USP quer mais tempo para analisar privatização de cavernas do Petar
Geociências e Arquitetura da USP manifestam preocupação com concessão, que vai repassar os serviços de visitação ao parque à iniciativa privada
Publicado 29/04/2022 19:24 | Editado 01/05/2022 10:30
As congregações de duas unidades da Universidade de São Paulo manifestaram preocupação nesta semana com o projeto de concessão do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), com críticas à maneira como o processo está sendo conduzido pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (Sima) do Estado. A congregação do Instituto de Geociências (IGc) pediu “mais tempo de análise e um processo mais amplo de discussão”, enquanto que a da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) solicitou a “suspensão permanente” do processo.
As congregações são o órgão máximo de deliberação das unidades acadêmicas, compostas por um colegiado de professores, alunos e servidos que se reúnem regularmente para debater e decidir sobre temas de interesse das unidades. As manifestações do IGc e da FAU fazem coro com um moção aprovada alguns dias antes por pesquisadores no 36º Congresso Brasileiro de Espeleologia, que também pediu a “suspensão” do processo de concessão. O Petar abriga uma das maiores concentrações de cavernas e de mata atlântica preservada do País, na região do Vale do Ribeira, sul do Estado de São Paulo (clique aqui para ver a localização do parque). A unidade, de 36 mil hectares, é considerada Patrimônio Natural Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Lançado oficialmente em outubro de 2021, o projeto do Estado prevê a concessão dos serviços de visitação pública do parque à iniciativa privada por um período de 30 anos, a exemplo do que vem sendo feito em outras unidades de conservação estaduais e federais. A proposta enfrenta forte resistência das comunidades locais, que há décadas desenvolvem atividades de turismo na região e têm o parque como principal fonte de sustento. Cerca de 40 mil pessoas visitam o Petar anualmente, atraídos por suas cavernas, trilhas e atividades de ecoturismo e educação ambiental. Todas as visitas são conduzidas por guias locais, oficialmente capacitados e cadastrados para trabalhar dentro da unidade. O Petar tem mais de 400 cavernas identificadas, das quais 19 estão autorizadas a receber visitação pública.
O principal temor com relação à concessão é que essa atividade de turismo comunitário seja cerceada ou acabe sucumbindo frente a uma “concorrência desleal” com a empresa concessionária, com fortes impactos sociais, econômicos e culturais para a região. A principal crítica é que o projeto teria sido elaborado “de cima para baixo”, sem a participação da sociedade e sem as salvaguardas necessárias à preservação das atividades de base comunitária. A manifestação do IGc diz que a maneira como o processo foi conduzido até agora “não permitiu a devida análise dos textos apresentados e suas recentes modificações, diante do risco que a futura concessão apresenta para a economia local e ao patrimônio natural ali preservado”.
“A concessão é um grande risco socioambiental para a região, que não foi devidamente avaliado. As poucas apresentações por parte dos coordenadores da proposta demonstram claramente que não se tem a previsão de como ela poderá ocorrer, e as minutas do edital de concessão deixam inúmeras brechas jurídicas para a futura concessionária”, diz o geólogo Paulo Boggiani, professor do IGc e representante da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) no Conselho Consultivo do Petar. Ele cita, por exemplo, o fato de o projeto não proibir a concessionária de ter monitores próprios e não exigir a contratação de mão de obra local. “Vão entregar áreas que são estratégicas para o turismo e para pesquisas científicas para uma empresa privada, por 30 anos, sem garantias de como a concessionária vai trabalhar sem colocar em risco a economia local.”
“Ainda não foram apresentados estudos de impactos sociais, culturais e econômicos para a população, tampouco compromissos de retorno e investimento para melhoria das condições ao entorno do parque, apesar da vulnerabilidade social e das condições de precariedade da infraestrutura”, diz o manifesto da FAU, aprovado na quarta-feira (27). “A FAU tem conjunto expressivo de docentes e discentes que realizam pesquisa e trabalhos de extensão relacionados à questão ambiental e à concessão de áreas públicas como política de planejamento territorial”, justificou a professora Ana Lucia Duarte Lanna, diretora a unidade.
