Marco do saneamento apenas adia a decisão pelo investimento público
Wanderley Paganini destaca que o problema do saneamento se encontra geralmente nos lugares onde há moradias precárias no Brasil e isso inviabilizaria a atividade do setor privado
Publicado 15/12/2021 20:08 | Editado 16/12/2021 14:07
O saneamento básico é importante para a saúde e preservação do meio ambiente. Esse serviço é um dever do Estado e um direito do cidadão, embora contribua para que o governo, a cada real investido em saneamento, economize 4 reais em saúde. O novo Marco do Saneamento Básico foi pensado para atingir a universalização desse serviço ao abrir a possibilidade de privatização do serviço.
Sobre o tema, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, fundamentou seu voto sobre o marco regulatório, com base no artigo de um especialista da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP que defende que o saneamento não pode ser tratado como um negócio, por ser um direito básico. Em entrevista, o professor Wanderley da Silva Paganini, do Departamento de Saúde Ambiental da FSP e membro do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, comentou a respeito.
“Fux citou o nosso artigo para dizer da precariedade e da importância do saneamento para o País. E o voto dele de inconstitucionalidade foi um voto de confiança ao novo marco regulatório, porque não tem o que colocar no lugar. A conta do marco regulatório não fecha.”
O professor cita os 83% da população supostamente atendida por abastecimento de água. Para ele, este número é “maluco”, pois no Amapá, 36% apenas contam com o fornecimento contínuo de água potável. “Dois terços dos brasileiros daquele estado não têm abastecimento de água”. O mesmo ocorre com os supostos 53% de coleta de esgoto, em que o Amapá dispõe apenas de 6%, 43% de abastecimento de água e 9% de coleta de esgoto no Pará. Números “irreais e perversos” que se replicam em estados mais pobres do Norte e Nordeste do país, enquanto os números se invertem no Sul e Sudeste.
O professor explica os impasses trazidos por esse novo marco, que busca trazer a iniciativa privada para a prestação desse serviço. Na Argentina, por exemplo, foram privatizados diversos sistemas e o governo teve de retomar a gestão, pois as empresas queriam apenas Buenos Aires deixando o resto para o Estado. “Está na contramão da história, porque mais de 300 sistemas foram privatizados e o governo retomou a gestão”, pois não deu certo.
No Brasil, ele diz que o ministro da Economia, Paulo Guedes, fala em investimentos de US$ 700 bi para o saneamento, quando isso é insuficiente para começar o assunto. Paganini observa que, nos últimos cinco anos, foram investidos R$ 12 bi, dos quais metade foram investidos pela empresa de saneamento do Estado de São Paulo.
“No Brasil, há 13,2 mil aglomerados normais e cerca de 5 milhões de moradias subnormais [favelas, palafitas, ocupações irregulares]. Aproximadamente 17 milhões de brasileiros vivem em condições de habitação subnormal”, ressalta Paganini. Ele prossegue, explicando que é difícil a instalação dos sistemas para saneamento nesses locais, como é o caso dos 55% da população de Belém que vive nessas condições, ou 53% de Manaus, ou os 41,5% de Cubatão, para citar um caso do Sudeste. São ocupações de áreas de mananciais ou proteção ambiental, por exemplo, sem qualquer planejamento urbanístico.
O próprio marco regulatório também fala em controle de perdas, fala em modicidade do abastecimento e não interrupção do abastecimento e melhorias no tratamento. Fala que onde tiver população carente deve-se aplicar a tarifa social. Essa tarifa seria uma cobrança muito baixa ou gratuita dos serviços, o que inviabilizaria qualquer atividade do setor privado nesse contexto. A iniciativa privada vai querer atuar em localidades onde o saneamento exige pouco investimento e traz enorme lucro, como São Paulo, embora ele questione o interesse dessas empresas em investir em municípios que vivem do subsídio cruzado da Sabesp.
Para Paganini, as parcerias público-privadas fazem mais sentido, como o que ocorre no Estado de São Paulo. “A companhia de saneamento básico do Estado de São Paulo atua trazendo a iniciativa privada pela parceria público-privada e pela sociedade de propósito específico.” Dentro disso, há um planejamento a respeito dos custos e dos objetivos: “49,7% dela está com as ações na bolsa e tem que dar resultado enquanto empresa, mas 50,3% dentro do governo têm que dar resultado social”.
Edição de entrevista à Rádio USP