Estudo da Lancet mostra cidades eleitoras de Bolsonaro com maior letalidade da covid

Estudo mostra que risco de mortes foi 44% maior em cidades que, mesmo mais desenvolvidas, estiveram mais alinhadas ao pensamento negacionista de Bolsonaro

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As cidades onde Jair Bolsonaro teve maior votação nas eleições também as que tiveram mais mortes pela covid-19 no ano passado. Isso é o que conclui estudo publicado na revista científica Lancet para as Américas.  Os pesquisadores analisaram dados dos 5.570 municípios brasileiros. Os dados constam de análises e comparações feitas por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade de Brasília (UnB).

Embora o estudo avalie vários fatores que implicam na letalidade da pandemia, quando incluído o fator do partidarismo político, os municípios que apoiaram o então candidato Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 foram os que apresentaram as piores taxas de mortalidade por covid-19, principalmente durante a segunda onda epidêmica de 2021. Este padrão foi considerado a principal descoberta do estudo, mesmo considerando as desigualdades estruturais entre as cidades.

No mapa maior, a taxa de mortalidade, e no menor a de votação de Bolsonaro

O estudo “Envolvimento de fatores políticos e socioeconômicos na dinâmica espacial e temporal dos resultados da COVID-19 no Brasil: Um estudo de base populacional” identifica a desigualdade de renda e infraestrutura em saúde nos impactos da covid-19 durante a primeira onda da pandemia no Brasil, em 2020. Mas a partir da segunda onda, no final daquele ano, o perfil ideológico das cidades pesou mais. Assim, quanto maior a identidade da população com o discurso bolsonarista, maior a taxa de letalidade. Por exemplo, municípios bolsonaristas das regiões Sul e Sudeste apresentaram taxas de mortalidade muito superiores às de municípios não bolsonaristas do Nordeste.

Auase um ano após a pandemia, o governo federal ainda se recusou a apoiar recomendações de distanciamento social e uso de máscara facial ou promoveu tratamento precoce com medicamentos se mostrou ineficaz meses antes. Segundo o estudo, isso impulsionou o comportamento de risco das pessoas e lideranças políticas locais alinhadas ao pensamento do presidente Bolsonaro, expondo-as à covid-19 e resultando em maior taxa de mortalidade.

A questão político-ideológica tem sido um fator de análise e preocupação em muitas partes do mundo, conforme tem avançado o pensamento de extrema-direita com implicações diretas sobre questões como negacionismo, teorias da conspiração, acesso à informação, políticas de saúde pública, federalismo e conflitos legais. Um total de 204 artigos foram listados, com ênfase predominante na análise do discurso público, filiação ideológica e papel da mídia, principalmente estudando eventos ocorridos nos EUA durante o governo Trump.  

A possibilidade de subnotificação foi considerada uma variável pouco relevante, já que foram feitas comparações de cidades com estrutura de saúde equivalente. “A principal diferença foi o voto em Bolsonaro”, sustenta Christovam Barcellos, geógrafo e pesquisador em saúde pública da Fiocruz e um dos autores do artigo.

Uma das comparações feitas foi entre as cidades de Crato (CE) e de Sapiranga (RS), ambas consideradas grandes e de IDH médio. Enquanto a primeira registrou uma taxa de 110 mortes pela covid-19 a cada 100 mil habitantes, a segunda teve um índice de 360 óbitos por 100 mil habitantes. “Se a gente comparar municípios médios com IDH alto, aqueles que são bolsonaristas têm quase o dobro da taxa de mortalidade [por Covid-19] de municípios de igual estatura”, afirma Christovam Barcellos.

Chapecó, em Santa Catarina, também chamou a atenção dos pesquisadores. Considerado um município médio, com bom IDH e bons serviços de saúde, a cidade mantinha em 2020 um número de óbitos inferior à média nacional.

Com a posse do aliado de Bolsonaro, o prefeito João Rodrigues (PSD), a cidade registrou, no início de maio de 2021, uma taxa de óbitos acumulada 75% maior que a do país. Ele foi defensor do “tratamento precoce”, sem eficácia comprovada, e do que chamava de lockdown inverso, com comércios abertos e doentes sendo atendidos em casa.

“O discurso de negação reforça as iniciativas de pequenos grupos – cada vez mais conectados à distância por meio de plataformas digitais – que buscam se proteger contra um inimigo comum, às vezes imaginário. Esses discursos e práticas nunca estão voltados para o vírus em si, mas sim para sua encarnação simbólica em instituições e figuras públicas, medicamentos terapêuticos, leis, atividades socioeconômicas e grupos minoritários que são adotados como inimigos ou aliados. Adotar um ou outro inimigo, que é marcado pela identidade do grupo, pode influenciar o comportamento das pessoas em suas comunidades”, conclui o estudo. 

Uma das conclusões do artigo publicado na Lancet é que, com a ausência de uma coordenação nacional pelo governo federal, os municípios passaram a ter um papel central na transmissão de informações sobre a pandemia. E, no caso de cidades de pequeno e médio porte, as palavras de lideranças políticas e empresariais tiveram ainda mais peso.

Com informações da Rede Brasil Atual

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