Adeus a Lya Luft causa comoção no Rio Grande do Sul
Manuela D’Ávila usou suas redes sociais para prestar solidariedade aos familiares e amigos da escritora. Poeta Fabrício Carpinejar afirma que, para os gaúchos, sentimento é equivalente a perder Érico Veríssimo novamente.
Publicado 30/12/2021 18:57 | Editado 30/12/2021 20:18
Gerou comoção no meio literário e, particularmente, no Rio Grande do Sul o falecimento da escritora gaúcha Lya Luft, aos 83 anos, nesta quinta-feira (30/12). A autora, projetada nacionalmente em 1980 com o romance “As parceiras” e que ganhou ainda maior notoriedade com o best-seller “Perdas e Ganhos”, de 2003, enfrentou durante os últimos sete meses um melanoma, câncer descoberto quando já estava em metástase. Segundo informou ao G1 a filha dela, Suzana, Lya faleceu em sua casa, em Porto Alegre, quando dormia.
A escritora era casada com Vicente de Britto Pereira, seu terceiro marido. Do matrimônio com Celso Pedro Luft, teve três filhos. Além de Suzana, de 1965; ela teve André, em 1966; e Eduardo, em 1969. Nascida em Santa Cruz do Sul e filha de descendentes alemães, após ter cursado o então Ensino Primário e o Científico na cidade dela, Lya passou um ano em Porto Alegre, em 1955, fazendo a Escola Normal no Colégio Americano, retornou para Santa Cruz do Sul para concluir a Escola Normal e voltou à Capital para cursar faculdade em 1959.
Concluiu o curso de Letras Anglo-germânicas em 1963 na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Foi tradutora de livros do inglês e do alemão. Entre os autores que trouxe para o português estão Virginia Woolf, Rainer Maria Rilke, Doris Lessing e Thomas Mann. Publicou o primeiro dos seus 31 livros, “Canções de Limiar”, em 1964. Fez mestrados em Linguística, também na PUC-RS, em 1975, e em Literatura Brasileira, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1978. Entre 1969 e 1982, atuou como professora de Linguística na Faculdade Porto-Alegrense (FAPA).
A Academia Rio-Grandense de Letras divulgou nota em que lamenta profundamente o falecimento da escritora. “Há poucas semanas, na entrega do prêmio literário de nossa entidade, tivemos a oportunidade e outorgar a Lya o título de Escritora do Ano 2021, pelo conjunto da sua obra. Nossa homenagem chegou em tempo e alegrou seus últimos dias, servindo como singela lembrança de uma estupenda contribuição para a literatura brasileira, firmada ao longo de seis décadas da mais pura devoção à palavra escrita, nos mais diversos gêneros. Sua poesia e a agudeza com que soube capturar a essência humana jamais serão esquecidas”, diz o comunicado da ARL.
A escritora Martha Medeiros usou as suas redes para lamentar a morte da amiga, em mensagem na qual menciona comentário de Lya durante o velório do filho André, que sofreu uma parada cardíaca quando surfava: “Desde As Parceiras, seu primeiro romance, fiquei fã. Assim que nos conhecemos pessoalmente, ela me deu o livro Mulheres Que Correm Com os Lobos de presente, como se fosse o meu passaporte para uma confraria de autoras pensantes. Desde então, trocávamos mensagens, e-mails, WhatsApp’s, sempre atentas uma com a outra. Estive com ela algumas vezes e nunca saí de mãos abanando de nossas conversas, ela sempre tinha uma palavra positiva e uma irreverência a ofertar. Quando seu filho André faleceu, fui até ela. Ao lado do caixão, ela me olhou e disse, daquele jeito sem meias palavras: ‘Martha, a morte é uma merda’. É verdade, Lya. Sentiremos muita saudade de você. RIP”.
Segundo declaração do poeta Fabrício Carpinejar em suas redes, Lya Luft suportava a vida sem se submeter, aceitava a vida sem se humilhar, entregava-se à vida sem renunciar a si mesma. “Para quem não entende a gravidade desses sinos tocando em Porto Alegre na manhã desta quinta-feira (30/12), é como perder Erico Veríssimo de novo. É se despedir de uma joia da literatura intimista. É um vazio insubstituível”, descreveu o poeta em artigo no portal do Zero Hora.
Manuela D’Ávila usou as suas redes sociais para prestar solidariedade aos familiares e amigos da escritora.
“O grande legado da Lya Luft é justamente deixar para próximas gerações um tipo de literatura muito profunda sem os cacoetes regionais, que a colocam num patamar de universalidade. Justamente por tratar dessas grandes questões, como a morte, amor, as relações familiares, os traumas. São personagens muito profundos e potentes. A partir dos anos 2000, a gente percebe outra Lya Luft, que perde um pouco o vigor na sua obra ficcional. Títulos como Perdas e Ganhos, por exemplo, já não têm a mesma força dos romances iniciais. Ela também assume postura bastante conservadora em relação à política. O que não apaga a importância dela enquanto escritora que deixa um legado muito importante não só para a literatura gaúcha, mas também nacional”, declarou o escritor Jeferson Tenório ao Zero Hora.
Em entrevista concedida à Folha de S. Paulo em 2020, a escritora mostrou-se arrependida por ter votado em Jair Bolsonaro para a Presidência da República. “Parece que vivemos uma ditadura branca, uma coisa estranha, onde ele [Bolsonaro] decreta e tem que ser como ele quer. Mesmo em assunto em que ele não entende [novo coronavírus], quando estão morrendo milhares de pessoas. Essas distrações dos líderes na sua própria cobiça, a distração do sofrimento das pessoas, estão me deixando muito muito entristecida, é preciso cuidar das pessoas”, lamentou.
Com informações do Zero Hora, do G1 e da Folha de S. Paulo.