Biografia de Dynéas Aguiar descreve o raro e sempre necessário quadro comunista
Lançamento do livro “Vida Militante: Dynéas Aguiar, no Subterrâneos da Liberdade” foi homenagem ao biografado, mas também ao historiador e autor Augusto Buonicore pelo legado que ambos deixaram para o Partido.
Publicado 28/12/2021 11:11 | Editado 28/12/2021 20:43
Nem biógrafo, nem biografado puderam comparecer ao lançamento da obra Vida Militante: Dynéas Aguiar, no Subterrâneos da Liberdade. Por isso, mesmo, o lançamento da noite de 14 de dezembro, na TV Grabois, foi uma homenagem aos dois. Dyneas se foi, há oito anos, aos 81 anos de idade, enquanto Augusto Buonicore faleceu, ainda no comecinho da pandemia, em março de 2020, em decorrência de um câncer, deixando entre os queridos, e o vasto legado de pesquisa historiográfica, esta biografia.
Como lembra o historiador Fernando Garcia, na abertura do lançamento, os argumentos de Dynéas para não ser biografado iam do receio de se sobrepor ao Partido Comunista do Brasil, ao receio de cometer erros. Para Fernando, quanto para Augusto, ainda que ele cometesse erros no fim da vida, a sua ainda seria uma grande biografia.
No centro da biografia está o homem que colocava o Partido acima de sua biografia. De acordo com Fernando, Augusto se foi com a curiosidade que tinha de saber o que a militância comunista jovem encontraria de aprendizado na vida deste homem generoso e dedicado. A companheira Sônia Oliveira e a mãe Dolores Buonicore participaram da homenagem. Da família de Dynéas, participaram os filhos Dilair e Elisa Tininha. Todos trouxeram o calor da emoção de ter vivido o temperamento peculiar e raro de homens dedicados e compreensivos com o humano e sua luta pelo melhor do mundo.
Assista à íntegra do lançamento na TV Grabois:
Honrar os heróis
A presidenta do PCdoB e vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, encontrou um espaço rápido na agenda de votações na Câmara dos Deputados para fazer sua homenagem a Augusto e Dynéas. Ela salientou o fato de ter tido o privilégio do convívio com Dynéas no início de sua militância estudantil, já que ele acompanhava o trabalho de base na UFPE. “Ele foi uma presença muito marcante na minha história militante pela preocupação em formar-nos ideologicamente”.
No momento em que o Partido Comunista se aproxima das celebrações de seu centenário, a dirigente considera que o lançamento da biografia vem carregada de simbolismos, além de lembrar os momentos preciosos da convivência com estas lideranças.
Para ela, é um livro cheio de simbolismo por ser um dos últimos trabalhos do Augusto Buonicore na preservação da história do partido. “Aproveito para parabenizar o esforço da equipe do CDM, sobretudo neste momento do centenário do Partido”, enfatizou.
“É simbólico também pelo momento da história do nosso partido e de todo uma geração de militantes que esta biografia carrega consigo”, acrescentou.
Luciana observa como a trajetória de Dynéas está sempre associada à juventude pela sua atuação carismática desde a União da Juventude Comunista. “Passear por esse livro nos permite ficar mais próximos do camarada e compreender a construção de pensamento deste homem que doou sua vida à causa do socialismo, sem vacilar. É um livro necessário e quase obrigatório para todos que sonham com outro Brasil”, declarou.
“Leiam o livro, usem as redes sociais para conversar sobre nossa história e as curiosidades e momentos mais interessantes. Nossa história é linda, rica e sobretudo viva. Vamos fazer ela chegar a mais corações e mentes país afora. É desse jeito que a gente honra o legado de Dyneas, Amazonas, Helenira, Pomar, Arroyo, Elza e tantos outros camaradas”, concluiu.
O legado de Augusto Buonicore
O secretário de Comunicação do PCdoB, Adalberto Monteiro, é o autor do posfácio que destaca a obra de Augusto e seu legado erudito da história e trajetória do PCdoB, – assim como da complexa biografia do líder comunista João Amazonas -, sobre os quais teria muito a contribuir ainda com seus 59 anos. “Augusto lança luz, – e que intensidade de luz! -, sobre a trajetória de vida e luta de Dyneas; enaltece esse grande brasileiro, que, com talento, muito trabalho e resiliência deixou um legado a seu país, à classe trabalhadora e a seu partido, ao qual dedicou a fortuna que possuía, a sua vida”, diz Adalberto.