“O SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza) determina que parques ambientais tenham como objetivos centrais a conservação e preservação permitindo atividades educacionais e ecoturismo. No entanto, os estudos de viabilidade econômica apresentados demonstram que a proposta de concessão visa à transformação da unidade de conservação em unidade geradora de receita através da exploração máxima de seus visitantes”, diz, ainda, a nota da FAU.
Detalhamento do projeto
A primeira minuta do projeto de concessão foi publicada em 20 de outubro, no site da Sima, com um prazo de 37 dias para consulta pública. Uma audiência pública foi realizada em 25 de novembro, no âmbito do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), e uma nova minuta foi apresentada para ser apreciada na reunião do conselho da última quarta-feira (27 de abril); mas o tema foi retirado de pauta na véspera da reunião. Segundo a Sima, o processo segue em análise e não há prazo estabelecido para a publicação do edital de concessão.
Pelo projeto atual, a empresa que vencer a concorrência ficará responsável pela gestão de 159 hectares (0,44% da área total do parque), que abrigam as principais trilhas, campings, centros de visitantes, mirantes e outras estruturas de apoio ao turismo no interior da unidade. As cavernas, por serem patrimônio da União, não entram na concessão (apenas o serviço de visitação a elas, onde isso for permitido), nem as áreas de floresta, que permanecem sob responsabilidade da Fundação Florestal (FF), entidade responsável pela gestão de áreas protegidas do Estado.
Em entrevista ao Jornal da USP no dia 25, a assessora técnica Roberta Buendia Sabbagh, da Sima, disse que a nova minuta busca esclarecer alguns pontos que se tornaram conflituosos na discussão do projeto, ao mesmo tempo em que preserva os “conceitos-macro” da proposta original. “É muito importante para nós deixar cada vez mais claro que nossa proposta é de desenvolvimento regional para todos”, afirmou.
Segundo ela, os condutores autônomos continuarão responsáveis por guiar os visitantes dentro das cavernas, como fazem atualmente, e a concessionária só lançará mão de monitores próprios em situações muito específicas, quando não houver condutores autônomos disponíveis para atender à demanda. A empresa será responsável por fazer diversas melhorias na infraestrutura de visitação e não terá exclusividade sobre o uso do nome Petar (que muitos empreendedores locais utilizam para divulgar seus serviços nas redes sociais). Todas as intervenções e atividades deverão respeitar as regras e limites determinados nos planos de manejo e espeleológicos do parque.
“Entendo que o processo de concessão é novo, traz medos e receios, e o que a gente puder explicar adicionalmente, estamos à disposição”, afirmou Sabbagh, ressaltando que a secretaria continua aberta ao diálogo e a receber contribuições para o projeto. O tema foi retirado da pauta da reunião do Consema do dia 27, segundo a Sima, a pedido do novo secretário Fernando Chucre, que assumiu o comando da pasta — e, consequentemente, a presidência do Consema — alguns dias antes. “Em razão de sua recente posse na presidência do Conselho, o Secretário solicitou a retirada de pauta a fim de poder tomar melhor conhecimento do processo, nesta fase de oitivas à sociedade”, informou a secretaria.
Na avaliação de Boggiani, a nova minuta não resolve os conflitos nem dá mais transparência ao processo, “apenas acelera a condução do mesmo”.
Posicionamento
A reportagem enviou as manifestações do IGc e da FAU à Sima no dia 28, pedindo um posicionamento da secretaria sobre elas. Em resposta, a Sima enviou a seguinte nota:
“A Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente informa que os pesquisadores das universidades públicas continuarão tendo acesso ao local, mantendo a responsabilidade desta Secretaria no acompanhamento de projetos de pesquisa. As atividades continuarão a ser realizadas, e inclusive, a concessionária deverá reformar um alojamento específico para os pesquisadores, que vai continuar sob a responsabilidade da Fundação Florestal.
Visando favorecer as condições de desenvolvimento social e econômico das comunidades do entorno das áreas, conforme previsto na lei, foram propostos encargos de integração da população que vive na região, como capacitação, comercialização de produtos locais e incentivo financeiro para a contratação de mão de obra local.”
Do Jornal da USP