Brasil sentirá impactos econômicos da pandemia até 2050, diz pesquisa

Estudo econômico chama a atenção para os efeitos de longo prazo da pandemia. Se mortes tivessem sido evitadas, impactos seriam menores.

Movimento na Ladeira Porto Geral – Região da 25 de Março em São Paulo Fotos Paulo Pinto/FotosPublicas

Os impactos sociais e emocionais da pandemia de covid-19 são amplamente conhecidos, divulgados e podem ser sentidos mais corriqueiramente. Mas qual a repercussão na economia das milhares de vidas perdidas? Pesquisadores da Rede Clima, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, integraram dados epidemiológicos a um modelo econômico e identificaram que os impactos econômicos das mortes na pandemia no Brasil poderão ser observados até 2050.

O estudo passou por várias etapas, analisando primeiro os efeitos sobre o fechamento de setores econômicos, depois as fatalidades e mortes, e numa etapa final os pesquisadores da UFMG, USP e UFPR buscaram avaliar mecanismos estratégias de recuperação após a pandemia.

Alguns dos efeitos identificados são o impacto sobre emprego e mercado de trabalho e o das próprias fatalidades sobre consumo e geração de renda, que será menor no cenário futuro. O trabalho avaliou os impactos não só na economia brasileira de forma ampla, mas também nas regiões do país, e projetou consequências para os próximos 30 anos. São milhares de pessoas que deixaram de participar da economia gerando renda, um cálculo possível pela informação de faixas etárias atingidas pela doença.

A configuração demográfica das fatalidades implica em impactos regionais diferentes. Segundo as projeções, os impactos sobre o PIB no longo prazo mais expressivos são na região Norte do país, principalmente no Amazonas e no Acre. Os estados que devem se recuperar mais rapidamente no longo prazo são Pará, Tocantins, Piauí, Maranhão, Minas Gerais e Espírito Santo, estados que conseguiram evitar mais óbitos da pandemia.

O perfil econômico de cada região pode ser mais ou menos afetado pela covid. Segundo o professor, estados que dependem menos do mercado interno, como aqueles com economia mais voltada para exportação de commodities sofrerão menos. Segundo ele, estados menos desenvolvidos com perfil mais dependente da economia de serviços são mais afetados pelas perdas de renda e trabalho.

“Uma pessoa que faleceu aos 40 anos teria pelo menos mais 30 anos, provavelmente, de idade econômica ativa, mais um período de aposentadoria. Toda essa renda futura foi perdida”, aponta o coordenador do grupo, Edson Domingues, da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nesse sentido, ele acrescenta que também há perdas em domicílios com morte de aposentados. “No Brasil, há vários grupos familiares que dependem dessa renda de aposentadoria, que deixa de existir com as mortes”.

Na modelagem econômica utilizada, o total de mortes causadas pela covid-19 foram determinantes para entender os efeitos sobre a economia. Quando o modelo foi rodado, o Brasil tinha cerca de 400 mil mortes. Hoje, o total ultrapassa 607 mil. Foram utilizados ainda dados sobre rendimento médio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). A análise envolveu ainda parâmetros médios de expectativa de vida, por região e grupos etários.

Em 2050, segundo as projeções da pesquisa, os impactos mais expressivos sobre o Produto Interno Bruto (PIB) no longo prazo poderão ser percebidos no Amazonas (-1,38%) e no Acre (-1,35%). Em seguida estão Rondônia (-1,2%) e Roraima (-1,1%). Por outro lado, alguns estados conseguirão se recuperar mais rapidamente no longo prazo: Pará (0,34%), Tocantins (0,28%), Piauí (0,14%), Maranhão (0,12%), Minas Gerais (0,09%) e Espírito Santo (0,03%).

“A pandemia teve impacto, obviamente, de curto prazo, com o fechamento do comércio, da indústria, de serviços, a perda dos deslocamentos, perdeu-se produção e emprego nos anos de 2020 e 2021. Isso é notório. Mas esse impacto de longo prazo, das fatalidades, é uma coisa pouco falada e muito pouco estudada”, explica o professor da UFMG.

Ele destaca que a análise permite entender que, se mortes tivessem sido evitadas, os impactos econômicos de longo prazo seriam reduzidos.

Domingues aponta ações que poderiam amenizar os efeitos econômicos a longo prazo. Um planejamento coordenado do Governo Federal articulando as economias regionais para enfrentar esses efeitos econômicos do pós-pandemia seria fundamental, segundo os pesquisadores. Isso permitiria que a saída da recessão fosse mais rápida.

“Diversos infectologista já mostraram que se você tivesse uma coordenação efetiva, a nível federal, das políticas de restrição à atividade econômica de combate à pandemia, por exemplo, distribuição de máscaras, apoio aos estados na área hospitalar, um enfrentamento mais efetivo e coordenado nacionalmente das políticas de combate à pandemia teríamos menos mortes e menor impacto de longo prazo”, analisa o pesquisador.

Professor Edson Domingues, da UFMG, que coordena a sub-rede Economia, da Rede Clima, rede brasileira de pesquisa sobre mudanças climáticas globais.

Embora setores políticos culpem o fechamento da economia por esses efeitos recessivos, o professor diz que é justamente o contrário. Para ele, o fechamento descoordenado e desigual foi a pior estratégia de curto prazo da pandemia que resulta nos resultados ruins. “Tivemos o pior dos mundos pois a recuperação econômica no Brasil será mais lenta. Já se dizia que a economia pode ser recuperada, mas as vidas não”, afirmou Domingues.

Os pesquisadores se preparam para rodar novamente o modelo econômico, considerando o maior volume de mortes que, hoje, ultrapassam 607 mil. “É quase 50% a mais do que a gente estimou de fatalidades. Esse impacto em longo prazo vai ser efetivamente bastante maior”, aponta Domingues.

Ele destaca que também será feita a análise por unidade da Federação. “Tivemos estados muito mais impactados do que outros, então a gente espera que esses números revelem uma figura mais adequada do longo prazo.”

Os trabalhos da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) foram coordenados por pesquisadores da UFMG e da Universidade de São Paulo (USP) e foram financiados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).

Confira aqui a análise de dados econômicos da Rede Clima.

Edição de entrevista à Rádio UFMG Educativa

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