Juros altos nos EUA aumentam temor de recessão mundial
Diante das incertezas internacionais, o Brasil, já mergulhado em dificuldades internas, terá o pior desempenho na economia entre os países da América Latina em 2022.
Publicado 20/06/2022 20:16 | Editado 21/06/2022 07:55
O movimento de alta dos juros nos Estados Unidos vem lançando sobre a economia mundial o temor de que se produza uma recessão em esfera global. Somente na última reunião, o Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA), subiu a taxa norte-americana em 0,75 ponto percentual, a maior elevação desde 1994. Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), afirma que há muitas incertezas no campo internacional, mas o cenário é de fato desfavorável à economia.
Em entrevista ao Portal Vermelho, ela aponta que o possível impacto recessivo da elevação dos juros nos Estados Unidos soma-se a uma situação já difícil de alta nos preços internacionais gerada pela Guerra na Ucrânia. “O problema da inflação é que ela gera insegurança alimentar”, afirmou a pesquisadora, acrescentando que, diante deste cenário, o Brasil aparece como um destaque negativo na região: o país que terá menor crescimento na América Latina em 2022.
Em que medida o movimento de alta dos juros nos Estados Unidos acentua a tendência de desaceleração da economia mundial?
Realmente, o cenário internacional está muito desfavorável. Em primeiro, começamos a conviver com a questão da inflação mundial. Agora temos os Estados Unidos elevando as taxas de juros. A taxa muito alta nos EUA freia o crescimento mundial porque os outros países também tendem a elevar os juros. E isso ainda leva a uma maior valorização da moeda americana.
A alta de preços, desencadeada pela Guerra na Ucrânia, é um problema que vai persistir?
O problema da inflação é que ela gera segurança alimentar. O aumento de preço para os países importadores líquidos de alimentos tem efeito muito perverso. Nesta 12ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) um dos temas principais foi segurança alimentar, tendo países como Índia e Indonésia defendendo fazer estoques regulares de alimentos. Mas os países exportadores agrícolas não são muito favoráveis. E há um cenário de desaceleração no Brasil com a alta dos preços, pela elevação da taxa de juros.
Qual é o impacto na economia mundial da redução na expectativa de crescimento chinês?
A china imaginava crescer 5,5% neste ano. Com a questão de muito lockdown e interrupção de cadeias de produção, não será esse o crescimento. O governo está lançando pacote de gastos com infraestrutura, o que vai estimular um pouco, mas a China já estava com problemas na área de construção. É mais uma grande economia contribuindo para esse cenário difícil.
Na guerra da Ucrânia também a grande questão é se a China vai continuar em posição mais discreta, em que apoia a Rússia, mas tenta não antagonizar com os Estados Unidos.
Como fica a situação do comércio internacional, diante deste cenário?
Há esse movimento de rearranjo das cadeias de produção que foi acentuado na pandemia, em que os países decidem se mantêm as cadeias de produção offshore (externamente) ou se passam por reshoring (internalização das indústrias). Ainda não está claro quão grande podem ser esses movimentos.
Como os EUA já assumiram essa posição de incentivo à indústria americana, com maior protecionismo, de qualquer forma não é um bom momento para o comércio mundial.
Estamos vivendo um momento de muito enfraquecimento das instituições multilaterais no mundo, como a OMC. Nesta situação, países como o Brasil ficam mais vulneráveis.
Diante deste cenário internacional, há possibilidade de enfrentarmos uma recessão mundial?
A conjuntura internacional não é muito favorável. Os mais otimistas acham que a economia mundial melhora com os pacotes da China. Outros acreditam que o efeito deles será somente passageiro. E há outros ainda mais pessimistas.
Com certeza no ano que vem vamos crescer menos, o mundo todo vai, assim como sabemos que neste ano também teremos um crescimento menor.
A guerra da Ucrânia, com a questão dos preços, colocou para 2022 um cenário que não se imaginava em 2021. Acreditava-se que viveríamos uma recuperação da pandemia. Mas agora há o recrudescimento também da pandemia, com maior grau de transmissão, a não ser na China, que tomou medidas mais drásticas. Os chineses estão tentando, em Pequim, fazer de uma forma que o lockdown não seja como foi o de Xangai, mas quando há possibilidade de surto, eles fecham mesmo.
Como fica a economia brasileira, diante desse quadro internacional?
No Brasil, temos esse ano de eleição, muitas incertezas, a questão do dólar.
O setor de serviços foi ainda mais atingido pela pandemia do que a indústria porque exige mais presença. Está começando a recuperar, mas as projeções para o PIB do Brasil são de 0,7% a 1,2%, o que significa baixo crescimento da economia brasileira. É a economia com menor taxa de crescimento para este ano na América Latina.
Aí são problemas em parte internos. A economia brasileira está com baixo crescimento há algum tempo, desde a recessão de 2015 e 2016 não conseguimos atingir em nenhum ano mais de 2% de crescimento. As empresas investem se acham que vai ter demanda. Se não vai ter, não põem muito investimento. E temos um desaquecimento do mercado interno.