Com PIB em queda, trajetória da economia ganha formato de raiz quadrada
De acordo com artigo publicado no G1, após dois trimestres de queda, recuperação em ‘V’ anunciada por Guedes ganhou outro desenho. Com inflação nas alturas, renda em queda e juros subindo, economistas ouvidos pelo portal apontam para quadro de estagflação e risco de retração em 2022.
Publicado 02/12/2021 19:18 | Editado 02/12/2021 20:06
Com mais um resultado de PIB (Produto Interno Bruto) negativo, a economia brasileira se mostra em recessão técnica neste final de 2021, evidenciando a perda de fôlego da recuperação mesmo com a maior circulação de pessoas nas ruas e o fim de medidas restritivas lançadas no país para frear o avanço da pandemia.
Após ter conseguido recuperar no início do ano o patamar pré-pandemia, a atividade econômica perdeu tração e estacionou desde o 2º trimestre: de abril a junho, houve queda de 0,4%, enquanto de julho a setembro, de 0,1%, segundo dados divulgados nesta quinta-feira (2) pelo IBGE.
“No lugar da volta “em V” anunciada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a recuperação do PIB passou a ganhar um formato diferente, que tem sido chamada por economistas de “raiz quadrada”, uma vez a economia passou a andar de lado, abaixo da tendência anterior à chegada da Covid-19 e ainda bem distante do patamar recorde alcançado em em 2014″, explica artigo publicado no G1.
Quadro de estagflação
Na visão de economistas ouvidos pelo g1, apesar da nova recessão técnica, o quadro atual pode ser chamado também de estagflação diante da combinação de PIB sem ímpeto e inflação nas alturas.
E, em meio ao desemprego ainda elevado, renda em queda, fim dos programas de auxílio e taxa de juros caminhando para o patamar de dois dígitos, a avaliação é que o país corre o risco de registrar uma nova retração em 2022 ou ter uma taxa de crescimento próximo de zero, bem abaixo da média da economia global.
“A economia está parada e não está muito diferente de uma estagflação. Ainda não finalizou o processo de superação da pandemia em termos de PIB e ainda não teve fôlego para voltar à tendência de crescimento pré-pandemia. Por isso que digo que é um ‘V’ incompleto, parecido com uma raiz quadrada”, afirma a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV.
O economista-chefe da Necton, André Perfeito, é outro que destaca o formato “raiz quadrada” da trajetória da economia.
“A leitura preliminar dos dados confirma a hipótese de ‘raiz quadrada’ que venho argumentando há algum tempo; após uma recuperação forte a economia não encontra sustentação e anda de lado e até cai”, aponta.
“Não tem elementos novos que deem dinamismo à economia. Estamos em um processo inflacionário elevado que rouba a renda das famílias, e isso faz com que a massa salarial caia em termos reais. Ou seja, tem menos dinheiro na mesa do PIB”, diz.
Economistas costumam recorrer ao alfabeto para explicar visualmente a trajetória de recuperação ou de crescimento da economia ao longo do tempo. Algumas das letras usadas são V, U, L e W. Veja o gráfico abaixo:
Para o economista do Itaú BBA Luka Barbosa, independentemente da letra do alfabeto, a trajetória do PIB mostra que a economia brasileira parou antes mesmo de ter conseguido ultrapassar o nível pré-pandemia, do final de 2019.
“O V ocorreu. O nível do PIB caiu fortemente no auge da pandemia e no 1º trimestre deste ano já tinha voltado. A questão é que, depois que chegou nesse nível, estagnou de fato”, diz Barbosa.
Ele observa ainda que, pelo formato clássico de uma “raiz quadrada”, a economia teria que ter ultrapassado o ponto anterior à queda antes de estacionar.
O Itaú BBA projeta que o cenário de estagflação deverá continuar ao menos até o final do ano, com o PIB tendo variação zero no 4º trimestre e a inflação fechando 2021 em 10,1%.
Economia sem motor
Os economistas destacam que o quadro atual não é de uma recessão ou estagflação tradicional, uma vez que setores como o de serviços cresceram com força no 3º trimestre e a tendência é que continuem avançando, uma vez que atividades como as associadas ao lazer e turismo ainda não conseguiram se recuperar das perdas da pandemia e tendem a se beneficiar em alguma medida ainda do ‘efeito mola’ da reabertura da economia.
“Esse crescimento que estamos vendo em serviços está vindo de uma abertura da economia. Se não tivesse essa recuperação cíclica, provavelmente o PIB do 3º trimestre seria pior”, diz Matos.
