Abolicionista Luiz Gama recebe título de doutor honoris causa da USP
A homenagem póstuma foi entregue a Walter França, filho do tetraneto de Gama, Benemar França, e está ancorada na importância ao agraciado para a história recente do Brasil
Publicado 20/11/2021 08:37 | Editado 20/11/2021 11:11
Foi promovida, no dia 19 de novembro, a cerimônia de outorga do título de doutor honoris causa póstumo a Luiz Gonzaga Pinto da Gama. A homenagem foi entregue a Walter França, filho do tetraneto de Gama, Benemar França, já falecido, e está ancorada na importância ao agraciado para a história recente do Brasil e em sua excelência enquanto personalidade intelectual.
A proposta da concessão do título foi apresentada pelo professor Dennis de Oliveira, do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro (NEINB-USP), e aprovada por unanimidade pelo Conselho Universitário na sessão realizada no dia 29 de junho.
De acordo com o Estatuto da Universidade, o título de doutor honoris causa é concedido “a personalidades nacionais ou estrangeiras que tenham contribuído, de modo notável, para o progresso das ciências, letras ou artes; e aos que tenham beneficiado de forma excepcional a humanidade, o País, ou prestado relevantes serviços à Universidade”.
Gama é o 121º homenageado com o título concedido pela USP, que já teve entre seus agraciados o ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, em 2000; o bibliófilo José Mindlin, em 2005; e o antropólogo Claude Lévi-Strauss, em 2008. Mais recentemente, em 2020, o catedrático do Instituto de Educação e reitor honorário da Universidade de Lisboa, António Manuel Sampaio da Nóvoa, e o diretor-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), Jorge Almeida Guimarães, foram condecorados com o título.
A saudação ao homenageado foi feita pelo reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente, que definiu Gama “como um dos maiores brasileiros de sua época, um homem além de seu tempo” e lembrou o simbolismo da homenagem um dia antes da data em que se comemora o Dia da Consciência Negra. “A consciência que é exigida de qualquer ser pensante na atualidade é uma consciência que precisava estar debruçada sobre o que foi essa grandiosidade de um individuo humano que fez aquilo que sua consciência determinava, superou aqueles limites que a natureza lhe colocava e que teve uma espiritualidade tão gigantesca, que, no seu abraço, coube todos que precisavam justamente da sua verve, da sua pena e da sua energia”, afirmou.
O reitor Vahan Agopyan ressaltou que “esta homenagem honra nossa Universidade”. Agopyan fez referência ao manifesto enviado pelo Diretório Central de Estudantes (DCE) em reverência a Luiz Gama, que foi lido no início da cerimônia. “É muito importante os alunos participarem dessas homenagens e acompanharem como a história brasileira é feita, com lutas e batalhas, e é muito importante que isso seja transmitido aos estudantes”, considerou. “É essencial reconhecer nossas máculas, nossas falhas do passado, e consertá-las para avançarmos como sociedade e, por isso, agradeço à ECA por essa indicação”, disse.
“Sem reis e sem escravos”
Luiz Gonzaga Pinto da Gama nasceu em 21 de junho de 1830, em Salvador, filho de um fidalgo português, cujo nome nunca revelou, e Luiza Mahín, africana livre da Costa Mina, importante ativista envolvida em diversos levantes dos escravos na Bahia no início do século 19.
Nascido livre, aos dez anos foi vendido como escravo pelo próprio pai para saldar dívidas de jogo e, com isso, levado para São Paulo onde, aos 17 anos, aprendeu a ler e escrever. De posse das letras, conseguiu conquistar judicialmente a própria liberdade.
Em 1850, tentou ingressar no curso de Direito da Faculdade de Direito da USP. Negro e pobre, não foi admitido formalmente como aluno. Entretanto, permaneceu nos corredores da faculdade, frequentou diuturnamente a biblioteca e assistiu a inúmeras aulas como ouvinte.
Luiz Gama adquiriu conhecimentos jurídicos sólidos que Ihe possibilitaram atuar na defesa jurídica de escravos. Formou-se advogado provisionado, tornando-se o maior especialista na libertação de escravos, tendo soltado mais de 500 pessoas e realizado ações também na defesa de pessoas pobres, inclusive imigrantes europeus.
Paralelamente, atuava como jornalista e literato. Participou dos movimentos contra a escravidão e é reconhecido como um dos principais líderes abolicionistas do Brasil. Nos tribunais, com oratória distinta e domínio das letras jurídicas, lutou arduamente contra a escravidão, o racismo e a desigualdade.
Foi um dos expoentes do Romantismo, com a publicação, em 1859, das Primeiras Trovas Burlescas de Getulino, reeditada ampliada em 1861, livro em que Gama introduz a subjetividade do autor negro na literatura brasileira.
Como um dos principais personagens na luta republicana, esteve ao lado de vários nomes ilustres, como Ruy Barbosa. Também foi um inovador no jornalismo, tendo fundado o primeiro jornal ilustrado da cidade de São Paulo, o Diabo Coxo, em 1864, e participado ativamente de periódicos republicanos da época. Criou, em 1869, o jornal Radical Paulistano, do Partido Liberal Radical paulista. Luiz Gama foi personagem central da história da imprensa em São Paulo e no Brasil.
Faleceu em 24 de agosto de 1882, aos 52 anos, antes da assinatura da Lei Áurea (1888).
Sua atuação nesta área rendeu-lhe o reconhecimento em vida e postumamente com a concessão, em novembro de 2015, do título de advogado pela Ordem dos Advogados do Brasil, em homenagem inédita àquele que se imortalizou na luta por um país “sem reis e sem escravos”.
Em 2018, foi promulgada a Lei nº 13.629, que declarou Luiz Gama como o patrono da abolição da escravidão do Brasil. Também, na mesma data, foi publicada a Lei nº 13.628, que o inscreveu no Livro dos Heróis da Pátria.
Assista, a seguir, à íntegra da cerimônia.