Violência política de gênero: é urgente punir os culpados
“Elas são fáceis porque são pobres”. O dono dessa frase renunciou ao mandato para não ser cassado na Assembleia de São Paulo. As mulheres querem sua condenação, assim como o fim da violência política de gênero.
Publicado 21/04/2022 16:26 | Editado 24/04/2022 10:28
“Elas são fáceis porque são pobres”. A frase saiu da boca do ex-deputado estadual de São Paulo Artur Do Val, vulgo Mamãe Falei, em referência às mulheres ucranianas que formavam filas na fronteira para sair do país em meio ao conflito com a Rússia.
Na quarta, 20 de abril, ele renunciou ao mandato numa tentativa de manter os direitos políticos, já que a cassação foi aprovada por unanimidade no Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e, provavelmente, seria ratificada pelo plenário.
No entanto, a Lei da Ficha Limpa pode deixa-lo inelegível por oito anos, caso o processo seja concluído e o condene pelos áudios sexistas.
A renúncia repercutiu no mundo político e na sociedade como um todo. A deputada estadual de São Paulo, Isa Penna (PCdoB), vítima de importunação sexual em plena sessão no ano passado, diz que seguirá na luta pela cassação dos direitos políticos de Do Val. “Não me esmoreço com essa renúncia, renunciou porque ia ser cassado, renunciou porque quer garantir menos anos de inelegibilidade. Ainda sonho e luto para que a misoginia seja crime e seus criminosos sejam plenamente punidos, sem manobras, sem privilégio, sem descanso, assim como é a vida de toda mulher que nasce nesse país.”
Leci Brandão, também deputada estadual do PCdoB em São Paulo, afirmou ao Portal Vermelho que, “independente de estratégias adotadas para que se evite perda de direitos políticos, o fato é que precisamos ser absolutamente intolerantes com este tipo de comportamento misógino, não só pela fala, mas por tudo o que ela expressa e incita”.
Para Leci, o problema se agrava porque estamos falando de alguém que ocupa a função de um parlamentar. “A nossa conduta, em caso da manutenção da votação, será seguir o parecer aprovado pelo Conselho de Ética. Esperamos que a decisão da Alesp seja pela cassaçāo e um marco na luta pelo fim da violência contra as mulheres no Estado. Precisamos assumir a responsabilidade do Legislativo no enfrentamento à violência contra a mulher, seja ela qual for, venha de onde vier”.
A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB/RJ), avalia que o momento de retrocesso político que o país vive favorece o machismo e a misoginia, dificultando a presença das mulheres na arena política. “A extrema-direita no Brasil escancarou as portas do machismo. E a violência de gênero é muito mais frequente quando homens machistas entram em espaços de decisão”, acredita.
A presidente da União Brasileira de Mulheres, Vanja Andréa, diz que “o Brasil não pode mais admitir que pessoas como “Mamãe Falei” sejam eleitos e usem o poder com total falta de escrúpulos e que ao final, abram mão desse poder para fugir de qualquer punição. Não é apenas pelas mulheres, mas por todo o povo que é violentado quando sua representação é feita por charlatões políticos como Arthur do Val”.
Apesar da maior parte do eleitorado brasileiro ser feminino, as mulheres ainda são pouco representadas na política – e pior, têm os seus direitos frequentemente questionados. “A renúncia de Arthur do Val não acaba com o problema, tampouco apaga o que ele fez. É preciso uma apuração rigorosa seguida de punição para que atos como esse sejam, a curto prazo, minimamente evitados e, ao longo do tempo, a sociedade seja educada sobre este assunto”, diz Jandira.
Vanessa Grazziotin, secretária Nacional das Mulheres do PCdoB, acredita que “o fato de ele ter sido condenado por unanimidade no Conselho de Ética da Alesp, de estar sendo punido pela violência que praticou às mulheres de forma geral, é um avanço muito importante, já é um fruto da nossa luta contra a violência política de gênero. A cassação será um fato simbólico”, afirma.
