Conselho de Medicina é alvo de ação por dar respaldo a negacionistas
A má gestão e o negacionismo que permearam o combate à covid-19 no Brasil produziram resultados catastróficos
Publicado 02/10/2021 18:56
A ausência de mensagens claras e de engajamento no combate à covid-19 no Brasil não é fruto exclusivo do governo do presidente negacionista. O Conselho Federal de Medicina (CFM), órgão representante da classe, virou alvo nesta setxa-feira (1º) de ação movida pela Defensoria Pública da União (DPU), que cobra R$ 60 milhões em danos morais e coletivos pela falta de responsabilidade do órgão durante a pandemia.
A DPU ainda pede R$ 50 mil de indenização para cada família de vítima que foi tratada com medicamentos comprovadamente ineficazes e morreram, ou então agravaram o estado de saúde. Assim como Bolsonaro, o CFM apostou contra a ciência, se esquivou da responsabilidade, e editou parecer em maio de 2020 para orientar uso de hidroxicloroquina contra o vírus. Centenas de estudos, incluindo parecer da Organização Mundial da Saúde (OMS), comprovaram repetidamente a ineficácia do medicamento, além dos riscos cardíacos acarretados pelo uso.
O vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Donizette Giamberardino Filho chegou a dizer que a entidade “não recomenda e não aprova tratamento precoce“. Entretanto, o parecer equivocado do CFM segue ativo. Os defensores pedem a suspensão imediata do documento. “Comprovada a ausência de eficácia do uso de cloroquina no tratamento contra a Covid-19 e, pior, sua potencialidade lesiva neste contexto, afetam-se valores que deveriam ser protegidos pelo Estado, como o da dignidade humana, ao se insistir no uso de tais medicamentos”, afirma a ação assinada por 10 defensores e protocolada na 22ª Vara Cível Federal de São Paulo.
Os defensores argumentam que as ações do Conselho Federal de Medicina “contribuíram decisivamente para o resultado catastrófico da gestão do enfrentamento da pandemia no Brasil”. E, ainda, que o posicionamento da entidade serviu de “respaldo para negacionistas defensores do tratamento precoce, além de disseminar a errônea impressão de que havia um medicamento que preveniria a Covid ou a curaria em seus estágios iniciais”.
A má gestão e o negacionismo que permearam o combate à covid-19 no Brasil produziram resultados catastróficos. É o país com mais mortes pelo vírus em 2021. E segundo desde o início da pandemia, em março de 2020, atrás apenas dos Estados Unidos. Também é o segundo país com mais mortes proporcionais de jovens, atrás do Peru, sem contar a ampla subnotificação. Sem estratégia de controle, o país sofre com ausência de testes e inconsistências nos balanços. Mesmo casos de fraudes em atestados de óbitos para “maquiar” números em prol do bolsonarismo foram observados, como no escândalo da Prevent Senior, em São Paulo.
As más práticas observadas na Prevent Senior vieram à tona com a CPI da Covid, no Senado Federal. O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) também é alvo de denúncias por, supostamente, ter encobrido os crimes da operadora de saúde, inclusive com possíveis fraudes em documentos. Além da investigação no Senado, duas CPIs foram autorizadas para investigar o caso na Câmara dos Vereadores de São Paulo e na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).
Cientistas argumentam que muitas das mortes no país seriam evitáveis. De acordo com o balanço mais recente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), o Brasil soma 597.255 vítimas. Nas últimas 24 horas foram registradas 506, além de 18.578 novos casos, e sem contar a subnotificação 21.455.651 brasileiros foram infectados desde o início do surto.
A covid-19 está em um período de estabilidade de mortes e casos desde o dia 10 de setembro, mas ainda em um patamar elevado. Entretanto, o cenário é o melhor desde o início do ano, isso graças ao avanço da vacinação. Panorama que poderia ser mais positivo, caso medidas de segurança, como distanciamento social, não tivessem sido abandonadas desde sempre. O país tem 45,18% de imunizados, mas a OMS indica, para controle da pandemia, que esta porcentagem deve ser superior a 80%. Tomaram uma dose 75,16%, mas também impacta negativamente um grande número de faltosos da segunda dose, mais de 11% dos habilitados.
Ao contrário do que prega o presidente e seus apoiadores, as vacinas comprovam sua eficiência dia após dia. Setembro foi o mês com menos mortes por covid-19 no Brasil desde o início do ano, 16.275. Apenas na primeira semana de abril deste ano, a mais letal do surto, foram 21.141 vítimas.
Ainda existem outros dados positivos graças à vacinação. Em São Paulo, por exemplo, estado mais afetado pelo vírus, setembro foi o mês com menor média de internações desde o início do surto. Foram 608 pacientes por dia, enquanto no pior mês, março de 2021, foram 2.881. A média diária de novos casos no estado, calculada em sete dias, foi a menor do ano, com 3.448, frente a 20.658 no pior mês, julho. O mesmo vale para as mortes, com 132 vítimas diárias diante de 718 no pior mês, abril.
Fonte: RBA