Rússia-Ucrânia: Brasil perde oportunidade de se reposicionar ao se omitir

Alberto do Amaral explica que mesmo países com fortes parcerias comerciais e políticas com a Rússia se posicionaram em defesa da paz e pela intermediação das negociações.

Foto: Marcos Corrêa/PR

O professor do Departamento de Direito Internacional da USP, Alberto do Amaral Jr critica a posição do Brasil em relação à guerra entre Rússia e Ucrânia. O presidente Jair Bolsonaro se omite em relação a posicionamentos sobre o conflito com a busca de soluções. Para ele, a omissão sempre toma, de certa forma, a posição de um dos lados do conflito.

Ele retoma a discussão sobre a visita de Bolsonaro a Moscou, pouco antes da eclosão do conflito, quando já apareciam sinais equivocados incompatíveis com um estado de um estado soberano como o Brasil. Para ele, não havia problema na visita, marcada muito antes, mas o presidente não devia ter declarado solidariedade ao governo russo naquela situação. Ele também critica o fato das negociações envolverem um filho do presidente, vereador do Rio de Janeiro, que não ocupa cargo no governo federal, além da imposição de sigilo do Itamaraty sobre as informações da visita.

Ele relata também como o Brasil se posicionou no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), quando se mostrou contrário à invasão com uma posição bastante tímida. Na Assembleia Geral da Organização, mais uma vez, o Brasil falou em “cessação de hostilidades”, sem imprimir a devida ênfase merecida.

Ele observa que a Carta da ONU, no artigo segundo, tem como um dos seus princípios fundamentais o combate à violação da integridade territorial e a defesa da independência política das nações. “A alegação do embaixador Ronaldo Costa de que é necessário deixar um espaço para o presidente russo Vladmir Putin negociar é verdadeira, mas em nenhum momento o Brasil procurou explorar essa possibilidade”.

Ele também considera um erro que o Brasil se abstenha no Conselho de Direitos Humanos da ONU de condenar os eventuais crimes e violações contra civis cometidos durante o conflito.

Além de visitar Moscou, como havia combinado, o professor defende que o presidente Bolsonaro deveria ter ido a Kiev, e outros centros mundiais diretamente envolvidas no conflito demonstrar a necessidade do diálogo e negociações para impedir a escalada do conflito. “Ao não fazer isso, ele toma parte de um dos lados. Toda vez que indagado sobre o conflito, o presidente se omitiu deliberadamente”, lamenta.

É possível entender o posicionamento do Brasil, justamente porque o país mantém parceria comercial e depende de fertilizantes da Rússia. Mas, o professor aponta exemplos similares, como a Turquia, que mantém relações estreitas com os dois países (Rússia e Ucrânia), mas não se omitiu e condenou a invasão na Ucrânia, além de ter papel importante em sediar várias negociações entre as delegações dos dois países para solucionar o conflito.

Para além dos interesses específicos circunscritos ao Brasil, Alberto do Amaral avalia que o governo brasileiro parece não entender que, ao contrário do passado, existem os interesses globais e gerais. “A paz se tornou um interesse geral e de todo o mundo. Uma posição brasileira ativa em favor da paz atrai o que, em politica internacional, se chama soft power, o poder das ideias, capaz de atrair simpatia a determinadas causas”.

Ele entende que os interesses econômicos não podem sobressair à paz global. Com essa postura internacional canhestra, o Brasil perdeu uma importante oportunidade de somar pontos como o país influente que deveria ser.

“Além de ser um dever do ponto de vista moral, que conta nas relações internacionais, seria uma atitude que acarretaria grande simpatia em favor do Brasil e poderia contribuir para reposicioná-lo no cenário internacional”, conclui o analista.

Edição de entrevista à Rádio USP

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