Políticas urbanas planejaram historicamente a desigualdade de São Paulo
Na edição atualizada do livro “São Paulo: o planejamento da desigualdade”, Raquel Rolnik nega que não haja planejamento urbano e investiga o momento em que os espaços públicos dão lugar aos privados
Publicado 17/02/2022 19:37
Raquel Rolnik publica uma versão atualizada de seu livro, São Paulo: O planejamento da desigualdade (Editora Fósforo), que conta com um prefácio escrito por Emicida, convidado não só como rapper, mas também como pensador. Raquel é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e uma das coordenadoras do LabCidade, laboratório dedicado ao acompanhamento crítico de políticas urbanas e habitacionais que busca intervir diretamente no debate público e na realização de ações práticas sobre o tema.
O livro defende a tese de que a desigualdade em São Paulo é resultado de opções de política urbana que foram sendo tomadas ao longo da história da cidade. “É fruto de planos, é fruto de projetos, é fruto de legislação urbanística — e não da falta dela. Ou seja, um pouco contestando a ideia de que nós estaríamos diante de uma cidade caótica, não planejada. Aqui defendemos a tese de que planejamos a desigualdade”, explica Raquel.
“Aquilo que hoje define uma espécie de insustentabilidade e um enorme mal estar de estar na cidade, e sobretudo não igual para todas as camadas da população é fruto de opções de política urbana que foram sendo tomadas ao longo da história da cidade. É fruto de planos, de projetos, de legislação urbanística e não da falta dela”, diz a professora.
Assim, ela contesta a ideia de que estaríamos diante de uma cidade caótica e não planejada, mas diante do planejamento da desigualdade e da cidade como ela está. Por isso, mesmo, ela acredita que é possível replanejar a cidade para superar suas mazelas atuais.
A cidade confinada
Em A cidade confinada: shoppings, condomínios e a agonia dos espaços públicos, um dos capítulos do livro, Raquel investiga o momento da história de São Paulo em que os ambientes públicos de uso coletivo dão lugar a ambientes privados, num movimento de “confinamento” da classe média em condomínios e centros comerciais. Ela salienta que não se trata de historiar, mas de destacar momentos históricos definitivos para essas transformações que vieram para ficar.
O abandono do transporte por trilhos para os automóveis é um desses momentos. Nos anos 1990, com a desindustrialização, ela aponta a perda de renda e emprego, aumento da pobreza e cresce a penetração da violência concreta e simbolicamente.
A professora explica: “É um momento em que cresce e aumenta muito a violência na cidade, a penetração da violência — fisicamente, claro, materialmente, mas também simbolicamente, no imaginário da cidade — e, a partir dela, a gente tem uma série de novos produtos imobiliários, ou ‘produtos do complexo imobiliário financeiro’, como eu denomino no livro, que vão oferecer novos modelos de organização da cidade, que é o que chamo de ‘cidade confinada’”.
“Trocando em miúdos: shopping center, em vez da rua comercial aberta; condomínios fechados e murados para dentro de si, em vez do bairro sem muros. Então, a cidade confinada é essa reestruturação dos modos de viver na cidade, que implicaram um ‘ir para dentro’, uma segregação absolutamente violenta, um modelo de vigilância e securitário predominante, das câmeras, dos muros altos, e um abandono dos espaços públicos, sobretudo por parte das classes médias e altas, que vão se confinar nesses espaços de usufruto coletivo, privados e controlados.”
Na macropolítica, ela aponta o modelo neoliberal de gestão da cidade, com a privatização dos serviços públicos que vieram nessa onda dos anos 1990. Uma gestão empresarial dos espaços e serviços públicos e que aumenta os regimes de controle territorial privados que emergem na cidade, presentes de cima a baixo. Se isso ocorre no âmbito da macropolítica, também ocorre no âmbito da periferia do poder com um regime de controle das milícias e facções criminosas.
Essa descrição, no entanto, avança para a reivindicação por uma parcela da classe média paulistana por outro modelo de cidade. Raquel observa isso no início dos anos 2000, com a intensa ocupação de parques, praças e ruas não apenas como passagem, mas para permanência e usufruto. Desta forma, a urbanista defende que a participação pública, o controle social e a transparência em ouvir distintas vozes é a melhor forma de recuperar a cidade como ela é desejada por seus moradores.
São Paulo: O planejamento da desigualdade está disponível nas principais livrarias e também no site da editora.
Edição de entrevista à Rádio USP