De acordo com o G1, mesmo com a perspectiva de desaceleração da inflação em razão do maior aperto monetário, a avaliação é que um alívio na alta dos preços não virá tão cedo. O mercado financeiro passou a projetar para 2022 um IPCA de 5% – o limite do teto da meta do governo para o ano que vem. Já para o PIB, a média das previsões apontam para alta de 4,78% em 2021 e de 0,58% em 2022, abaixo da média global.
“O processo inflacionário vai ser persistente até início do ano que vem. Não dá para pensar de outra forma. Se bobear, no próximo relatório da pesquisa Focus a projeção já rompe o teto. Não tem com imaginar boas notícias do ponto de vista da atividade, principalmente porque os juros devem continuar subindo bastante”, diz Perfeito, destacando que a alta da Selic tem efeito direto no custo do crédito, o que acaba afetando tanto o consumo das famílias como os investimentos das empresas.
Nova recessão
Por ora, as projeções apontam para um crescimento do PIB no 1º trimestre de 2022, sustentando principalmente pelo agronegócio.
No cenário projetado pelo Itaú, a economia cresceria 0,5% nos 3 primeiros meses do ano, mas passaria a registrar retração a partir do 2º trimestre de 2022, com o PIB acumulando no ano uma queda de 0,5%.
“Avaliamos que vai ter contração da atividade econômica ao longo do ano que vem. Mas é uma recessão leve, não algo como foi aquele ciclo de 2015, 2016, quando PIB caiu mais de 3%”, afirma Barbosa.
Já o Ibre/FGV projeta uma alta de 0,7%, mas também não descarta novos trimestres seguidos de retração em 2022.
“Mais do que a raiz quadrada, o que preocupa é a desaceleração do crescimento antes mesmo do PIB voltar à tendência anterior. O segundo trimestre de 2022 acho que vai ser um desastre, não tem como ser um ano bom. A herança para 2023 será muito ruim”, diz Matos.
Levantamento da economista com base na média de crescimento da economia brasileira entre os anos 2017 e 2019 mostra que a trajetória do PIB ainda bem está abaixo da tendência que se observava antes da chegada da Covid-19.
Recuperação sem fôlego
“A economia brasileira está desacelerando mais do que a média mundial. Teríamos que estar voltando na tendência anterior de crescimento. O V completo seria voltar para essa linha de cima, que é era a tendência pré-pandemia”, afirma Matos, destacando que o PIB de economia como a dos EUA e da zona do euro já voltaram para uma trajetória bem próxima da tendência pré-Covid.
O que explica a piora das expectativas
O aumento de riscos inflacionários e as preocupações com a saúde das contas públicas vem provocando uma redução da confiança de empresários e consumidores.
Os economistas ouvidos pelo G1 destacam que, embora a inflação tenha disparado no mundo todo, aqui ela subiu mais, refletindo as preocupações com a trajetória da dívida pública e furo do teto de gastos, considerado a principal âncora de responsabilidade fiscal e até então sempre defendido pela equipe de Guedes.
As projeções para a economia têm sido revisadas para baixo semana após semana, afetadas principalmente pela perspectiva de escalada da taxa básica de juros e pelas incertezas fiscais após as manobras do governo para driblar o teto de gastos e abrir espaço no Orçamento no ano eleitoral de 2022.
O governo de Jair Bolsonaro tem pressionado por mais gastos com benefícios sociais no ano que vem, quando o presidente deve tentar a reeleição, e busca recursos para financiar o programa Auxílio Brasil com um valor de pelo menos R$ 400 por família.
A PEC dos Precatórios é a principal aposta do governo para bancar o programa substituto do Bolsa Família, que segue cercado de incertezas. A equipe econômica afirma que, se aprovada, a proposta deve abrir espaço superior a R$ 106 bilhões no orçamento, mas a “abertura da porteira” para mais gastos ainda depende de aprovação do Congresso Nacional.
“A origem do problema todo é o fiscal. O que estamos vendo são consequências disso, que é taxa de câmbio depreciada, inflação alta e elevação das taxas de juros. O problema fiscal gera uma taxa de câmbio mais depreciada, que gera uma inflação mais alta, que gera uma necessidade de subir os juros, e a essa alta de juros tem impacto negativo sobre a atividade econômica”, afirma Barbosa.
O que poderia trazer algum alívio no cenário macroecônomico, sobretudo no câmbio e nos juros, dizem os economistas, é uma sinalização mais clara de um maior comprometimento do governo Bolsonaro e do Congresso com a responsabilidade fiscal e reformas estruturantes como a tributária e a administrativa.
“Os juros estão subindo e ao que tudo indica vão subir mais. É um aperto monetário muito rápido e intenso, e tudo isso numa economia que está desacelerando. É como a gente já tivesse que pisar o pé no freio antes de todo mundo”, resume Matos.
Fonte: G1