Ela acredita que as violências física, psicológica, econômica e política de gênero mantém as mulheres afastadas da vida pública. A impunidade é a regra e contribui para a continuidade das agressões. O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados foi criado há 21 anos e nunca puniu um único caso de violência contra parlamentares mulheres, segundo levantamento feito pela pesquisadora Tássia Rabelo, doutora em Ciência política e professora da Universidade Federal da Paraíba. O Conselho de Ética analisou nesse período, nove casos, e todos foram arquivados.
Violência diária e repetida
A violência política de gênero acontece diariamente onde as mulheres ousam ocupar espaços historicamente destinados aos homens. A presidenta Dilma Rousseff foi vítima do machismo. Manuela D´Àvila, vice-presidente nacional do PCdoB, candidata a vice-presidente da República em 2018, é constantemente atacada. Parlamentares como Maria do Rosário, já foram afrontadas na Câmara dos Deputados. No caso dela, por quem hoje ocupa a presidência da República. No Senado, recentemente, a senadora Simone Tebet foi chamada de “descontrolada” por um ministro da CGU. Marielle Franco foi assassinada e até hoje os mandantes não foram encontrados.
Mas o Estado de São Paulo tem se sobressaído na violência política contra as mulheres. A maior Assembleia Legislativa do país é formada por 94 parlamentares e, desses, 18 são mulheres. Tem, majoritariamente, homens (81%) e brancos (88%). Um terço é milionário e declarou patrimônio superior a R$ 1 milhão. Apenas cinco dos eleitos em 2018 são pretos.
Essa minoria do sexo feminino convive diariamente com as dificuldades de ser mulher na política. Isa Penna, no ano passado, foi covardemente assediada pelo deputado Fernando Cury em plena sessão legislativa. A deputada conversava com o presidente da Casa quando Cury aproximou-se por trás, a abraçou e passou a mão em seu seio. Ele foi expulso do partido Cidadania e condenado por seus pares com a suspensão do mandato por seis meses. Uma pena muito branda para tamanha ofensa. Mas foi a primeira vez que uma casa legislativa no país deu punição para um caso de assédio contra uma mulher.
Ela considerou a punição um passo importante na história do movimento feminista mas disse que o justo era a cassação do mandato do assediador. “O Código Penal prevê a pena mínima de um ano para crime de importunação sexual. Então, considero que o razoável seria, pelo menos, um ano de suspensão”, afirmou à época.
Enquanto essa matéria era redigida, mais um ataque acontecia contra ela. O deputado Delegado Olim, membro do conselho de ética e relator do caso Artur Do Val, afirmou que Isa Penna “teve sorte por ter sido vítima de assédio de um parlamentar”, referindo-se ao crime de assédio cometido por Fernando Cury e colocando isso como uma vantagem eleitoral. Nada mais vil. O PCdoB de São Paulo divulgou nota de solidariedade à parlamentar. “Toda nossa solidariedade à Isa Penna, que sabe que pode contar com seu partido nessa batalha! Não deixaremos que fiquem impunes! Assédio Sexual não é brincadeira! A luta pela emancipação das mulheres é também para que estejamos em todos os espaços de poder, quer eles queiram ou não!”, diz o comunicado.
A deputada reagiu respondendo que “assédio é violência, e não brincadeira, como você chama”, referindo-se ao Delegado Olim. “O que você chama de brincadeira é Crime”, pontuou. Ela lembra que Delegado Olim testemunhou a favor do assediador Fernando Cury. “Esse é um desrespeito não só a mim, mas a todas as mulheres brasileiras”, afirmou em sua conta no Instagram. Diz que “esse comentário reproduz o ciclo da violência que revitimiza mulheres que ousam denunciar as violências que sofrem”. E informou que pedirá o afastamento do deputado do conselho de ética e acionará suas advogadas, pois houve quebra de decoro parlamentar, como foram os áudios de Artur Do Val.
A deputada federal Jandira Feghalli vê com otimismo a luta das mulheres. Ela acredita que “neste ano, temos em nossas mãos a oportunidade de formar um Congresso Nacional e Assembleias Legislativas com maior presença feminina. A mudança está a um passo de distância e, por meio dela, vamos deixar o machismo cada vez mais para trás”.