal. Conforme explica Orellana, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, “perdeu essa janela de oportunidades”.
Queiroga montou uma sala de situação para enfrentamento à monkeypox, há uns três meses e a desmontou no início de julho. “Essa sala deveria ter empoderado secretários de saúde estaduais e municipais, articulado grupos de pesquisadores e universidades, e até mesmo a iniciativa privada. Mas o que ele fez foi desmanchar esse grupo, como se ele já tivesse cumprido seu papel. O que aconteceu foi o contrário, pois de julho pra cá, saímos de 30 casos para 1.500 e tivemos o primeiro óbito”, avaliou.
Para ele, o governo deveria estar fazendo o controle, as orientações sobre diagnóstico e tratamento, assim como em relação à estigmatização de macacos e da população LGBT+. O importante agora, na opinião dele, seria o governo fortalecer as estratégicas de comunicação com a sociedade brasileira, o treinamento dos profissionais de saúde e acelerar o processo de aquisição de vacinas.
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Acelerar vacinação
Nem mesmo o fato de já ter negociado vacinas pode ser considerado um avanço neste governo. Orellana diz que isso só seria positivo se estivéssemos voltando ao início da pandemia de covid-19, quando havia muita dúvida e indisponibilidade de vacinas. “Existia uma série de fatores que justificavam o atraso nas negociações e aquisição”, explica.
No entanto, o epidemiologista explica que a vacinação não precisa ser massificada como a covid, mas direcionada a populações mais vulneráveis: gestantes, vítimas de violência sexual, crianças, pessoas imunosuprimidas, profissionais de saúde, entre outros.
Emergência sanitária
Com relação à emergencia sanitária nacional, ele considera que pode vir a ser necessária, conforme comece a atingir em maior proporção públicos mais vulneráveis, como mulheres grávidas e crianças. Foi o que ocorreu em grandes cidades americanas, levando à decretação da emergência nos EUA.
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“Neste momento, uma emergência sanitária não atende aos critérios legais no Brasil, mas pode ser necessária para obrigar o governo a fazer o que já devia ter feito meses atrás”, disse. No contexto específico de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, com aumento diário de casos novos e transmissão comunitária franca, ele também pondera que poderia se pensar em emergência.