Cartografia influenciou independência do Brasil, mostra exposição no Rio

Mapas estão em exibição no Museu Naval da Marinha; curadoria teve participação de professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

“Amérique Méridionale”, publicado em 1748 - Acervo Digital da Biblioteca da Marinha do Brasil

Os mapas eram considerados tesouros nacionais no período das grandes navegações. Os governos que conseguiam ter um desenho cartográfico preciso de territórios ultramarinos tinham o poder sobre a conquista de novas terras. Olhar para a evolução dos mapas das Américas, desde sua invasão no século 16, é observa lentamente a evolução dos conflitos por disputa de terras entre nações, especialmente Espanha e Portugal na América do Sul.

A exposição O Atlântico Sul na Construção do Brasil Independente, em exibição gratuita no Museu Naval da Marinha do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, até o próximo mês de junho, traz uma mostra desses mapas preciosos. Eles foram selecionados a partir de pesquisa realizada pela docente Iris Kantor, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP; Heloisa Meireles Gesteira, do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), e Maria Dulce de Faria, da Biblioteca Nacional do Brasil.

A exibição conta com cartas náuticas manuscritas inéditas e mapas gravados da coleção cartográfica dos séculos 18 e 19, preservados pela Biblioteca da Marinha do Brasil. “As cartas geográficas confeccionadas entre 1753 e 1822 demonstram que havia uma clara percepção das fronteiras territoriais, tanto continental quanto marítima, dada à acumulação de conhecimentos geográficos reunidos ao longo de mais de décadas de levantamento topográfico desde o Tratado de Madrid de 1750″, disse a professora Iris Kantor sobre a curadoria da exposição.

Iris Kantor, professora do Departamento de História da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e organizadora do evento - Foto: Divulgação / Sintsef Ceara via YouTube
Iris Kantor, professora da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP – Foto: Divulgação / Sintsef Ceara via YouTube

A mostra está organizada em três ambientes. O primeiro deles tem como objetivo apresentar instituições relacionadas à formação científica dos cartógrafos que elaboraram mapas sobre o território brasileiro, incluindo também os instrumentos de medição usados para observações astronômicas durante as expedições.

Exposição “O Atlântico Sul na Cartografia do Brasil Independente” – Fotos: Divulgação/Marinha do Brasil

O segundo ambiente explora uma variedade de mapas náuticos manuscritos confeccionados nas cidades portuárias brasileiras e de Atlas marítimos impressos pelas Marinhas da Inglaterra, França e Espanha, produzidos no contexto das guerras pelo controle dos portos nos três oceanos. A produção desses mapas fez parte de uma estratégia política e comercial que visava transformar a Marinha numa alavanca do desenvolvimento econômico do império português.

“Amérique Méridionale”, publicado em 1748; autor principal: Jean-Baptiste Bourguignon d’Anville (1697-1782) – Acervo Digital da Biblioteca da Marinha do Brasil
“Amérique Meridionale”, publicado em 1785; autor principal: Maurille Antoine Moithey (1732-1805) – Acervo Digital da Biblioteca da Marinha do Brasil
“Plano hydografico da parte principal da bahia do Rio de Janeiro”, publicado em 1801; autor principal: Paulo Dias D’almeida () – Acervo Digital da Biblioteca da Marinha do Brasil

A exposição apresenta pela primeira vez cartas náuticas elaborados por membros da Sociedade Real Marítima e Militar, uma instituição em Lisboa em 1798. “Essa sociedade reunia engenheiros militares e navais, pilotos, astrônomos e matemáticos; e foi reinstalada no Rio de Janeiro em 1808″. A Sociedade funcionou com uma verdadeira academia científica, onde os trabalhos náuticos eram apresentados em sessões públicas, e eram apreciados segundo sua qualidade e acurácia”, explicou a professora Iris.

Já o último ambiente recria a Biblioteca Real dos Guarda-Marinhas, transferida de Portugal para o Brasil em 1808 com a vinda da família real portuguesa. O acervo deu origem à atual Biblioteca da Marinha do Brasil. Uma das atrações da exposição é o curioso Catálogo dos livros no qual se descrevem os itens bibliográficos e mapas do acervo em 1812. Trata-se de um documento manuscrito singularmente raro e essencial para o conhecimento da formação dos cartógrafos e engenheiros navais daquele período.

“O domínio do conhecimento náutico constituiu uma moeda de troca, do meu ponto de vista, no processo de emancipação política e na construção do futuro Estado imperial brasileiro, como se pode atestar pela qualidade das cartas geográficas do Atlântico Sul.  Não por acaso, essa produção coincide com o ápice da deportação de pessoas escravizadas embarcadas nos portos africanos nas primeiras duas décadas do século 19”, afirmou Iris Kantor.

Exposição “O Atlântico Sul na Cartografia do Brasil Independente” – Fotos: Divulgação/Marinha do Brasil

A exposição O Atlântico Sul na Construção do Brasil Independente é realizada pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, com apoio institucional do Abrigo do Marinheiro (AMN) e patrocínio da Associação da Poupança e Empréstimo (Poupex).

Os mapas disponíveis nesta matéria fazem parte do projeto de digitalização de mapas e atlas da “Coleção cartográfica do Brasil de 1700 a 1822” da Marinha. Os documentos estão disponíveis para consulta on-line por meio do link: http://www.redebim.dphdm.mar.mil.br/pergamum/biblioteca/index.php

Do Jornal da USP