Como Bolsonaro e a pandemia agravaram a desigualdade social no Brasil
Últimos anos foram marcados pela volta ao mapa da fome, pelo aumento da pobreza e por retrocessos na educação
Publicado 03/01/2022 17:34
Sob o governo Jair Bolsonaro e a pandemia de Covid-19, os mais graves problemas brasileiros pioraram ainda mais. É o que avaliam especialistas ouvidos pela DW Brasil, em meio a dados sobre o avanço da desigualdade social. Os últimos anos foram marcados pela volta ao mapa da fome, pelo aumento da pobreza e por retrocessos na educação, entre outros males.
Para o historiador Marcelo Cheche Galves, professor da Universidade Estadual do Maranhão, a desigualdade social brasileira “se tornou mais imoral ainda em um ambiente de pandemia sob um governo de extrema direita”. O caso da fome é emblemático. De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, 55% da população brasileira vive hoje em situação de insegurança alimentar.
“A pobreza é um componente de qualquer país capitalista. A questão são os níveis de pobreza minimamente aceitáveis”, argumenta. “De que maneira governos que se sucedem assumem ou não compromissos mínimos no combate a essa desigualdade?” Com Bolsonaro, as chamadas “políticas públicas permanentes” foram “brutalmente interrompidas”. Como a fome não espera, ele cobra uma “retomada imediata e a ampliação dessas políticas públicas de redistribuição de renda”.
O jornalista, economista e cientista político Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), vê a “questão social de pobreza e crescimento da fome” dentro de um contexto de “crise política e descrença nas instituições”. O quadro, a seu ver, “dá margem a uma série de violências e também a discursos populistas. E 2022 vai ser decisivo porque veremos como vamos lidar com isso. A população vai votar com todos esses riscos institucionais que Bolsonaro representa. Vamos ver se a escolha será pela civilidade ou pela barbárie”.
O sociólogo e cientista político Rodrigo Prando, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie contextualiza as mazelas brasileiras a partir da própria formação histórica do país. “Economicamente, [o país foi construído por] essa estrutura social de grandes propriedades de terra, escravidão e monocultura voltada para a exportação”, enumera. “Em termos econômicos, isso fez com que o Brasil se tornasse um país pobre, extremamente desigual.”
Além disso, por conta do passado colonial e pré-republicano, o país teve um capitalismo tardio, industrializando-se apenas em meados do século 20. “Assim, a sociedade brasileira se desenvolveu ao longo do século 20. E não houve distribuição de renda: a concentração continuou nas mãos de uma elite”, pontua. “Resultado: o Brasil ainda apresenta extrema pobreza em algumas regiões e uma desigualdade enorme. Em uma pista de corrida, a esfera econômica avançou, mas a cultura e a educação não se desenvolveram na mesma velocidade”, diz ele.
Nesse sentido, a educação precária perpetua um sistema deficitário. “A pandemia não mostrou nada de novo, apenas agudizou a situação – os problemas que temos ao longo do tempo”, comenta Prando. “As crianças pobres das escolas públicas foram mais prejudicadas do que as crianças ricas das particulares, as regiões Norte e Nordeste tiveram crescimento menor do que o Sudeste, os negros foram mais atingidos pela Covid e morreram mais. Isso explicitou uma estrutura social bastante desigual.”
Para o pesquisador David Nemer, professor da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, e autor do livro Tecnologia do Oprimido: Desigualdade e o Mundano Digital nas Favelas do Brasil, os problemas do Brasil atual têm como base o acesso à educação. “Infelizmente, temos uma educação, a pública e até mesmo a particular, muito precarizada”, diz.
“As soluções apresentadas pelo governo para resolver esse problema são péssimas. O governo pensa em militarizar a educação, o que é inconcebível. Outra agenda que os bolsonaristas e parte do Congresso tentam o tempo todo passar é a do homeschooling (ensino domiciliar)”, agrega. Nemer avalia que isso é uma maneira “de o governo retirar verba das escolas públicas”, delegando às famílias a responsabilidade financeira do ensino. “E isso é obrigação do Estado, não adianta”, acrescenta.
Um terceiro movimento que ele vê é o da “evangelização da educação”. O atual ministro da Educação, Milton Ribeiro, é pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil. “A educação tem de ser para pensamento livre, crítico o tempo todo, não imposto”, defende Nemer. “Mas são essas as soluções que este governo pensa”, diz o pesquisador, para quem o acesso ao ensino é a ponta de um iceberg. “A maioria que estuda em escola pública não tem segurança alimentar, não tem segurança física, vive em área de risco e o Estado o tempo todo negligencia essas pessoas”, afirma. “A educação precária sustenta o círculo vicioso da desigualdade social.”
Com informações da DW Brasil