Vacinação de crianças: uma onda de empatia necessária
Precisamos lotar as redes sociais com fotos de nossas crianças sendo vacinadas. É fundamental evitar que o vírus circule livremente entre as crianças, pois a ciência sabe que pessoas não vacinadas são as maiores fontes de mutações.
Publicado 12/01/2022 18:54 | Editado 12/01/2022 21:12
A carga da covid-19 não é negligenciável para as crianças. Segundo os boletins epidemiológicos publicados no site do Ministério da Saúde, para a faixa etária 0 a 19 anos, o número de óbitos em 2020-2021 é de 2.625, o que implica em uma média de quatro óbitos por dia. Foram 791 óbitos na faixa etária menor que 1 ano, 397 na faixa de 1 a 5 anos e 1.437 na faixa de 6 a 19 anos. Além disso, temos mais 3.327 óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) com causa não especificada, o que pode incluir óbitos por covid-19. É importante observar, no entanto, que os dados totais de óbitos estão desatualizados, visto que somando os óbitos em todas as faixas etárias para 2020-2021, a soma é 564.506, quando hoje temos 620.281 pelo consórcio de imprensa (diferença de 55.775 óbitos).
Os dados estão desatualizados desde que o Ministério da Saúde sofreu um suposto ataque hacker ao Conecte SUS que ninguém até agora conseguiu desvendar. A falta de dados e transparência deixa o país sem saber a real gravidade da pandemia no momento.
Dados de óbitos de crianças
Um levantamento do UOL junto a cartórios de registro civil do país traz dados sobre óbitos de crianças na faixa etária de 5 a11 anos causados por covid. Conforme a Tabela 1, foram 324 óbitos. Os dados foram retirados do portal da transparência da Arpen-Brasil (Associação de Registradores de Pessoas Naturais).
Tabela 1. Óbitos de crianças por idade no Brasil em 2020/2021 causadas por covid-19
A Tabela 2 mostra uma estimativa da população brasileira por faixa etária para o ano de 2022. O total de crianças e adolescentes na faixa etária de 5 a 11 anos corresponde a 10% da população brasileira e na faixa de 0 a19 anos, a 28% da população. Os jovens de 18 e 19 anos já estão sendo vacinados, assim como os adolescentes de 12 a17 anos, 8% da população.
Tabela 2. Estimativa da população brasileira por faixa etária em 2022
Nós não podemos admitir crianças morrendo por covid-19, quando temos à nossa disposição vacinas que evitam formas graves da doença. É inadmissível crianças sendo hospitalizadas e vindo a óbito por uma doença prevenível por vacina.
Segundo um levantamento do Instituto Butantan, na faixa de 0 a 11 anos o número de óbitos é de 1.449 mil crianças. Muito ao contrário do que apontam os números frios, são pais, mães, avós e familiares sofrendo com a perda dessas crianças. Cada uma delas tinha sonhos, tinha um futuro. Muitas não tinham nenhum tipo de doença, até que a covid chegou e com ela o negacionismo, o obscurantismo, os antivacinas, os criadores de fake news assassinas.
A Anvisa aprovou a vacina pediátrica da Pfizer/BioNTech
A vacina pediátrica da Pfizer/BioNTech foi testada em quase três mil crianças de 5 a 11 anos, com eficácia de mais de 90% e sem efeitos colaterais diferentes dos observados para qualquer outra vacina infantil. A vacinação infantil é recomendada pelas sociedades brasileiras de Pediatria, Pneumologia e Tisiologia, Imunologia, Imunizações, Infectologia, Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, Associação Médica Brasileira, Conselho Nacional de Secretários da Saúde, Câmara Técnica de Assessoramento em Imunizações, Associação Brasileira de Saúde Coletiva, e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde.
A OMS concluiu que os benefícios das vacinas de mRNA, em todas as idades, superam o risco da infecção pela covid-19. Inúmeros órgãos e sociedades científicas e médicas internacionais também incentivam a vacinação na faixa etária pediátrica, não apenas para prevenir a doença, mas também para conter a transmissão do vírus. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e as sociedades científicas brasileiras também defendem a vacinação de crianças.
Não caia nas fake news espalhadas nas redes sociais pelos negacionistas e ativistas antivacina. Esses negacionistas representam o gabinete do ódio, que espalha fake news e desinformação que mata. O atraso em vacinar nossas crianças é uma negação absolutamente inacreditável e inaceitável da ciência. As campanhas para desacreditar as vacinas, que estão salvando milhões de vidas, são criminosas.
