Carol Proner: Os paraísos fiscais são buracos negros de concentração de riqueza
Para a advogada e Doutora em Direito Internacional, Paulo Guedes e Roberto Campos Neto possivelmente cometeram crimes de conflito de interesse no caso das empresas offshore.
Publicado 07/10/2021 23:15 | Editado 07/10/2021 23:36
Doutora em Direito Internacional, a advogada Carol Proner considera que, no caso das empresas offshore, o ministro da economia e o presidente do Banco Central possivelmente cometeram crimes associados ao evidente conflito de interesse, a partir da produção de benefícios gerados por informações privilegiadas produzidas por eles próprios.
Segundo ela, o grau de cinismo do esquema de Paulo Guedes no caso das empresas offshore é tão alto quanto o é o acúmulo de riqueza pessoal em detrimento do interesse público. No caso do ministro, sabe-se que, de quando foi criada a conta em 2014 até o presente, o seu patrimônio passou de 8 milhões para 51 milhões de reais ao câmbio de hoje.
“Trata-se do cinismo do riso triunfal que parte da certeza da impunidade e é compreensível que Paulo Guedes se sinta assim. Em um governo com instituições colapsadas e com a mídia corporativa atuando como fiadora do esquema de máxima acumulação, não apenas o ministro estará a salvo como poderá ser condecorado pela artimanha de sentar na cadeira de operador dos próprios interesses”, afirma em artigo publicado no Portal iG a advogada, que é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e do Grupo Prerrogativas.
Carol Proner considera ainda que o descaramento de Paulo Guedes faz lembrar outro personagem nefasto de nossa história recente, um ex-juiz, atual advogado, que em proveito próprio sentou na cadeira de ministro da Justiça para melhorar a relação de colaboração privilegiada com seus futuros empregadores nos Estados Unidos. “Aliás, poderíamos estender e recordar o papel de cada um dos ministros do governo de Jair Bolsonaro e do favorecimento de esquemas privados na saúde, no meio ambiente, no turismo, nas relações internacionais e por aí vai”, acrescenta.
Em seu artigo, a advogada lança luz sobre o fato de que, para além da amoralidade dos paraísos fiscais, há a propensão à criminalidade. Segundo ela, ao contrário do que defendem os dealers do mercado, destacando o papel das offshores como importantes incentivos para a atração de capital, os bancos em zonas livres de regulação criam muros instransponíveis que propiciam, além da acumulação de divisas, condições ideais para o cometimento de toda a sorte de crimes transnacionais que se beneficiam do “secreto”: “A evasão fiscal é um deles, mas a rede fantasma permite o cometimento de crimes mais perversos, como o narcotráfico, o tráfico de mulheres e crianças, de órgãos e tudo o que a mente humana for capaz de fabricar como forma de gerar lucros sob o véu da invisibilidade e do anonimato”.
Pobreza x evasão fiscal
Segundo ela, os paraísos fiscais são buracos negros do capitalismo que se retroalimentam e garantem a hiperconcentração da riqueza em mãos privadas, livres do controle do Estado e de suas instituições. “Se o capitalismo financeiro funciona como um cassino, os paraísos fiscais são os cofres do cassino, guardados pelo segredo que é, em si, a alma do negócio”, compara. “Há, portanto, algo axiomático, inegavelmente amoral, quando analisamos a existência desses lugares paradisíacos do mundo financeiro, diretamente proporcionais à produção da miséria em escala planetária”, afirma.
Ela traça uma relação direta entre pobreza extrema e evasão fiscal, problema debatido por pensadores do alteromundismo desde o final dos anos 90 e mesmo antes, desde que vai se tornando explícito o funcionamento do capitalismo de acumulação extrema e sem concessões à democracia. De acordo com Carol Proner, os paraísos fiscais se caracterizam por ao menos três ocultações: a falta de transparência, de comunicação e de fiscalização. Como consequência do acobertamento de ativos, toda uma economia paralela é construída e representa, segundo dados da OCDE-ONU, 40% dos investimentos que circulam no mundo atualmente.
A advogada ressalta também a importância do trabalho dos jornalistas, em razão de a preservação do sigilo dos correntistas ser condição de preservação do modelo das offshore. Na opinião dela, ao revelarem escândalos como o do Panamá Papers e agora do Pandora Papers, os jornalistas permitem à cidadania conhecer como funcionam esses superesquemas de injustiça econômica e social e quem é beneficiado. “Por enquanto, diante da inação dos órgãos de controle, nos cabe – como o fez parte da imprensa e setores institucionais comprometidos como a Federação Nacional do Fisco, reunindo 32 sindicatos e 37 mil servidores públicos fiscais filiados – denunciar e reagir contra a atuação de funcionários do governo que traem os interesses do povo brasileiro”, considera.
No artigo, Carol Proner afirma que, quando o Brasil voltar a ser um país consequente com seus próprios interesses, poderemos discutir, como fazem a França, a Alemanha, a Espanha, bem como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Banco Mundial, os efeitos danosos da falta de fiscalização tributária causados pela evasão de divisas. “E a importância de instituir impostos sobre grandes fortunas e tributação sobre dividendos como forma de fortalecer o Estado social e democrático de direito”, conclui.
Fonte: Portal iG