Ele lembrou que o dirigente comunista, Renato Rabelo, que conviveu com “o Careca” na clandestinidade dos anos 1970, o considera um dos grandes construtores do Partido Comunista do Brasil. Ao relatar aspectos da juventude, o posfaciador menciona com o livro diz muito da militância de Dyneas, tanto quanto do legado intelectual de Augusto. O escritor mostra em seus inúmeros textos que estava focado em enfrentar os desafios e problemas da revolução brasileira e a construção do socialismo no Brasil. A Fundação Maurício Grabois ainda deve publicar o livro de Augusto, Retalhos Vermelhos.
Mulheres de uma vida
Sônia mencionou a emoção, a alegria e a clareza do dever de estar no lançamento da obra. Para ela, trata-se de divulgar algo que Augusto valorizava muito, a história do PCdoB. “Que ele sirva como um instrumento de organização das lutas, augusto valorizava que.o conhecimento não fosse algo diletante, mas para organizar o movimento, produção de consciência, aprofundar conhecimento e possibilitar reflexões para compreender alem do imediato”.
Descrever a biblioteca gasta e eclética de Augusto é revelar a dimensão erudita e intelectual deste homem que aparece nas fotos de família sempre com um livro na mão. Foi assim que sua companheira de vida relatou sua dinâmica cotidiana e familiar, sempre presente e participativo, apesar da leitura constante.
Sônia também relata como eram os encontros com Dynéas para recolher os relatos da história do Partido, com a memória prodigiosa dele, e a parceria na tentativa de fazer um trabalho rigoroso de apuração para constituição do Centro de Documentação e Memória (CDM) e da Escola Nacional do PCdoB. “Augusto insistia que não podíamos deixar de escrever esta história”. Ela também menciona a “sede” de Augusto de fazer tudo que era possível, “enquanto há essa relativa liberdade”, considerando os longos períodos e clandestinidade e perseguição ao Partido.
Dolores foi sucinta em dizer o quanto se emociona com as homenagens e a necessidade deste livro vir a público pois “a história do Dynéas é muito bonita, que precisa ser conhecida pela juventude”.
Um homem raro
O “quadro comunista”, como era Dynéas, é algo difícil de ser encontrado. Com essa asserção, o advogado e dirigente do PCdoB, Ronald Freitas, fala como um partido com essas características valoriza quadros orgânicos como aquele. “Dynéas é um exemplar acabado dessa espécie que eu chamo de homo leninista, o quadro profissional partidário, disponível para tocar a tarefa que lhe é atribuída em suas dificuldades. Humilde para compreender que realizada a tarefa ele c cumpriu uma missão e isso não lhe credita galardoes ou reconhecimentos”, define Ronald, salientando como esse tipo de quadro é importante para períodos de defensiva estratégica e tática, como a que vivemos.
Por outro lado, ele observa que a trajetória de Dynéas, desde 1932, atravessou guerras mundiais, duas ditaduras, a esfuziante Belle Epoque juscelinista, portanto uma época muito instigante da história brasileira, em que ele contribuiu como parte da terceira geração de dirigentes comunistas. Tudo isso retratado na biografia, como sua travessia por períodos interessantes como o suicídio de Getúlio Vargas, a resistência à eleição de Jânio Quadros e ao golpe contra João Goulart.
Entre os traços destacados por Ronald, como a sensibilidade social, a altivez diante dos exploradores, a abnegação à causa se destaca pela disciplina partidária que ele considerava fundamental ao quadro leninista. “Valores forjados na resistência a regimes autoritários com método de trabalho e no trabalho em equipe para garantir a produtividade política”, resume.
Na opinião de Ronald, além das qualidades subjetivas do carisma e da têmpera, Dynéas dispunha de qualidades “objetivas, realizáveis, mensuráveis” na sua tarefa de direção em sua capacidade de organização e formação partidária.
Ronald ainda aponta momentos marcantes da biografia de Dynéas, que revelam o caráter do homem comunista em momentos de controvérsia diante de encruzilhadas históricas.
