Sthefanye Paz: evangélicos já estão no samba
Homens e mulheres evangélicos ocupam cargos e funções estruturais das escolas de samba
Publicado 03/05/2022 12:11 | Editado 03/05/2022 16:52
A religião e as diversas formas de religiosidade são retratadas pelas escolas de samba do carnaval carioca desde, pelo menos, a década de 1950. É curioso notar que dois enredos seminais da matéria religiosa façam referência à Bahia.
Em 1952 a extinta Três Mosqueteiros apresentou como enredo Candomblé da Bahia, inaugurando uma temática que seria das mais férteis na folia carioca. Infelizmente, as fontes sobre o desfile da agremiação são escassas e o carnaval daquele ano sequer teve resultado por conta de fortes chuvas que atingiram o Rio de Janeiro.
Já em 1954, em seu primeiro desfile, o Acadêmicos do Salgueiro teve como enredo Romaria à Bahia, destacando o samba, as festividades populares e, também, o candomblé. Nas décadas seguintes a religião iria se afirmar definitivamente como um dos principais conteúdos narrativos da festa.
Campeã festejada e aclamada por público, crítica e coirmãs, ao apresentar o enredo Fala, Majeté! Sete Chaves de Exu, a Acadêmicos do Grande Rio fez sua estreia no Grupo Especial em 1992 cantando uma sagração a Oxalá no enredo Águas clara para um Rei negro.
Além dessa presença em discurso, como tema de enredos e sambas de enredo, a religião sempre esteve presente no cotidiano das escolas de samba. A Mocidade Independe de Padre Miguel este ano prestou reverência à Oxóssi, padroeiro da escola pela relação íntima entre a agremiação e o terreiro de Tia Chica, matriarca daquele território e responsável pela escolha das cores da escola.
O Salgueiro, já citado, nasce fortemente influenciado por um conjunto de manifestações culturais e religiosas existente no morro e presidida pelo pai de santo Paulino de Oliveira. É comum haver a celebração de missas em datas festivas como o aniversário das escolas e há uma forte presença de imagens de santos católicos em espaços como as quadras e os barracões.
As escolas de samba são instituições culturais que estão espalhadas pelo Rio de Janeiro, através de seus desfiles, um ritual festivo-competitivo quase centenário, essas instituições tem a capacidade de tematizar na Avenida Marquês de Sapucaí assuntos que estão na ordem do dia da nossa sociedade levando seus coletivos a refletirem quase que imediatamente sobre o período histórico em que vivemos. Em 2022 podemos citar, com destaque, as narrativas afrocentradas e a questão indígena como pautas atuais que reverberaram através da caixa de ressonância que é o Sambódromo.
A religião tem sido uma pauta constante no debate público nacional, não à toa os enredos religiosos ou que citam indiretamente alguma manifestação religiosa, tem chamado atenção nos últimos anos. Aqui é importante pontuar que as escolas de samba têm suas próprias perceptivas e maneira de elaborar essas histórias através de gramáticas nem sempre normativas. Além do enredo e do samba enredo, as narrativas são materializadas através de fantasias, alegorias, coreografias, ritmo e dança.
Um caso exemplar é a Estação Primeira de Mangueira que no ano de 2020 construiu um enredo biográfico sobre a figura de Jesus Cristo. Em sua apresentação a escola teve como mote narrativo uma possível volta da principal representação cristã como um menino do morro de Mangueira.
Tradição iniciada em 1932, o desfile de escola de samba, como vimos, incorporou a temática da religião que se inseriu nas narrativas das agremiações na década de 1950 e se mantém até hoje como um dos principais eixos discursivos. Além disso, as escolas de samba produzem leituras e reflexões sobre o Brasil a partir de suas histórias e vivências. Os enredos, via de regra, contém elementos que servem de conexão entre o tema e a comunidade, coletivo territorial que forma essas instituições.
Mais do que um quesito de julgamento, o enredo é um assunto que será amplamente discutido, debatido e disputado na escola que o propõe. Até o desfile, ele passa por um processo de construção, entendimento e apropriação coletiva que destaca a força das histórias que as agremiações levam para a avenida. Durante todo um ciclo anual, o tema escolhido será construído coletivamente através dos múltiplos sentidos que os sujeitos das quadras e barracões lhe conferem enquanto o constroem.
Interessa investigar como será processada e representada na folia carioca a forte presença dos evangélicos através dos enredos vindouros. Pensar a relação das escolas de samba e dos evangélicos requer atenção a disputas recentes no debate público que envolveram lideranças deste vasto campo religioso criticando desfiles como, por exemplo, o da Mangueira em 2020.
Porém, cumpre ressaltar a existência de um grande número de homens e mulheres evangélicos em cargos e funções estruturais das escolas de samba. Seja nos barracões, na produção de fantasias e carros alegóricos, seja nas quadras como componentes e ritmistas e, até mesmo baianas e intérpretes, ainda que invisibilizados, estes sujeitos marcam a presença de agentes evangélicos na produção de cultura das escolas de samba.