Como as “sanções” à Rússia prejudicam, na prática, a todos nós

“Qualquer que seja a resposta da Rússia, a questão agora é o que esses movimentos do Ocidente – e de quase todos os centros financeiros do mundo – significarão para os futuros assuntos monetários e o sistema monetário internacional”, sintetiza Jim O’Neill

A tentativa do Ocidente em geral – e dos Estados Unidos em particular – de asfixiar a economia da Rússia, por meio de “sanções” financeiras, não prejudica apenas a população russa. A disparada na cotação internacional do petróleo – que deve encarecer ainda mais nas próximas semanas – é um exemplo de como todos nós somos afetados tanto pela operação militar na Ucrânia quanto pela reação ocidental.

“Essas sanções que estão sendo impostas são semelhantes a uma declaração de guerra, mas graças a Deus não chegou a isso”, arriscou-se a dizer o presidente Vladimir Putin, no sábado (5). “Não planejamos introduzir nenhum tipo de regime especial em território russo. Hoje, não há necessidade.”

Ainda assim, o jornal britânico Financial Times, em artigo assinado por Derek Brower, lembra um precedente desse desdobramento global para a retaliação liderada pelos EUA: “Soldados russos preparavam-se para invadir mais uma ex-república soviética. A cotação do petróleo disparava. Os países ocidentais imploravam para a Arábia Saudita abrir um pouco mais as torneiras. Foi em 2008, pouco antes de Vladimir Putin enviar tanques russos para a Geórgia. O preço do petróleo acabou atingindo seu maior patamar na história – de quase US$ 150 por barril”.

A lição, porém, não foi assimilada. “Agora, os preços nos Estados Unidos ainda não chegaram a esse nível, girando em torno a US$ 125 por barril nesta segunda-feira, enquanto a cotação do referencial internacional Brent atingiu um teto de US$ 139, antes de recuar para os US$ 128. Ainda assim, as semelhanças com 2008, desde a guerra até os apelos de autoridades internacionais ao governo de Riad, vêm ficando cada vez mais difíceis de ignorar”.

O problema, conforme o jornal, já não se resume somente ao petróleo: “O mercado, até poucos anos atrás convencido de que a revolução do xisto nos EUA havia trazido uma era de abundância sem fim, agora se aflige com a escassez. Esses temores são agravados pela possibilidade de sanções contra as exportações russas do setor – que atendem a cerca de 5% da demanda mundial de petróleo e a 10% do mercado de produtos refinados”.

Em caso de novas sanções financeiras, seguidas do que o FT chama de “êxodo de empresas ocidentais e de tecnologias”, pode haver “danos duradouros à capacidade produtiva da Rússia. Tal cenário deixa os preços do petróleo, que já subiram 25% nas últimas duas semanas, encaminhados a subir ainda mais, segundo alguns analistas”. Para o banco J.P. Morgan, a cotação poderia alcançar a marca de US$ 150 em 2023. Rob West, chefe da firma de análises Thunder Said Energy, é mais pessimista e vislumbra o petróleo a mais de US$ 200 por barril.

De moro irônico, o Financial Times conclui: “Caso este seja seu primeiro choque nos preços do petróleo e você já se contorce ao ver os valores na bomba de gasolina, prepare-se. O mercado acredita que você provavelmente ainda pode tolerar mais sofrimento com os preços”.

O setor financeiro internacional também assiste ao conflito Otan x Rússia com preocupação. Jim O’Neill, ex-presidente da Goldman Sachs Asset Management e ex-ministro do Tesouro do Reino Unido, escreveu a respeito no Project Syndicate.

“Qualquer que seja a resposta da Rússia, a questão agora é o que esses movimentos do Ocidente – e de quase todos os centros financeiros do mundo – significarão para os futuros assuntos monetários e o sistema monetário internacional”, sintetiza O’Neill. Um dos “efeitos imediatos das sanções à Rússia”, diz ele, é que países emergentes se sentirão mais impelidos do que nunca “a reconsiderarem a abordagem dos livros didáticos para construir reservas em moeda estrangeira para se proteger contra crises econômicas”.

Esses países têm, agora, uma razão concreta para “escapar dessa profunda dependência do sistema monetário controlado pelo Ocidente”. Assim, “se renminbi, rublos, rúpias indianas e outras moedas fossem mais conversíveis para outros países, um sistema monetário internacional fundamentalmente diferente poderia emergir – um no qual os tipos de sanções impostas à Rússia não seriam tão eficazes”.

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