Proteção de dados pessoais é direito fundamental, por Orlando Silva

“Vivemos a era digital, a economia da informação e do conhecimento. A velocidade dos desafios das transformações impostas por avanços tecnológicos constantes requer atualização permanente atualização dos debates políticos para que as normas se adequem aos novos desafios”

É necessário que se propague e que se fale mais sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais para que todos passem a conhecer os seus direitos – ANPD – Foto: Pixabay-CC

O Congresso Nacional promulga, nesta quinta-feira (10), a Emenda Constitucional 115, que eleva a proteção de dados pessoais à condição de direito fundamental assegurada pela Carta Magna, e fixa a competência privativa da União para legislar sobre o tema.

A emenda é originária da PEC17 /2019 , a qual fui relator na Câmara dos Deputados, aprovada com amplo apoio de congressistas de diversos campos políticos. A partir de agora, a garantia de proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais, passa a ser previsto expressamente no inciso 79 do artigo 5º da Constituição.

Isso significa que a privacidade das pessoas, dentro e fora da internet, ganha o mesmo status jurídico dos direitos e garantias individuais e coletivas de que gozam todos os brasileiros, tais como a liberdade de expressão, de manifestação, a presunção da inocência, o acesso à justiça e tantos que limitam o poder do Estado e das corporações em relação ao indivíduo, dando a baliza para a organização de nossa sociedade.

Alçada à condição de direito fundamental, a proteção de dados pessoais passa também a ser cláusula pétrea e não poderá ser suprimida, nem mesmo por outra emenda constitucional. Isso porque a Constituição Federal determina, em seu artigo 60, parágrafo 4º, que certas diretrizes representam avanços civilizatórios, e só podem ser ampliados e jamais abolidos, como é o caso do capítulo sobre direitos e garantias individuais.

Trata-se de uma conquista histórica que atualiza o quadro de direitos fundamentais no contexto atual de uma sociedade cada vez mais “datificada”. Nós somos os dados, os dados somos nós. É assim com o acesso ao crédito; é assim com a publicidade que se vê nas plataformas digitais; e é assim para se cadastrar em programas sociais dos governos. Nossos dados estão em vários lugares e nós somos categorizados com base no que eles dizem a nosso respeito. É a radiografia de nossos interesses, padrões de comportamento e consumo.

Nesta realidade, tornou-se imperativo normatizar o acesso, a guardar e o tratamento de dados de forma a compatibilizar o direito à privacidade dos usuários, os interesses econômicos envolvidos e impedir utilização política para fins escusos desse material inesgotável de informações.

Em outras partes do mundo, o desafio de adequar as legislações locais ou regionais ao dinamismo da sociedade digital também se impõe. Têm sido fontes de estudo e de inspiração nos debates do Congresso Nacional as melhores experiências internacionais, particularmente o Regulamento Geral de Dados aprovados pela União Europeia.

O passo inaugural de modernização da legislação brasileira nessa direção foi o Marco Civil da Internet (Lei 12.965), que traz os princípios, direitos e os deveres e a margem de ação estatal quanto à rede mundial de computadores.

Esse arcabouço jurídico ganhou maior densidade com aprovação da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – Lei 13.709/2018), a qual também tive o desafio de relatar. A LGPD estipula obrigações quanto ao acesso e tratamento de dados de forma a resguardar a privacidade dos usuários, e cria a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, a agência reguladora do setor.

O Supremo Tribunal Federal já havia sinalizado que a proteção de dados pessoais era indissociável de direitos fundamentais previstos na Carta, como a inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Exemplo desse entendimento é terem declarado a inconstitucionalidade da Medida Provisória 954/2020, que previa o compartilhamento de dados dos usuários de telecomunicações com o IBGE sob o pretexto de produção estatística na pandemia. Acertou o STF. Faltava, porém, a ação legislativa para dar ao tema a relevância que efetivamente tem e enfeixar a normatização infraconstitucional.

Ao reservar à União a competência exclusiva sobre o assunto, com a inclusão do inciso 30 no Artigo 22, a Emenda Constitucional 115 dá ao Congresso a prerrogativa legislativa e evita uma indesejável pulverização de leis estaduais e locais. Esta medida uniformiza e confere segurança jurídica a todos os usuários, agentes econômicos e poder público.

Vivemos a era digital, a economia da informação e do conhecimento. A velocidade dos desafios das transformações impostas por avanços tecnológicos constantes requer atualização permanente atualização dos debates políticos para que as normas se adequem aos novos desafios. Mesmo em meio a tanta turbulência no país, nesse particular, o congresso brasileiro tem buscado ser ator e não mero espectador dos acontecimentos.

Artigo publicado originalmente no Poder 360

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