As opções para os preços dos combustíveis no Brasil, por Maurício Andrade Weiss

A inflação de combustíveis é uma opção política adotada ainda no governo Temer e acentuada no governo Bolsonaro.

Foto: Reprodução da internet

A elevação dos preços dos combustíveis foi o principal fator para que a inflação medida pelo IPCA registrasse mais uma vez dois dígitos, sendo que o grupo Transporte foi responsável por 4,19 ponto percentual dos 10,06% do IPCA em 2021. Esse grupo registrou alta de 21,03%, impulsionado pelas altas dos combustíveis (veículos) de 49,02%. O Gás de botijão, que é classificado no grupo Habitação, também contribuiu com a alta da inflação, ao registrar elevação de 36,99% (IBGE).  

A inflação de combustíveis é uma opção política adotada ainda no governo Temer e acentuada no governo Bolsonaro ao encurtar ainda mais o prazo de ajustes. Retomando os argumentos levantados, pontua-se que: a) os aumentos dos combustíveis não têm qualquer relação com os custos de exploração do petróleo doméstico e/ou do refino, pois ou eles foram reduzidos, medido em reais, ou com altas muito menores do que a de revenda quando medido em dólar; e b) as refinarias da Petrobras possuem capacidade de refino do petróleo doméstico após o desenvolvimento do pré-sal e aprimoramento das refinarias, não sendo mais válido, portanto, o argumento de que precisamos importar petróleo para refinar, já que 94% do refino é de petróleo doméstico.  

A justificativa para adoção da política de Preço de Paridade de Importação (PPI) seria então: i) formalmente declarada capacidade das refinarias e distribuidoras terem condições de competir no mercado nacional com a Petrobras, já que os custos de produção e refino estão muito inferiores ao preço internacional; e ii) a não declarada priorização pela distribuição de lucros e maximização do valor acionário da empresa. 

Todavia, diante do impacto sobre o custo de vida nas famílias e da aproximação da eleição, as pressões políticas para uma alteração na situação atual têm levado até mesmo o governo Bolsonaro a propor, através do deputado Christino Áureo (PP-RJ) e a despeito da oposição do Ministério da Economia, uma PEC para permitir que a União, Estados e municípios reduzam parcialmente ou totalmente os impostos sobre combustíveis e o gás de botijão em 2022 e 2023, sem a necessidade de haver compensação decorrente da queda de arrecadação com o aumento de outros tributos. Os possíveis tributos a serem potencialmente zerados ou reduzidos são os extrafiscais, tais como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) (Valor). 

Essa PEC apresenta ao menos quatro problemas: i) por ser uma PEC, demanda aprovação de 2/3 da Câmera e do Senado, além de ser uma votação em dois turnos; ii) cria um elevado custo fiscal, estimado pela equipe do Ministério da Economia entre R$ 54 bi e R$ 75 bi, a depender dos benefícios ao setor de energia (Valor); iii) não resolve o problema da instabilidade dos preços, pois atua apenas sobre as alíquotas após o patamar inicial, cuja instabilidade em nada se alterará; e iv) possui validade por apenas dois anos – a partir de 2024 haveria retomada dos impostos com brusca alta. 

Ainda há o risco do não repasse integral da queda dos impostos e posteriormente repasse integral da alta. Isto é possível pelo fato de os combustíveis serem bens com baixa elasticidade (sensibilidade) de demanda em relação aos preços. Ou seja, conforme altera os preços, a demanda não se altera na mesma proporção, dando maior “poder” para os ofertadores (distribuidoras/postos) em relação aos consumidores. 

Uma segunda PEC foi apresentada pelo senador Carlos Fávaro (PSD-MT), a qual visa, além das desonerações dos combustíveis, a inclusão de questões de mobilidade urbana, criar um auxílio diesel de R$ 1,2 mil para caminhoneiros autônomos e ainda propõe aumentar o subsídio ao gás de cozinha para famílias de baixa renda de 50% para 100%. Como fonte de recursos para bancar R$ 17,7 bi, fora das regras fiscais atuais, seriam empregados os dividendos pagos pela Petrobras à União e as receitas do governo federal com leilões do pré-sal, motivos pelos quais, de acordo com o Senador Fávaro, não deveriam estar sob os limites dos tetos dos gastos. Devido as estimativas da área econômica apontarem para uma perda superior a R$ 100 bilhões, essa proposta tem recebido os apelidos de “PEC da Irresponsabilidade Fiscal” e “PEC Kamikaze” (Estadão).

Comparando com a proposta anterior, essa PEC teria como vantagem ter o potencial de ser mais duradoura e parcela da proposta atuar diretamente nas famílias de baixa renda. Como pontos negativos, pode-se elencar o custo fiscal ainda mais alto, proporcionar benefícios a apenas uma classe econômica – a dos caminhoneiros autônomos – e não atuar novamente sobre a volatilidade dos preços. Desta forma, a maior parte da sociedade continuará tendo que pagar pelos preços elevados dos combustíveis. Ainda permanece o problema de ser uma PEC e cuja viabilidade de aprovação é mais baixa, por não contar com apoio do governo. 

