“Brasileiros e brasileiras devem assistir Marighella porque é ato de resistência”, diz Flávia Oliveira
A comentarista lembra que, “na antipolítica cultural do governo Bolsonaro, artistas e produtores de cinema são atacados ao limite da asfixia”. Em artigo publicado no blog Opinião, de O Globo, ela enumera as razões que a fazem recomendar a obra.
Publicado 06/11/2021 13:47 | Editado 06/11/2021 14:29
A comentarista Flávia Oliveira elenca “um rol de motivos para brasileiras e brasileiros assistirem a ‘Marighella’, a produção cinematográfica mais esperada e perseguida dos últimos tempos”. A jornalista menciona que o longa-metragem, estrelado por Seu Jorge, dirigido por Wagner Moura, estreou nesta quinta-feira (04/11) nos cinemas Brasil afora e conta que teve a chance de estar na pré-estreia carioca, na semana passada. Conheça as razões para recomendar a obra que Flávia Oliveira enumera em artigo publicado no blog Opinião, de O Globo:
“1) Brasileiras e brasileiros devem assistir a “Marighella” porque é ato de resistência. Na antipolítica cultural do governo Jair Bolsonaro, artistas e produtores de cinema são atacados ao limite da asfixia. O lançamento de “Marighella” foi adiado em dois anos e meio, por censura travestida de burocracia.
2) Brasileiras e brasileiros devem assistir a “Marighella” para reencontrar a História, porque há empenho oficial em recontá-la atenuando o legado nefasto da ditadura militar. O filme retrata o ambiente de censura à imprensa e escancara a brutalidade do regime com cenas cruas — às vezes, insuportáveis — de tortura e execuções. A barbárie foi anistiada, mas está documentada. “Marighella” tampouco esconde a radicalização e a violência dos opositores, empenhados em enfrentar, enfraquecer, derrubar o regime via luta armada, mesmo sem apoio popular. Em tempos de escalada autoritária, de ameaça à democracia tão duramente reconquistada, é preciso lembrar o passado, para não repeti-lo.
3) Brasileiras e brasileiros devem assistir a “Marighella” para testemunhar a estreia de Wagner Moura na direção. O grande ator conduziu uma produção segura, a serviço do elenco. Escolheu um homem preto para encarnar o personagem principal, mestiço; fez o avesso do embranquecimento que grassa na produção cultural brasileira. Batizou personagens com o nome real dos atores, caso de Humberto Carrão, Henrique Vieira e Bella Camero, como a explicitar o compromisso de cada indivíduo com a produção. Atos políticos. A impressão é de confinamento, de segredo, tanto na ação do regime quanto dos opositores. É obra impregnada da atmosfera de tensão daqueles dias.
4) Brasileiras e brasileiros devem assistir a “Marighella” para ver Seu Jorge brilhar como protagonista. O cantor e compositor se assenta na carreira de ator ao encarnar um Carlos Marighella idealista e violento, radical e engraçado, amedrontado e amoroso, pretensioso e ingênuo, ambicioso e isolado. Humano, portanto. Luiz Carlos Vasconcelos também se destaca como Almir, o Branco, companheiro leal do início ao fim.
5) Brasileiras e brasileiros devem assistir a “Marighella”, porque a ditadura pavimentou muito do modelo de segurança pública e de abordagens policiais, ora debatidos no Brasil. Na saída do filme, encontrei Mônica Cunha, coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, fundadora do Movimento Moleque (de mães de vítimas da violência), cujo filho Rafael foi assassinado aos 20 anos, em 2006. Ela chorava por enxergar no longa a linha do tempo que veio dar no arbítrio, ainda hoje, característico da relação do Estado com jovens negros de favelas e periferias. A narrativa de “Marighella” guarda a gênese do Capitão Nascimento, personagem eternizado pelo ator Wagner Moura num par de filmes de José Padilha.
6) Brasileiras e brasileiros devem assistir a “Marighella” para reviver a beleza de cantar com paixão o Hino Nacional, sequestrado por autodeclarados patriotas que preferem autoritarismo à democracia, radicalismo ao diálogo, intolerância à inclusão. E para ouvir versos de Gonzaguinha: “Memória de um tempo onde lutar / Por seu direito / É um defeito que mata”. São cenas comoventes do filme.
7) Brasileiras e brasileiros devem assistir a “Marighella” em reconhecimento ao trabalho do jornalista Mário Magalhães, que dedicou quase uma década a apurar e escrever a biografia do líder da Aliança Libertadora Nacional (ALN), até então condenado à invisibilidade. O filme é um corte nos cinco últimos anos de vida do guerrilheiro, ex-deputado, pai, marido, filho de Oxóssi, morto desarmado em 1969, em São Paulo, por agentes do Dops. O roteiro partiu do livro de Magalhães, Prêmio Jabuti de melhor biografia em 2013.
8) Brasileiras e brasileiros devem assistir a “Marighella” para reencontrar as salas de cinema, após o hiato imposto pelas medidas de enfrentamento à Covid-19. O setor foi dos mais prejudicados pelas restrições às atividades econômicas: primeiro a parar, último a retornar à normalidade. Diante do cenário atual da pandemia (queda de casos, internações e óbitos) e do avanço da vacinação, Vitor Mori, pós-doutorando em engenharia biomédica e membro do Observatório Covid-19 Brasil, afirmou em série de posts no Twitter: ‘Mesmo sendo local fechado, as pessoas se mantêm em silêncio a maior parte do tempo, e há boa aderência ao uso de máscara’. No Rio, são obrigatórios apresentação do certificado de vacinação e uso de máscara nos cinemas, medidas de segurança sanitária. Negacionistas fora.”
Fonte: Portal de O Globo