Lógica mercantil de Bolsonaro para o meio ambiente freia o desenvolvimento
Para o secretário de meio ambiente de Pernambuco, José Bertotti, política ambiental de Bolsonaro convida países ricos para comprar emissões que o Brasil deixa de fazer, o que faz o Brasil deixar de crescer e de se desenvolver. Além disso, segundo ele, países emissores evitam neutralidade de emissões.
Publicado 08/11/2021 20:25 | Editado 08/11/2021 23:09
A caminho de Glasgow para a COP26, a conferência do clima, o secretário de Meio Ambiente de Pernambuco, José Bertotti, comentou ao portal Vermelho as expectativas para o evento, ao criticar a postura tímida e desinteressada no debate do governo Bolsonaro. Ele integra a delegação do governador Paulo Câmara (PSB) à Escócia, junto com o prefeito de Recife, João Campos (PSB) e a secretaria executiva de Meio Ambiente de Pernambuco, Inamara Melo.
Bertotti aponta que a luta principal nessa COP26 é garantir a meta da neutralidade de emissão. A neutralidade é conquistada quando toda emissão de gases é compensada pela absorção de gases feita por florestas, geração de energias limpas, como também substituição e redução de emissões. Atualmente, há tolerância com países muito industrializados, que acabam emitindo mais do que compensando.
Mercado de carbono
Ele explicou a importância do mercado de créditos de carbono, e as contradições que surgem a partir dessa iniciativa. Segundo ele, “o mercado de carbono não pode ser de soma zero”. “Não adianta que os países ricos, que mais emitem gases, comprem de países que tem energia renovável o direito de fazer essa emissão. Todos os países do mundo precisarão ser neutros em carbono, com os mais poluentes tendo que correr mais atrás do prejuízo”, explicou.
Bertotti considera importante organizar um mercado que obrigue quem pode, e deve, pagar por essas emissões que precisa deixar de fazer. Assim como é importante que quem tem condições de receber esses investimentos, receba, porque tem espaço na sua produção sem precisar abrir mão da sua indústria e agricultura.
“Até a transição para carbono neutro, alguns países precisarão necessariamente comprar espaço de emissão de países que não são emissores, porque vivemos no marco do capitalismo”, analisou. Por outro lado, o mercado de carbono só está regulado na Europa e alguns estados dos EUA.
As empresas de combustível fóssil que emitem gases de efeito estufa tem interesse em preservar áreas que fixam carbono para compensar suas emissões. Esse mercado vai existir enquanto acontecer essa transição para a neutralidade. Portanto, é um mercado para um tempo definido.
Mas existe o risco disso se tornar um mecanismo perverso para o próprio meio ambiente. “É preciso tomar cuidado para não virar meio de acumulação de capital, para não manter o caráter predatório do capitalismo que nos levou a este colapso climático”, disse, referindo-se a países altamente industrializados que não reduzem emissões às custas da compra de créditos de carbono.
Pagar para preservar
Outra consequência desse mercado de carbono é que o governo Bolsonaro acaba tendo uma perspectiva mercantilista, em que toda sua política ambiental é focada em atrair esses recursos internacionais. “Tem muita gente querendo ganhar dinheiro em cima da crise climática”, disse Bertotti.
“A lógica do governo Bolsonaro é convidar os países ricos para comprar as emissões que o Brasil deixa de fazer. Nessa lógica, o Brasil deixa de crescer e para de se desenvolver”, explica. O presidente faz questão de expressar esta sugestão, internacionalmente, de que se os países ricos quiserem que o Brasil preserve suas florestas, terão que pagar por isso.
Para ele, isto é um erro conceitual e de projeto. “Bolsonaro não tem projeto de nação, não tem meta de desenvolvimento, não tem plano nacional de investimento produtivo para superar os gargalos de infraestrutura. Apesar de ser o maior produtor de alimentos do mundo, tem 20 milhões de desempregados passando insegurança alimentar”.
“A lógica de Bolsonaro é dizer que o Brasil precisa receber dinheiro para compensar o que preservamos. Isso não nos leva a lugar nenhum, porque esta é uma questão inegociável de sobrevivência para o planeta”, declarou.
Segundo o gestor, Pernambuco afirma sua vontade de continuar crescendo. “Ninguém aqui defende que paremos de viver da nossa indústria ou agricultura para viver desse mercado regulado de carbono, parar de emitir para viver da renda que mandam para cá”, garantiu.
Para ele, isso estanca o desenvolvimento nacional e não resolve a crise climática, pois os países ricos compram o direito aqui e continuam emitindo lá, no volume atual. “Por isso defendemos a meta pela neutralidade, inclusive no Brasil, em que somos emissores de carbono. A floresta Amazônica não pode ser utilizada pelos EUA para compensar suas emissões. Temos que cobrar que os EUA sejam neutros de carbono. Esta é a questão central da COP26”, defendeu.
O mercado regulado de carbono no Brasil significa que não vamos parar de produzir petróleo, não vamos conseguir neutralizar emissões de gases de efeito estufa antes de 2050. “Se depender de Bolsonaro, não vamos fazer isso nunca, porque lembrem-se que ele resolveu fazer termelétrica movida a carvão, num país referencial em energia renovável hidráulica, eólica e solar”.
O gestor público explica que a conta não fecha, enquanto o país continua produzindo combustível fóssil, enquanto preserva para acumular CO2. Ele pontua que “a conta só fecha” se elimina-se o uso de combustível fóssil, melhora-se transporte público de massa e diminui-se o transporte individual, recicla-se o lixo usado para reaproveitar plástico, metal, alumínio, faz-se a compostagem da massa orgânica, evita-se a emissão de metano, queimando-o para gerar energia, além de gerar novos negócios a partir desses ciclos. “Bolsonaro não enxerga essa possibilidade de gerar negócios neutros em carbono, o que alavanca novos e melhores empregos. Isso é uma janela de negócios no Brasil”, lamenta ele.
Janela de negócios
O biocombustível foi citado por Bertotti como uma das alternativas criadas no Brasil para substituir combustíveis fósseis. Ele usado pela primeira vez no Brasil em 1930, num Ford T, até a criação, na década de 1970, do Proalcool. “O álcool é caro no Brasil porque a política energética brasileira é botar o preço da bomba que só serve ao interesse dos poucos que são donos desse negócio”.
O biocombustível a base de cana de açúcar alimenta um ciclo de plantações que eliminam gás carbônico da atmosfera. O biodiesel é produzido a partir de mamona, soja, qualquer oleaginosa. Uma verdadeira indústria regulada com 27% de biocombustível na gasolina e 13% no diesel, que já reduziu a queima de combustível fóssil.
Mas ele lembra, também, que, há dois meses, na reunião do Comitê de Política Energética, Bolsonaro diminuiu de 13% para 10% a adição de biodiesel. “Ele quebra o empresário que investiu nessa tecnologia e aumenta em 3% a queima de diesel. Valeria a pena uma CPI para investigar onde o Brasil vai comprar esses 3% de combustível fóssil importado, porque faz anos que não se cria uma refinaria no Brasil”, recomenda ele.
“Não tem que preservar a floresta porque vão pagar por isso, mas porque dá pra trabalhar o extrativismo sustentável, podemos ter uma produção de biofármacos, de alimentos, uma riqueza enorme. Bolsonaro não enxerga, não ouve, não lê, não entende. É completamente inapetente para ser presidente da República, sem enxergar a janela de negócios”, criticou.