Lutando pelo direito à educação e a dignidade

A História de Antônio Ferreira de Lima

Antonio Lima, com sua esposa na porta de sua casa, dedicou sua vida à luta em defesa da educação.

No Brasil, existe uma frequente falta de divulgação e reconhecimento de boas ações no âmbito histórico, em diversas situações indivíduos de bom caráter e de boas atitudes são relegados ao ostracismo. Em Pernambuco, no começo do século 20, um cidadão de origem humilde teve a iniciativa e a coragem de ir contra as práticas comuns à região àquela época e levar esclarecimento e busca pela independência a um povo oprimido e explorado.

Antônio Ferreira de Lima foi um desses, militante comunista, homem simples, em parte autodidata, servidor público, vereador, nascido no município de Quipapá/PE em 1914, filho de Antônio Ferreira e Antônia Alves de Lima, humildes trabalhadores do campo. Desde pequeno, para ajudar os pais, trabalhou na lavoura, junto ao homem do campo, fato que acabou incentivando-o, assim, ao amor à terra e à sua preservação.

Quipapá nos dias atuais

Ainda cedo, aos 17 anos, ingressou no serviço público como porteiro na prefeitura municipal de Quipapá, recepcionando e orientando todos os que buscassem tratar algum assunto no local, pelo seu perfil de trabalho e conduta, apenas um ano mais tarde, foi nomeado, por merecimento, através do Ato n° 18 datado de 16.11.1932, para o cargo de Fiscal Geral de Arrecadação, Obras Públicas e Mercado, onde, por natureza do oficio, em contato com a população rural residente nos engenhos, usinas, povoados e distritos, pôde constatar a situação de penúria e miséria em que se encontrava aquele povo, vítima da ganância desmedida dos fazendeiros, usineiros e grandes proprietários de terras da região.    

Trabalho social e educacional, e entrada na vida política

Assim, incentivado pelo trabalho social e pela necessidade de esclarecer e conscientizar os habitantes da região sobre seus legítimos direitos, com o intuito de libertá-los da semiescravidão psicológica e mental em que se encontravam, fundou a Associação Beneficente São Judas Tadeu, entidade filantrópica educacional, sem fins lucrativos, que tinha como objetivo assistência gratuita e ensino fundamental às famílias carentes da região. Sendo o pioneiro no município a exercer o trabalho de alfabetização de adultos. Devido ao conhecimento adquirido por meio de seu próprio estudo, pois possuía uma pequena biblioteca em casa, atuava como “advogado de oficio”, resolvendo casos e ações gratuitamente para aqueles que não podiam contratar um advogado. Como diretor de instrução primária, estendeu o trabalho para os demais distritos em todo o município, fato que posteriormente o faz entrar na vida política, sendo eleito vereador pelo voto popular, durante três mandatos.

Antônio a esquerda de paletó branco em reunião politica

Pelo seu passado de educador do povo e, consequentemente, de desagradar aos poderosos da região, em 1964, na ocasião do golpe militar, foi preso em 3 de abril, apenas três dias após ao golpe, de maneira arbitrária e violenta, tendo sua residência saqueada por agentes civis e militares, fato presenciado por sua esposa e 10 (dez) filhos crianças a adolescentes, foi arrastado para a praça pública, tendo sido obrigado a desfilar sem camisa , sem cinto, segurando as calças com as mãos, exposto à curiosidade popular, e sofrendo toda a sorte de humilhações.

Nos porões da ditadura

Depois disso, Antônio foi brutalmente conduzido como “delinquente político” (termo utilizado à época para designar aqueles que eram contrários ao “regime”, porém não havia cometido nenhum ato que o justificasse ser utilizado), para a Delegacia Auxiliar da Secretaria de Segurança Pública, sediada na rua da Aurora, no Recife/PE, onde ficou incomunicável no “Brasil novo” em uma cela exígua, fétida e úmida, por um período de aproximadamente trinta (30) dias, sendo submetido aos mais cruéis tipos de torturas físicas e psicológicas, aplicadas naquela época,  como  surras, choque elétrico, “pau-de-arara”, “telefone”, “corredor polonês”, “cadeira do dragão”, além de constantes ameaças de morte. Durante este período, era constantemente obrigado a prestar exaustivos depoimentos, momento em que lhe mostravam insistentemente listas intermináveis de nomes, panfletos, fatos e fotos de pessoas desconhecidas, para que sob a pressão das sevícias pudesse denunciar os companheiros de militância política. Sempre sob acusação de exercer “atividades subversivas”, como disposto na Lei de Segurança Nacional, uma doutrina utilizada pela ditadura militar para destruir os verdadeiros patriotas, aniquilar o Estado e a democracia nacional.                                                   

A prática de arbitrariedades, foi confirmada pelo ex-prefeito do município de Quipapá, também preso político, Sr. Athos de Vasconcelos Costa, que teve seu mandato cassado pela ditadura e foi encarcerado na mesma época, e pôde presenciar o estado deplorável em que se encontrava o colega de cárcere, durante o tempo em que permaneceu trancado nas masmorras da ditadura militar; “ele estava visivelmente esquálido, trêmulo, desfigurado, expondo hematomas generalizados, andar cambaleante, sem voz, mostrando-me constantemente as mãos e os pés macerados, como prova dos atos de selvageria a que fora bestialmente submetido”.

Em virtude das arbitrariedades e intensas perseguições sofridas, Antônio teve sua vida profissional e afetiva totalmente inviabilizada, não mais pôde exercer suas atividades advocatícias, marcado como preso politico, também fora afastado da vida publica. Decide então se mudar para o Recife onde vem a falecer aos 52 anos, dois anos após sua prisão, em consequência das sequelas provocadas pelas torturas a que fora submetido durante o tempo em que permaneceu encarcerado, deixando sua viúva, 12 filhos e netos.

Filhos e Esposa em frente a casa construída com as próprias mãos

O Legado

Diante do exemplo dado pelo pai e avô, de educador e conscientizador, a maioria de seus filhos seguiu pelo caminho da educação, 8 de seus filhos e filhas se tornaram educadores, 16 de seus netos e netas concluíram o ensino superior, dentre os quais 7 são educadores, havendo nas duas gerações doutores e pós-doutores. Buscando passar para as futuras gerações o desejo por uma sociedade mais justa, igualitária, mais solidária, onde não mais se utilize o outro como um objeto, mas sim busque torná-lo autor da transformação de sua própria realidade.

“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor. Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (Paulo Freire).

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