Vacinação de crianças e a tal consulta pública
Desde a aprovação da Anvisa, já se passaram 26 dias. Poderíamos estar vacinando e protegendo nossas crianças. Não estamos porque o Ministério da Saúde não havia comprado as vacinas, porque resolveu fazer uma consulta pública para agradar as bases negacionistas e colocar em pé de igualdade, cientistas e médicos sérios que defendem a vida, a ciência e as melhores evidências científicas, e um grupo de charlatães que se posicionam contra a ciência, contra as evidências científicas, que defendem pseudociência e achismos. Isso significa colocar no mesmo espaço cientistas respeitados com os reis e rainhas das teorias da conspiração; a Ciência contra a pseudociência e barbárie. O contraditório é importante, mas o que esses negacionistas defendem, criando e espalhando fake news, assusta e preocupa a população. As falas dos antivacinas na consulta pública foram um verdadeiro show de horrores, quando, infelizmente, eles tiveram a oportunidade de espalhar mentiras e distorcer dados usando uma plataforma que o governo federal ofereceu para pessoas irresponsáveis que se opõe a vacinas por questões comerciais, religiosas ou ideológicas.
Obrigatoriedade de vacinação de crianças
Ninguém pode cercear o direito à vacinação de crianças, garantido pela Lei 8.609 de 1990, como disposto no artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
Artigo 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos.
§ 1º. É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 13.257, de 2016).
Nós esperamos outra postura de compromisso com a saúde de nossas crianças e adolescentes por parte do Ministério da Saúde, que deveria estar orientando a população, organizando campanhas nacionais de esclarecimento e conscientização da sociedade nas várias mídias, em horário nobre.
Independentemente de quem é considerada a autoridade sanitária no ECA, se a Anvisa ou se o Ministério da Saúde, após inclusão da vacina no Plano Nacional de Imunizações (PNI) e no calendário vacinal pelo Ministério da Saúde, a vacinação das crianças dependerá de conscientização coletiva, de esclarecimento e informação para que pais, avós e responsáveis entendam a sua importância. Caso não tenhamos alta adesão, como estamos em situação de grave crise sanitária com a pandemia, pode ser necessária a obrigatoriedade da vacinação de crianças.
Covid-19 também causa sequelas irreversíveis
Crianças com covid podem precisar de hospitalização, podem ter casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) associada à covid-19, apresentar sintomas persistentes e covid longa, o que pode prejudicá-las por toda a vida, podem ter sequelas irreversíveis, neurológicas, respiratórias, cardiovasculares e outras complicações, crianças podem morrer. A Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P) é uma grave complicação da infecção pelo Sars-CoV-2 em crianças, uma condição que gera inflamações em diferentes partes do corpo, incluindo coração, pulmões, rins, cérebro, pele, olhos ou órgãos gastrointestinais. As crianças também podem transmitir o vírus para outras crianças, para pais, avós, que moram no mesmo lar, pessoas que têm comorbidades.
Hoje temos cerca de 76% da população vacinada com a primeira dose, aproximadamente 68% estão imunizados e pouco mais de 14,4% tomaram a dose de reforço.
Precisamos vacinar cerca de 90% da população brasileira com todas as doses necessárias para nos proteger de todas as variantes, além de manter as medidas não farmacológicas – uso de máscaras, distanciamento físico, evitando locais fechados e com pouca ventilação. Para atingir esse percentual, precisaremos de alta cobertura vacinal em nossas crianças. Assim, todas as crianças poderão voltar às escolas sem medo.
A imunização da faixa etária de 5 a 11 anos, que corresponde a aproximadamente 10% da população (Tabela 2), vai colaborar com a mitigação de formas graves e óbitos por covid-19 nesse grupo, reduzirá a transmissão do vírus e será uma importante estratégia para que as atividades escolares retornem ao modo presencial.
Precisamos continuar esclarecendo a população brasileira sobre a importância de tomar a dose de reforço e de vacinar nossas crianças. As populações mais vulneráveis são as mais afetadas e não têm acesso à informação qualificada que salva vidas.
É fundamental evitar que o vírus circule livremente entre as crianças, pois a ciência sabe que pessoas não vacinadas são as maiores fontes de mutações. Só assim poderemos evitar o surgimento de uma variante mais perigosa e agressiva para as crianças que, ao serem infectadas, podem funcionar como um reservatório para o Sars-Cov-2.
Enquanto o mundo não for vacinado e as pessoas continuarem a não usar máscaras e aglomerando, nós vamos conviver com variantes e teremos que tomar mais doses de vacinas. Isso é tudo que os antivacinas querem para continuar dizendo que as vacinas não são eficazes. As vacinas estão salvando milhões de vidas, mas elas oferecem uma das camadas de proteção.
Nós sabemos que nenhuma vacina protege 100% e podem surgir casos isolados onde houve falha vacinal. Os antivacinas e os negacionistas sempre vão usar estes casos isolados. Nós vamos salvar mais vidas e proteger mais as crianças com a vacinação em massa, então, deixemos nossas crianças fora dessas questões ideológicas.
Vamos criar uma onda de empatia! Assim que nossas crianças começarem a ser vacinadas, vamos espalhar fotos nas mídias sociais. Isso vai contagiar pais, mães e avós a vacinar mais crianças.
Luiz Carlos Dias é Professor Titular do Instituto de Química da Unicamp, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro da Força-Tarefa da UNICAMP no combate à Covid-19.