O dirigente comunista concluiu lendo um trecho do prefácio que escreveu ao livro: “Essa biografia, se lida com a merecida e devida atenção, é um importante manual de teoria política aplicada, tanto em suas dimensões estratégicas, quanto táticas. Ela percorre um longo período histórico de meados do século XX, até a primeira década do século XXI, e nos conduz através da rica, abnegada, e, em certo sentido, heróica vida de Dynéas, às várias formas em que a luta política e ideológica se apresentou naqueles períodos. Como os comunistas evoluíram diante das transformações objetivas e subjetivas pelas quais passaram o mundo e o Brasil, nos ajudam a entender os porquês da atuação partidária hoje. Nesse rico processo de aprendizado, as contribuições de Dynéas foram significativas. Esse foi Dyneás: o ativista e líder estudantil, o organizador e reorganizador partidário, o internacionalista e um grande educador”.
Facetas do pai e formador político
Do lugar privilegiado que ocupou na vida de Dynéas, Dilair Aguiar faz um curioso relato sobre a biografia do pai. Vivendo no silêncio e na obscuridade da clandestinidade da ditadura, ao ler o texto de Augusto, ele descobre muito sobre o pai que não conhecia. Esse relato é particularmente pessoal para Dilair, pelo que a biografia traz de singelo no relato da vida cotidiana, familiar e subjetiva do dirigente comunista.
O temperamento do homem de partido comparece no olhar compassivo com os desafios da realidade, conforme lidava com paciência e dava tempo a que as crises amadurecessem para tomar atitudes consistentes sem a ação impulsiva.
Tininha falou do orgulho de ser filha do homem honesto e fiel a seus ideais. “Uma das poucas pessoas que eu conheço que vivia aquilo que acreditava. Era realmente um comunista na vivência e em todos os sentidos”, disse, saudando o autor da biografia por trazer essa faceta do pai para todos.
A educadora Madalena Guasco Peixoto encerrou os testemunhos com sua experiência junto a Dynéas na elaboração de currículo e organização da Escola Nacional de Formação do Partido Comunista do Brasil.
Ela conta que conheceu “o Careca” em 1984, quando voltava de sua atuação na Rádio Tirana, da Albânia, para participar do ciclo formativo do partido diante da necessidade de preparar organizativamente para a atuação na legalidade, liderado por Joao Amazonas. A formação de quadros e da juventude era pensada para ir além da atuação política para a consistente formação teórica marxista-leninista dessa militância.
A centralidade do controle de Dynéas sobre estas tarefas é impressionante pelo detalhe e cuidado que tinha com alimentação, alojamento, condições das salas de aula, organizações das turmas, montagem da biblioteca dos clássicos, o calendário de aulas e descanso, a organização da apostila, tudo aquilo que espalhou a escola por diversas regiões do país.
Ela conta como se uniu a Loreta Valadares como professoras de filosofia da primeira turma. “Aprenda com Loreta, pois não é apenas uma questão de saber filosofia, mas ensinar filosofia para o Partido. Sem a base filosófica, todas as outras partes do marxismo perdem o sentido, e o conhecimento novo não ocorre, porque é na filosofia que se encontra a base do método, dizia ele”.Ainda segundo Madalena, ele defendia um curso sólido baseado nos clássicos marxistas, para que não houvesse o risco da armadilha do ecletismo baseado em autores revisionistas.
O modo como acompanhou o mestrado de Madalena sobre a crise do socialismo no início da década de 1990, e o doutorado sobre o pós-modernismo, mostram como ele se preocupava em que a atuação comunista na academia deveria estar a serviço do estudo dos desafios do Partido, ao mesmo tempo, angariando a respeitabilidade dos pares acadêmicos.
“A formação que iniciou seu percurso na legalidade com Dynéas foi fundamental para a manutenção da identidade e unidade do Partido no enfrentamento dos grandes desafios das décadas de 1980 e 1990”, defende ela.
A professora conta também do cuidado com a escolha de locais acolhedores para as aulas, que fizeram com que os alunos criassem vínculos afetivos que perduram até hoje, quando se encontram.
Os dirigentes Walter Sorrentino e Renato Rabelo estavam previstos para participar da live de lançamento com seus depoimentos, mas não puderam comparecer. Ela pontuou a importância e contribuição de Augusto e Dynéas no seu caráter intelectual e organizativo.
Da Fundação Maurício Grabois