José Vicente: cotas para negros mudaram a estrutura do ensino superior
“Cotas são um grande acontecimento político, econômico e histórico”, afirma reitor
Publicado 03/10/2021 16:30 | Editado 04/10/2021 09:26
Desde 2019, os negros representam a maioria dos estudantes nas universidades públicas brasileiras. Na opinião de José Vicente, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, a explicação para essa conquista é a Lei das Cotas, de 2012, que instituiu reserva obrigatória de vagas nas instituições públicas de ensino superior.
Segundo ele, a legislação “acertou por ser uma política de governo com uma agenda, até então, inexpugnável”, já que foram beneficiados segmentos historicamente excluídos das universidades, como negros, indígenas e pessoas com deficiência. “Foram 130 anos batendo na mesma tecla. As cotas são um grande acontecimento político, econômico e histórico”, afirma o reitor em entrevista à Folha de S.Paulo.
“O ambiente do ensino superior não estava preparado para lidar com essa lei. As cotas mudaram a estrutura do ensino superior público – e depois do privado. Foi necessário que se adequassem e reestruturassem”, agrega. “Graças às cotas, ampliamos, em tempo recorde, de 2% para quase 15% a quantidade de negros nas universidades. Sob todos os aspectos, as cotas são e continuam sendo uma grande vitória.”
Agora, os resultados da política devem ser avaliados pelo Ministério da Educação e pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Uma eventual renovação da lei deve ser aprovada ainda em 2022. Por isso, na próxima terça (5), a Zumbi dos Palmares lançará, em evento, a campanha “Cotas Sim!”.
Na ocasião, a faculdade também apresentará os projetos de lei que tramitam no Senado e na Câmara com o objetivo de pautar com urgência a discussão sobre a renovação do mecanismo. Para Vicente, as chances de renovação são boas: “As cotas deixaram de ser algo de interesse dos negros e passaram interessar parte expressiva da sociedade brasileira”, diz ele. “Dez anos depois, desmistificamos os medos e confirmamos o que se dizia: a universidade é, por natureza, o espaço de sanar conflitos.”
Porém, ainda é preciso aperfeiçoar o sistema. “Em certa medida, as limitações da política são as mesmas antes e depois da lei. Os negros brasileiros precisam de mecanismos para se manter no curso, porque esse público vem de um padrão econômico e social diferente”, afirma. “Sem auxílio à moradia, auxílio à locomoção, acesso a livros e até alimentação, uma parcela dos estudantes não tem condições econômicas de permanecer na universidade.”
Um incentivo à renovação da lei é o fato de que o aumento de negros nas universidades reflete positivamente na economia. “Deixar os negros e todo seu talento de fora da universidade é uma medida desinteligente, além de cercear a produção, crescimento e desenvolvimento do país”, declara José Vicente.
A seu ver, “o Brasil preferiu fechar os olhos e tratar apenas de uma elitezinha muito limitada e que nem sempre entregou aquilo que poderia entregar. No fim das contas, poucos usaram suas habilidades ali adquiridas para ajudar a resolver os problemas do País.”
Além disso, as cotas não prejudicaram a qualidade do ensino superior. “Os cotistas, agora com oportunidades, superaram seus colegas brancos. Os negros entraram, mantiveram o nível e o elevaram”, atesta o reitor. “Tudo isso permitiu que pudéssemos ampliar e levar as cotas para juízes, promotores, na Petrobras e até em cartórios, por exemplo. O Brasil avançou ao abraçar as cotas como uma política vitoriosa.”
Com informações da Folha de S.Paulo