Devido aos custos fiscais das propostas anteriores, a própria equipe econômica busca convencer a “ala política” a apoiar o Projeto de Lei (PL) 1.472/2021, de autoria do Senador Rogério Carvalho (PT), que já foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) em dezembro de 2021. Esse PL visa atuar diretamente sobre a volatilidade dos preços dos combustíveis através dos seguintes mecanismos: 

(1) Programa de estabilização dos preços, por meio de um mecanismo de bandas sob administração do governo, com intuito de proporcionar amortecimento da volatilidade temporária dos preços dos combustíveis. Nos momentos em que o preço internacional estiver abaixo do piso da banda, seria formada uma espécie de poupança para compensar os custos para manter os preços no mercado interno dentro do teto quando os custos do mercado internacional estiverem superiores a esse teto.

(2) Uma nova política de preços internos de venda a distribuidores e empresas comercializadoras de derivados do petróleo produzidos no Brasil, cuja variação ocorrerá de acordo com os custos de produção (inflação do país, taxa de juros, preço de refino, entre outros) e não apenas com base no PPI.

(3) Conjunto de possíveis fontes de recursos adicionais, tais como um imposto sobre exportação de petróleo bruto quando a cotação estiver acima de US$ 45, com a alíquota variando entre 2,5% e 20%, a depender do preço. Cabe observar que os impostos serão marginais e incidem apenas sobre as parcelas que ultrapassem as alíquotas base (US$ 45, 85 e 100). Há ainda incentivos de alíquotas quando se destina o petróleo para refinarias domésticas. Outas fontes são os dividendos da Petrobras devidos à União; participações governamentais destinadas à União, resultantes tanto do regime de concessão quanto do regime de partilha de produção; resultado positivo apurado no balanço semestral do Banco Central do Brasil (BCB) da gestão das reservas cambiais; e receita de superávit financeiro de fontes de livre aplicação disponíveis no balanço da União. 

Há ainda o PL 3.450/2021, do senador Jader Barbalho (MDB-PA), que está em análise no Senado. O texto traz como objetivo central a proibição da vinculação dos preços dos combustíveis derivados de petróleo aos preços das cotações do dólar e do barril de petróleo no mercado internacional, ou seja, a utilização do PPI (Senado Notícias). 

Uma comparação entre o PL 1.472/2021 e os primeiros são evidentes. Não representam o custo da renúncia fiscal e focam na raiz do problema, que é a elevada volatidade dos preços e patamares muito acima dos custos de exploração e refino. Ter como fontes importantes dos recursos a própria poupança em momentos que os preços internacionais estiverem abaixo do piso das bandas e impostos das exportações quando a cotação estiver mais elevada, são pontos positivos do projeto. Tenho dúvidas se as demais fontes propostas e que foram incluídas por meio de emendas não poderiam ser mais bem empregadas. Em todo o caso, a utilização de recursos do balanço do BCB e de outras receitas financeiras são potencialmente menores do que os impactos da elevação dos juros na rolagem da dívida, pois o próprio BCB calcula que a cada 1 p.p. na elevação dos juros há o impacto em R$ 34,7 bi na dívida líquida sobre o PIB. 

Já em relação ao PL 3.450/2021, ao proibir a adoção do atual PPI, em princípio resolveria também os pontos mais relevantes de patamar e volatilidades dos preços sem ter a necessidade de empregar subsídios, uma vez que parcela da oferta no mercado interno se dá pelo setor privado, seja através de distribuidoras que importam diretamente os derivados do petróleo, seja pelas refinarias privadas. Por outro lado, a interrupção do PPI no cenário presente, sem que haja uma estratégia do governo para reorientação da Petrobras, no sentido de voltar a investir em refinarias e de capacitação para sustentar a oferta interna, pode trazer instabilidades para a dinâmica atual da oferta de derivados do petróleo.  

Diante do exposto, entendo que a melhor estratégia para o atual contexto seja a aprovação do PL 1.472/2021, mas que no médio para longo prazo se reestruture o setor de refino e distribuição no sentido de que a economia não fique refém do setor privado ser competitivo com os preços da Petrobras. Se a presença do setor privado traz mais prejuízos ao país, pela incapacidade de concorrer com a oferta de derivados de petróleo com a Petrobras, caso esta baseasse seus preços em seus custos, cujo petróleo importado é a menor parte do refinado, seria melhor ter apenas a estatal. Caso o setor privado queira permanecer no mercado, teria que investir em novas refinarias, ampliando a capacidade de refino do país compatível com o petróleo explorado internamente. Contudo, estratégias de investimento que envolvam maior prazo de retorno e risco, não parecem ser a predileção do nosso setor privado e, portanto, vislumbro essa possibilidade com pessimismo. 

Fonte: Portal do jornal Sul 21.

Autor